domingo, 7 de agosto de 2011

AREIA DEMAIS

Rubem Alves*
Há a fantasia de que “ela é areia demais para o meu caminhãozinho”. Claro que há sempre o recurso de se fazer duas viagens, se houver gasolina para tanto. Mas a assimetria continua.
Dito em linguagem culinária: “Minha comida é muito pouca para a fome dela”. Dito em linguagem técnica: “Eu, com objeto do desejo, sou pequeno demais para o desejo dela”.
São as mulheres as primeiras a falar sobre o tamanho enorme do seu desejo. “Para o meu desejo, o mar é uma gota”, diz Adélia. Ah! Então seria preciso que os homens fossem deuses para satisfazer esse desejo oceânico! Qualquer homem é muito pouco...
Aí os homens começam a ter medo do desejo da mulher. “Melhor uma mulher sem desejo. Pois, se ela não tiver desejo, não passarei pela humilhação de não poder satisfazê-lo”. Os homens de geração passadas queriam as mulheres virgens, não por razões religiosas de pureza, mas para impedir a possibilidade de comparação. Ele não quer que ela saiba do tamanho do seu caminhãozinho.
“Para o meu desejo, o mar é uma gota”,
diz Adélia.

O homem não suporta imaginar que o desejo de sua amada, que ele não consegue satisfazer, possa ser satisfeito por outro. Daí o temor da infidelidade da mulher: o temor de ser menor que o outro. A ferida não é ficar sem ela, a dor não é a perda dela. A dor maior, insuportável, é narcísica. Pois, “ao me ser infiel e me abandonar, ela está proclamando aos quatro ventos a minha incapacidade de satisfazer o seu desejo: ela revela o segredo da minha incompetência”.
Identidade sexual também se define “homossexualmente”: preciso ser confirmado como homem perante os outros homens, meus iguais. O que é insuportável para o homem não é a ausência da mulher, mas sentir-se pequeno perante os olhares dos seus pares, homens. Por isso eles desenvolvem a arte de “contar vantagem” diante dos seus pares.
Não basta que minha masculinidade seja confirmada pela mulher. Preciso exibi-la narcisicamente diante dos meus pares.
A virgindade, como a oblação dos clitóris praticada por certa tribos africanas, a indiferença sexual e, no seu ponto extremo, o crime de amor são formas de possuir a mulher através da destruição do seu desejo. “Uma mulher sem desejo será sempre minha.”
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* Teólogo. Pedagogo. Poeta. Escritor. Contador de histórias.
Fonte: Do livro: ALVES, Rubem. Rubem Alves do Universo à jabuticaba. SPaulo, Ed. Planeta do Brasil, 2010, pág. 164/165.
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