BOA MÃE
A americana Pamela, autora de French children don’t throw food (
Crianças francesas não atiram comida).
As crianças da França parecem se comportar melhor na rua e em casa
(Foto: Benjamin Barda)
Elas já são mais magras, elegantes e bem-educadas.
Agora parece até que criam melhor os filhos.
Por que as francesas viraram o ideal
da mulher moderna?
Uma simples ida ao restaurante com as crianças pode se tornar um verdadeiro martírio. Passada a excitação inicial, elas começam a correr entre as mesas, atirar comidas nas pessoas e fazer a tradicional manha pedindo – ou exigindo – que os pais as levem para casa. A jornalista americana Pamela Druckerman, de 41 anos, casada com um inglês e residente há dez anos na França, onde deu à luz os três filhos, viu-se nesse cenário caótico. Num bistrô local, observou que era a única mãe atormentada pelos pequenos selvagens. A partir da experiência, decidiu debruçar-se sobre a tese de que os franceses são melhores educadores. O trabalho resultou no livro French children don’t throw food (Crianças francesas não atiram comida), recém-lançado na Inglaterra e nos Estados Unidos.
O que poderia ser um manual de generalidades tolas – afinal, nem toda criança francesa é bem-educada – mostra-se um divertido relato de uma americana desesperada em desvendar alguns enigmas do país que a acolheu: por que os pequenos franceses dormem mais cedo que os de outras nacionalidades? Por que conseguem brincar tranquilos em seu canto e se comportar melhor à mesa, num país cujos restaurantes têm fama de permitir a entrada de cachorros, e não de crianças? A resposta está, diz Pamela, nos pais franceses, que sabem dar limites firmes e não deixam que seu mundo gravite em torno dos filhos.
A investigação da autora é quase instintiva. No lugar dos especialistas, ela parece confiar mais na experiência de casais de amigos franceses. As mães respondem, candidamente, que “não fazem nada demais”, que aplicam na maternidade o princípio nacional do “laissez-faire” (algo como “deixa rolar”), base do liberalismo econômico do século XVIII. Ele parece libertar as mães francesas da culpa de não estar 24 horas por dia disponíveis para suas crianças. As francesas amamentam menos, têm licença-maternidade de quatro meses com cursos de ginástica vaginal pagos pelo Estado e voltam à forma com mais rapidez que as americanas. Tampouco alimentam as neuroses de uma geração de mães que, desde o início dos anos 1980, recorre ao divã dos analistas.
As francesas não mostram medo de traumatizar os filhos por dizer um simples não. Também não ocupam as crianças com cursos extracurriculares de piano, expressão artística e computação, na esperança de criar futuros Mozarts, Picassos ou Steve Jobs. O estímulo precoce dá lugar a um método que tem como princípio básico deixar que a criança brinque sozinha em casa, sem obrigar os pais a inventar brincadeiras participativas ou se atualizar sobre os mais recentes jogos educativos. A prática estimula a criança a se entreter em seu quarto, enquanto os adultos recebem as visitas. Alguns exemplos podem parecer cruéis, como deixar o bebê chorar no berço até aprender a dormir durante uma noite inteira ou o filho com fome, caso ele não se adapte ao menu e aos horários das refeições da casa. E o mais importante: quando uma mãe francesa diz “basta”, a criança não abre o berreiro; simplesmente reconhece seus limites. “Passamos a ver as crianças como seres muito frágeis, prestando atenção a tudo o que diz respeito a seu corpo e a seu espírito. O resultado é um estilo de educação que acaba por escravizar os pais”, afirma Pamela.
A empresária Marie Annick Mercier, presidente do Instituto Diálogo Euro-Brasil, diz reconhecer os benefícios da educação em seu país. Mas preferiu criar a filha, Marie, no Brasil. “As crianças francesas estão abaixo dos pais na hierarquia familiar. Os limites são transmitidos bem claramente desde cedo”, diz. “Aqui no Brasil elas são tratadas como os reis da casa, mas, em contrapartida, o afeto é mais desmedido, e as crianças crescem com mais autoconfiança, autoestima e segurança.”
O livro de Pamela é um contraponto suave a outro fenômeno de vendas, O grito de guerra da mãe tigre, da americana descendente de chineses Amy Chua. No ano passado, ela chocou o mundo com seus métodos quase militares de criar as crianças. Amy aconselha mães a chamar seus filhos de “lixo” quando desobedecerem e a proibir brincadeiras na casa dos amigos. No caso das supermães francesas enaltecidas por Pamela, nada disso é necessário, pois as crianças sabem, desde cedo, reconhecer as linhas invisíveis que as separam do mundo dos adultos. Para a psicóloga infantil Rita de Cássia Lino, do Rio de Janeiro, a moda de manuais com fórmulas mágicas revela a impotência dos pais. “A questão crucial é não dar o limite com tom de punição”, diz.
O fascínio das americanas pelas colegas do outro lado do Atlântico ganhou força na última década com a publicação de livros que enaltecem as qualidades atribuídas às francesas. A herança remonta à época em que a América era um apanhado de colonos menosprezados pela metrópole inglesa, cujas elites pretendiam civilizar-se à moda da corte dos Bourbons. Nessas obras, as francesas são magras (Mulheres francesas não engordam, de Mireille Guiliano), elegantes (Como se vestir como uma mulher francesa, de CeCe Montagne), sedutoras (O que as mulheres francesas sabem, de Debra Ollivier) e bem resolvidas na maturidade (Envelheça bonita como as chiques mulheres francesas, de Anne Barone). Segundo esses livros, as francesas estão mais preocupadas com parecer femininas que feministas.
Mas o mito da supermulher está bem distante da realidade. Três em cada quatro franceses (de ambos os sexos) acreditam que os homens têm mais qualidade de vida que as mulheres; 82% delas, entre 25 e 49 anos, trabalham em tempo integral e, apesar de a lei do país obrigar os partidos a apresentar listas igualitárias de candidatos de ambos os sexos, a maioria prefere pagar multas a cada eleição por causa do favoritismo aos homens. Mais de dois terços da Assembleia Nacional, a Câmara dos Deputados francesa, são compostos de homens. Há também o lado perverso da política de estímulo à maternidade, que oferece reduções de impostos por filho, descontos para famílias grandes em meios de transporte públicos e creches gratuitas até o início da noite. As francesas dedicam cinco horas por dia às crianças e às atividades domésticas. Os franceses, duas horas. A legislação estimula a natalidade, mas, na prática, não libertou as mães da rotina extenuante de obrigações que os homens acham que cabe a elas.
Três em quatro franceses acreditam que os homens têm mais qualidade de vida que as mulheres A visão da mulher independente e liberal também se esfacelou no ano passado com o escândalo sexual do ex-presidente do FMI Dominique Strauss-Khan. Acusado de estuprar uma camareira num hotel em Nova York e de participar de orgias, ele não negou as puladas de cerca, mas nem por isso sua mulher, a jornalista Anne Sinclair, pediu o divórcio. Pelo contrário, tomou sua defesa, para espanto geral. Diante do romance do intelectual Bernard-Henri Lévy com a socialite inglesa Daphne Guinness, a mulher traída, a atriz Arielle Dombasle, preferiu um silêncio submisso. “A França é um país de velhos machos gauleses”, afirmou Lévy. Uma tese reforçada pela primeira-dama, Carla Bruni, famosa pela coleção de namorados e amantes do passado. Casada com o presidente Nicolas Sarkozy, adotou sapatos sem salto (para não passar o companheiro baixinho), interrompeu a carreira de cantora e anda protocolares três passos atrás do marido. Pelo visto, as mães francesas ainda têm, oh-la-la, muitas questões para resolver.
------------------------------------Reportagem por BRUNO ASTUTO
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2012/02/
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