Capitalismo:
Novos modos de gestão buscam capturar
subjetividades antes preservadas.
AP
Alves: discussão configurada pelas novas bases técnicas do sistema
Em "Trabalho e Subjetividade", Giovanni Alves, professor da Unesp, doutor em ciências sociais pela Unicamp, propõe uma discussão sobre os novos modos de gestão - que chama de "espírito do toyotismo - e volta ao clássico "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", no qual Max Weber afirmava que o indivíduo nasce imerso na ordem econômica. Era o início do século XX e ele se referia ao capitalismo moderno, baseado na entrega ao trabalho e à "vocação" de ganhar dinheiro. Weber percebeu que o indivíduo assume como modelo de conduta as normas de ação econômica, fazendo com que, no capitalismo moderno, a profissão apareça como vocação e o trabalho, como dever.
Alves atualiza essa discussão partindo de uma leitura de dois sociólogos franceses, Luc Boltanski e Ève Chiapello, cuja obra, "O Novo Espírito do Capitalismo", faz parte de um debate contemporâneo sobre as ligações entre trabalho e subjetividade.
Valor: Porque o senhor escolheu falar em "espírito do toyotismo"?
Giovanni Alves: Estou nomeando como toyotismo isso que muitos autores chamam de novo espírito do capitalismo. O espírito do toyotismo não se restringe meramente a um modelo de gestão. A questão que o livro quer suscitar é o que está por trás desse modelo de gestão nas empresas. Quero pensar esses elementos para além da fábrica. O espírito do toyotismo é o novo espírito do capitalismo, como aparece no livro "O Novo Espírito do Capitalismo" (Martins Fontes, 2010), dos sociólogos franceses Luc Boltanski e Ève Chiapello, que trata dessa nova ideologia.
Valor: Seu trabalho analisa especificamente o modelo japonês de gestão?
Alves: Não analiso somente o modelo japonês de gestão, que já foi bastante discutido nos últimos 20 anos. E também não trato apenas do operário, embora o toyotismo tenha se originado numa montadora de automóveis. O que me interessa pensar é o espírito no sentido que lhe foi dado por Max Weber no princípio do século XX: um conjunto de valores, atitudes, motivações e comportamentos que têm um sentido e que dão um sentido à ação, ao comprometimento, ao envolvimento.
Fábrica da Toyota no Japão: como em toda indústria, só um lugar,
entre muitos na vida do trabalhador, para se fazer
o "controle do metabolismo social"
Valor: Por que é o caso de se falar em capitalismo manipulatório?
Alves: Quero pensar uma nova forma de metabolismo social, que ocorre na era do capitalismo manipulatório, conceito do filósofo Georg Lukács a partir de uma expressão cunhada por ele em 1979. Acho que a expressão é muito valiosa para explicar o capitalismo na sua fase atual de desenvolvimento histórico. Muitas vezes se fala em capitalismo financeiro, flexível, cognitivo, mas capitalismo manipulatório me parece a melhor expressão para pensar o controle do metabolismo social. É uma categoria sociológica, se pensarmos a sociologia como a ciência das relações sociais. A manipulação não está somente na fábrica, mas nas diferentes instâncias da vida social, inclusive nas relações humanas, afetivas, hoje impregnadas de valores que alteram nossa forma de estar no mundo. São mudanças significativas no plano da subjetividade, para pensarmos a sociedade capitalista.
Valor: Esse novo espírito do capitalismo depende de uma espécie de "captura" do trabalhador? O trabalho se transforma, desse modo, numa extensão da vida?
Alves Os marxistas não deram muita atenção a esse aspecto do metabolismo social, não prestaram tanta atenção à vida cotidiana, às relações sociais, e à maneira como essas relações se dão. Este livro é um olhar sobre as relações sociais e humanas para além da fábrica. É preciso construir, na vida cotidiana, pressupostos que permitam que aquelas formas de gestão funcionem a contento. Isso está na origem do fordismo. É interessante observar que Henry Ford já tinha essa percepção, mas no fordismo essas implicações ainda não eram muito concretas. Hoje, o capitalismo precisa envolver o trabalhador, lidar com a emoção e com o despojamento dele, para que ele possa se dedicar à empresa se for requisitado no final de semana. É a vida dele que é requisitada, não é mais apenas a força de trabalho. Hoje, o capital não quer mais só a força de trabalho, quer a subjetividade do trabalhador.
Valor: Como se verifica essa apropriação?
Alves: É uma operação ideológica muito sofisticada. O capital tem essa característica de se apropriar de valores como flexibilidade, individualidade, empreendedorismo. Mas, se você olhar de perto, vai ver que não é bem assim. A individualidade está recoberta por uma camada de individualismo. O empreendedorismo não dá certo porque o mercado não tem espaço para todos, o que gera uma grande frustração. E a flexibilidade é incompatível com o controle e as metas de produtividade, das quais as empresas não abrem mão.
Valor: O aparato das novas tecnologias propicia, e mais, estimula a captura desses valores do novo espírito do capitalismo? Estaríamos vivendo um capitalismo do tipo informacional?
Alves: A base técnica impõe uma forma de gestão ou de relação com as máquinas que não pode ser desconsiderada. As novas máquinas informacionais trazem, de fato, uma mudança na forma de manipulação, que é decorrente dessas novas tecnologias. Tento mostrar no livro que toda essa discussão sobre toyotismo e sobre captura da subjetividade passa não por um plano psicológico, mas está configurada pelas novas bases técnicas do sistema. As novas tecnologias fazem um conjunto de promessas que o capital usa para se fortalecer. Há duas palavras que explicam bem o capitalismo: promessa e frustração. Nunca um sistema prometeu tanto para a humanidade, mas o resultado é a frustração da sua capacidade de desenvolver essas potencialidades.
"Trabalho e Subjetividade -
O Espírito do Toyotismo na Era do Capitalismo Manipulatório"
Giovanni Alves. Boitempo Editorial. 168 págs., R$ 36,00
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Reportagem por: Carla Rodrigues Para o Valor, do Rio
Fonte: Valor Econômico on line, 31/05/2011
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