Juremir Machado da Silva*
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Muita gente ainda não entrou na era Internet, mas a Internet já entrou na era da gente. A tecnologia muda até mesmo o mundo das pessoas que não a utilizam. Uma tecnologia pode, por exemplo, eliminar certas profissões. Surgem outras. O professor de Datilografia está no museu com suas máquinas flamantes. Quem está na Internet usa o Google. É inevitável. Já existe até o verbo "googlear". Esse negócio de verbos é engraçado. Paulista tem uma maneira muita particular de conjugar. Não diz "cornetear", mas "cornetar". Fala "Fulano corneta Beltrano". Bizarro. Carioca não sabe o que é "chinelagem". Paulistas e cariocas praticam o bairrismo cosmopolita. Só as suas expressões são nacionais. O assunto é outro: Google é um espião. Rastreia tudinho.
Coleta os dados de cada usuário, do tipo de computador usado aos assuntos pesquisados, dos números de telefone contatados ao idioma, dos erros acontecidos com o computador ao lugar onde a pessoa se encontrava. Tudo. Rastreia, armazena e utiliza. Nem precisa de autorização judicial. O olho espião do Google aumentou com a criação da "identificação única do usuário", uma espécie de cadastro unificado reunindo todos os dados de uma pessoa, mesmo que ela entre na Internet com nomes diferentes. Para não ser rastreado, o usuário precisa saber desabilitar um negócio chamado "cookies". Para isso, bem entendido, necessita saber o que são cookies. A prática é de atirar primeiro e perguntar depois se está tudo bem. Como a maioria não sabe da existência de olhinhos espiões chamados cookies, o rastreamento é inevitável. Qual o problema? Os dados de cada um deixam de ser privados.
"Eric Schmidt, presidente do Google,
disse que "quem tentar restringir
a Internet vai falhar". Restringir,
no jargão adolescente dos deslumbrados
ou dos beneficiados,
significa regulamentar."
É certo que esse é o sonho de muitos. Perder a privacidade. Cair no domínio público. O Google espião não torna ninguém famoso. Apenas facilita coisas como o bombardeio de publicidade personalizada. A pessoa começa a pesquisar na Internet sobre mudança de sexo para um trabalho erudito e, de repente, surgem do nada links sobre boates para encontros sem preconceitos em Dubai. O Google é o "Big Brother". Sem prêmio de 1 milhão. Há quem nada tenha a esconder ou nada a mostrar, o que pode ser desesperador. Um articulista disse ontem que a Internet está parecida com o Velho Oeste, um território sem lei. Acho que está mais para um imenso Paraguai. Eric Schmidt, presidente do Google, disse que "quem tentar restringir a Internet vai falhar". Restringir, no jargão adolescente dos deslumbrados ou dos beneficiados, significa regulamentar. A Internet é um gigantesco campus da USP.
Quem fala em regulamentação é rotulado de reacionário, atrasado, velho, não entendeu a Internet, esse papo furado de quem só quer levar vantagem em tudo e confunde juventude com inteligência. O argumento mais usado é de que regulamentar serve aos interesses de terríveis corporações capitalistas. Ainda bem que o Google é uma microempresa socialista autogerida por seus funcionários e sem fins lucrativos. Existe apenas, da mesma maneira que Megaupload, para realizar um ideal de fraternidade: o compartilhamento do conhecimento livre.
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Crônista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.brFonte: Correio do Povo on line, 05/03/2012
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