segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Gênio e idiota

Juremir Machado da Silva*

Crédito: PEDRO LOBO SCALETSKY
A tarefa de um cronista diário é perturbar o café da manhã dos leitores. A etiqueta recomenda que não se faça a pessoa regurgitar (é melhor do que vomitar) a refeição matinal todos os dias. Vez ou outra, porém, é aceitável. Isso se faz desmontando mitos. Por exemplo: não existem gênios. O conceito de genialidade é romântico. Existem gênios idiotas e idiotas geniais. Assim como amor e ódio estão muito próximos, genialidade e idiotice também. Eu, por exemplo, sempre é importante pensar o universo a partir do próprio umbigo, sou genial quando não estou idiota. Normalmente quando chego ao ápice da minha genialidade, sou chamado de idiota. E vice-versa. Já notaram que quem versa quase sempre é o vice, tentando explicar por que não é mais do que isso? Sem digressões.

"Estamos na época das inteligências múltiplas,
uma maneira de dizer que cada um de nós,
na melhor das hipóteses, só tem inteligência para uma coisa.
 Ser bom em várias coisas nem
é muito inteligente."

Muita gente acha que jogar xadrez bem revela uma inteligência superior. George Bernard Shaw sabia que a capacidade de jogar xadrez só serve para aumentar a capacidade de jogar xadrez. É dele esta reflexão contundente: "Jogar xadrez é um expediente tolo para fazer com que pessoas preguiçosas acreditem que estão fazendo algo muito inteligente, quando estão apenas perdendo tempo". Se os enxadristas fossem gênios, Kasparov já teria tomado o poder na Rússia. Vou repetir: gênios não existem. Há pessoas mais ou menos competentes em determinadas áreas. Bons frasistas podem ser apenas isto: bons fazedores de frase. Durante muito tempo se acreditou que falar várias línguas era sinônimo de genialidade, o que devia levar as secretárias multilingues a tomar o lugar dos patrões medíocres e monoglotas. Falar muitas línguas é apenas questão de estudo, de alguma competência e, de certo modo, de aptidão para falar muitas línguas.
É conhecida a anedota sobre um bom jogador de futebol, atividade baseada em boas noções de tempo e espaço, com atuações no Grêmio e no Inter, que não conseguia achar o caminho de casa ao volante do seu carro. Como gostava de dirigir, contratou um táxi para ir na sua frente. Solução genial. Prazer garantido. O conceito de gênio cria muitos estragos. Faz com que pessoas sejam deslocadas de uma função para outra com a ilusão de que terão tudo para dar certo. Foi o que aconteceu com Falcão. Craque dentro de campo, teria de ser craque à beira do campo. Ninguém é gênio. Estamos na época das inteligências múltiplas, uma maneira de dizer que cada um de nós, na melhor das hipóteses, só tem inteligência para uma coisa. Ser bom em várias coisas nem é muito inteligente. Cria problema. Gera inveja. Um sujeito muito inteligente deve até disfarçar um pouco.
Especula-se que o conceito de genialidade teria sido inventado por um idiota para explicar o que não compreendia: a inteligência dos outros. Atualmente, embora não tenhamos a menor ideia de como funciona realmente um computador, usamos a palavra gênio para, entre outros, o indivíduo capaz de dar um drible desconcertante, o que, visto por outro ângulo, pode ser apenas a expressão de um bom controle motor. O máximo da idiotice é acreditar que podem existir gênios absolutos.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 01/08/2011
Juremir Machado da Silva

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