sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Elizabeth II perdoou três pessoas por seus crimes; uma delas foi o inventor do computador

Coluna  Pedro Doria

Alan Turing, condenado em 1952 por ser homossexual, recebeu perdão póstumo em 2013 

Foto: Science Museum, London, SSPL

Alan Turing, condenado em 1952 por ser homossexual, recebeu perdão póstumo em 2013


Um dos raros poderes de verdade que um monarca britânico tem é o do perdão real. Em essência, quem ganha o perdão tem sua sentença comutada. Elizabeth II o usou apenas três vezes. Dois detentos em Gales tiveram a pena diminuída após salvarem um funcionário da penitenciária que havia sido atacado por um javali. A terceira pessoa perdoada foi Alan Turing, o homem sem o qual o computador não existiria.

Esta é uma história inacreditável. Turing inventou o computador em sua cabeça, como modelo teórico, aos 23 anos. Na Segunda Guerra, alistou-se e designaram-no para trabalhar em Bletchley Park, o núcleo de quebra de códigos da inteligência britânica.

Àquela altura, os nazistas já usavam Enigma, uma máquina elétrica com rotores, luzes e um teclado. A cada dia, as unidades militares alemãs recebiam um código novo para a máquina. Este código único embaralhava as frases digitadas numa ponta e as desembaralhava na outra. Os modelos de Turing ajudaram a construir a máquina que quebrou o código. O smartphone em seu bolso nasceu desta máquina.

Em janeiro de 1952, a casa do herói foi assaltada e ele registrou a queixa. Quando um policial o visitou para perguntar os detalhes, observou que também na sala estava um rapaz bem mais jovem. Indagou quem era. “É meu namorado”, respondeu o matemático.

Quem sabe de Alan Turing e não é da área de tecnologia o conhece pelo filme “O Jogo da Imitação”, em que é vivido por Benedict Cumberbatch. Lá, Turing parece um sujeito alheio ao mundo e um quê arrogante. Quem o conheceu, porém, o descreve como tímido e amoroso. O que ele nunca teve vontade de fazer é ficar no armário. Nunca divulgou que era homossexual, tampouco lidou com a questão como algo a esconder. Quando o policial perguntou, respondeu.

Na Inglaterra de 1952, homossexualidade era crime. Turing viu-se obrigado a escolher como pena alternativa um tratamento hormonal. Era um homem atlético, vaidoso. Os remédios fizeram seus peitos incharem como se fossem seios. Estava deprimido.

Na noite de 7 de junho, em 1954, Alan Turing deitou-se na cama e comeu meia maçã embebida em cianeto. Foi achado na manhã seguinte pela faxineira. Elizabeth II já era rainha.

Aos nossos ouvidos contemporâneos, que o Reino Unido tenha tratado aquele que talvez tenha sido o britânico mais genial do século 20 desta forma soa como barbárie.

Elizabeth II perdoou três pessoas por seus crimes. Um deles, em 2013, foi Alan Turing. Póstumo. Mas o gesto tem significado.

Fonte: https://www.estadao.com.br/link/elizabeth-ii-perdoou-tres-pessoas-por-seus-crimes-uma-delas-foi-o-inventor-do-computador/?j=263071&sfmc_sub=495497372&l=8503_HTML&u=5958924&mid=534001280&jb=4&utm_medium=newsletter&utm_source=salesforce&utm_campaign=conectado&utm_term=20220909&utm_content=

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