segunda-feira, 5 de março de 2012

Sírios, gregos e nós

Rubens Ricupero*

Deveria ser natural que soubéssemos
mais o que se passa nas terras
de nossos ancestrais
Síria e Grécia se tornaram símbolos das duas famílias de crises que dominam a agenda mundial. São nesses países que a Primavera Árabe, de um lado, e o desastre financeiro, do outro, atingiram nível de paroxismo. Lá também a agonia se processa em câmera lenta, sem desfecho final à vista.
Intriga que sejam justamente os berços da civilização ocidental os menos aptos a administrar desafios que nasceram da modernidade inventada pelo Ocidente. Primeiro o Iraque da Babilônia e da Assíria, depois o Egito, agora a Síria corredor entre essas culturas, a Grécia, a Itália, herdeira dos gregos e romanos, todas as fontes do que pensamos e somos dão a impressão de ruínas arrastadas pela correnteza. Dir-se-á que, afora a geografia, nada existe em comum entre esses locais e as antigas civilizações que nelas outrora floresceram. Ainda que fosse verdade, é inegável que o drama desses países nos toca mais de perto do que os conflitos na Bósnia ou no Afeganistão, lugares dos quais não sabemos grande coisa.
Tratando-se de Portugal, da Espanha, da Itália e da nação de onde vieram muitos dos nossos árabes, deveria ser diferente. Graças a tradições e laços de família, à presença de comunidades importantes dessas nacionalidades, seria natural que houvesse mais empatia e solidariedade ou que revelássemos conhecimento mais profundo do que se passa nas terras de nossos ancestrais.
Deveria ser, mas não é. Veja-se, por exemplo, o caso da Síria. Semanas a fio, a cidade de Homs esteve presente em todas as manchetes dos jornais. A cidade foi origem de muitas famílias sírias radicadas no Brasil e deu o nome a um dos clubes mais prestigiosos de São Paulo. A julgar, porém, pelo silêncio em torno da batalha que castigou a localidade, ninguém suspeitaria que existisse aqui um vínculo qualquer com Homs.
Por que o silêncio, não só dos sírios, mas também dos libaneses (devido às afinidades)? É que na Síria o conflito não se esgota na dimensão democratas contra ditadura.
Há, como no Líbano, no Egito e no Iraque, um problema entre comunidades. O governo sírio está há décadas em mãos da minoria alauita, contestada pela maioria sunita. Outras minorias, como os cristãos, se sentem mais seguras sob o governo de uma minoria.
Sírios e libaneses vindos para o Brasil eram, em geral, cristãos: maronitas, melquitas, ortodoxos. A memória das discriminações sofridas da parte da maioria sunita e as perseguições ora renovadas contra os cristãos no Egito e no Iraque não os encorajam a desejar a chegada ao poder novamente de uma maioria, sunita ou xiita.
Os pais da democracia americana afirmavam que ela não era apenas o governo da maioria, mas a garantia dos direitos da minoria.
No Oriente Médio, porém, a maior proteção vem da própria comunidade. Daí o provérbio alauita: "Se você está com Assad, está com você mesmo"!
A fragmentação em comunidades antagônicas é uma das heranças das antigas civilizações. Compreender essa realidade complexa e, nesse ponto, sim, distante de nossa experiência será essencial para que o Brasil possa ajudar a superar os conflitos dessa complicada região.
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* Diplomata de carreira. Ex ministro da Fazenda (1994). Colunista da Folha.
Fonte: Folha on line, 05/03/2012
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