sexta-feira, 2 de março de 2012

A eterna vírgula da relação

Paulo Brabo*

Todo mundo quer ir pro céu, mas ninguém quer morrer.
Evandro Mesquita, em O romance da universitária otária (1982)
Existir é uma rede: ninguém pode escapar e ninguém está sozinho. Você pode ser invulnerável em todos os aspectos, mas as cordas das relações te amarram, velho. Amar é um saco. E é impossível.
O vertiginoso peso de todo relacionamento, aquela vírgula que nos leva a perder o fôlego vez após vez ao longo desta vida, é que são sempre os outros que determinam o status da relação deles com você. Quanto mais viva e intensa é a qualidade dos seus relacionamentos, meu caro, mais vulnerável você é. Quanto mais rico tu és, mais tens a perder. Todo mundo quer amar, mas ninguém quer sofrer.
Que os outros tenham autonomia para determinar em cada dado momento e para sempre o status de nossa relação com eles não deve ter sido fácil para ser humano nenhum em época nenhuma; num mundo como o nosso, em que estamos aprendendo a desejar (e ter) tudo debaixo do nosso controle – um mundo que só consideramos ideal se não existirem variáveis fora do nosso poder, – essa fragilidade essencial da condição humana é motivo de escândalo e de embaraço universais.
Porque às vezes, pasme-se, os outros estão tão entretidos em suas próprias questões egoístas que chegam a se esquecer de que o mundo gira ao nosso redor. Tornam-se tão ensimesmados que se esquecem de dar a atenção que eu e você merecemos, com a intensidade que eu e você esperamos e do modo que eu e você decidimos que nos trará mais prazer. E não é sempre, você pode já ter notado, que estamos prontos para aturar essa postura infantil e irresponsável da parte deles.
É evidente que algumas vezes os modos como os outros nos tratam podem ser traçados de volta a nós mesmos. Algumas vezes as pessoas acham necessário se afastar de nós porque entendem que não estamos dando a devida atenção a elas; outras vezes se afastam porque entendem o oposto, que estamos exigindo demasiada atenção delas. Alguns afastamentos são temporários, outros aparentemente mais definitivos. Alguns podem ser reparados se você se reaproximar da pessoa em questão; outros só podem ser reparados se você se mantiver distante dessa pessoa por tempo suficiente. Algumas pessoas você vai perder, outras você vai ter para sempre, outras vai recuperar de um modo inteiramente diferente… mas você não vai ter nunca como saber com absoluta certeza quem essas pessoas serão, a exata qualidade desse “pra sempre” e em que sentido tudo pode ser diferente.
Em resumo: os outros são instáveis e é uma indignidade para qualquer ser humano colocar os ovos da nossa estabilidade emocional numa cesta tão pouco confiável. Pessoas que não sou eu mesmo não deveriam ter autonomia para afetar coisas que são tão importantes para mim num nível pessoal. Proponho que a partir de agora as demais pessoas ajam exatamente como eu quero que ajam, ou do contrário enfrentem as consequências de não ter a têmpera necessária para que eu as ame.
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* O nome é Paulo Roberto Purim (Brabo™ é apelido), sou ilustrador e moro no Monastério de São Brabo, perdido numa região remota das Índias Ocidentais.
Imagens da Internet

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