Aristóteles, em seu livro “De Anima”, estabelece que o homem é um
animal dotado de algumas faculdades, consideradas por ele como
especiais, sendo elas a imaginação e o intelecto. Dito de outro modo,
para o filósofo grego, a base de todo o conhecimento humano provém da
sensibilidade, já que o intelecto precisaria, portanto, de tal elemento,
para se atualizar e se tornar inteligível. Sendo assim, a abstração se
daria por meio da percepção sensível, ou seja, os elementos fornecidos
pelos sentidos (visão, tato, audição, paladar e olfato) seriam o
substrato do qual a inteligência se utilizaria para efeito de
constituição de um saber, ligado à materialidade e às coisas do mundo.
No dizer do filósofo: “O fato de pensar depende do sujeito que pode
exercer este ato; o ato de sentir, por outro lado, não depende dele:
sendo para isso necessário que o sensível lhe seja concedido”.
Ademais, ainda segundo Aristóteles, a faculdade imaginativa é a que
possibilitaria, ao indivíduo, produzir imagens advindas do contato
direto com os objetos materiais presentes na realidade, e sendo que tais
imagens ficariam retidas na memória. Assim, essas imagens poderiam ser
acessadas sem que houvesse a necessidade de nova experiência sensível
com vistas a “reacendê-la” em nosso intelecto.
Como assevera o professor e profundo estudioso do assunto, Herbert
Davidson, Aristóteles não foi capaz de esclarecer, de forma clara e
evidente, a natureza desse processo intelectivo; ele não conseguiu
estabelecer a que tipo pertence tal intelecção, ou mesmo, no que
consiste esta atividade em seu sentido estrito. Logo, o referido
filósofo baseou-se tão somente em analisar a conexão existente entre as
faculdades intelectiva e imaginativa, ao definir que o intelecto seria
dependente das imagens fornecidas pela imaginação, bem como a sua
atuação derivar-se-ia delas (as ditas imagens sensoriais). O autor,
também, destacou que a indefinição, proposta por Aristóteles, no que
tange ao intelecto e suas funções e/ou propriedades, gerou uma série de
interpretações e, consequentemente, diversos comentários (referentes
tanto à tradição helenística quanto à medieval) a esse respeito.
Desta feita, embora existam lacunas no que toca à relação entre o que
é dado pela sensação e o que é estabelecido pelo intelecto, tais
concepções baseiam-se, em grande medida, na chamada descrição
aristotélica do processo de cognição, que trata da recepção da forma de
um objeto específico do qual se extraiu a sua materialidade.
O filósofo Averróis, por sua vez, define como formas materiais a
relação existente entre as formas dos objetos físicos e as formas da
alma oriundas tanto dos dados externos quanto dos sentidos internos
(sentido comum, imaginação, cogitação e memória), através do qual os
inteligíveis podem ser assim acessados ou mesmo adquiridos. Nesse
sentido, a aquisição de algo que é universal — como o conceito de cor ou
a de uma espécie animal, por exemplo — passaria, necessariamente, pela
afecção material de um dado objeto, a ser percebido sensorialmente, e
depois depurado na alma. Por causa disso e em razão dessa interferência,
no plano da percepção, é que um cego jamais poderia adquirir o conceito
de cor.
Vê-se, pois, que a construção de um determinado conceito (o inteligir
sobre algo) está vinculado às imagens que se tem acerca de uma
determinada coisa. Por essa lógica é que, para Averróis, os inteligíveis
pertencentes a um indivíduo não são completamente idênticos aos de
outro indivíduo. E tais inteligências, sobretudo o intelecto potencial e
a faculdade cogitativa, estão também sujeitas à mudança, bem como
vinculadas a cada um desses indivíduos — enclausurados em suas formas
perceptuais e imagéticas —; não obstante o fato de existirem outras
formas de inteligência, apontadas pelo mencionado filósofo, em muitos
dos seus comentários com relação a Aristóteles, dentre as quais podemos
citar: as inteligências separadas (dos corpos celestes), as
inteligências agentes e a inteligência em ato puro (Deus: o primeiro
motor), e todas elas prescindindo, parcial ou totalmente, da
materialidade.
Na visão de Averróis, o nosso processo cognoscitivo (como se dá o
nosso conhecimento) envolve a recepção e a captura de uma substância que
é separado da matéria, embora tenha o seu início nos dados provenientes
dos sentidos, passando, doravante, pela imaginação até atingir o seu
ápice no intelecto. Com efeito, o sensível é tudo o que pode ser captado
pelo intelecto, visto que para este pensador: “a alma não conhece nada
sem a imaginação, do mesmo modo que a ação dos sentidos depende da
presença do objeto sensível”.
Portanto, um filósofo também importante e que merece ser citado nesse
contexto teórico é David Hume. Uma vez que, na concepção de Hume, o
conhecimento é fruto da experiência e só pode ser adquirido por via das
sensações. Para este filósofo, qualquer noção, sendo ela simples ou
complexa, somente pode ser concebida a partir do modo como é então
percebida, ou seja, o pensamento deriva-se e compõe-se de impressões
sensíveis. A impressão seria, nesse caso, a causa direta da ideia
surgida na mente. A lembrança de tal impressão é o que geraria a noção
que se tem sobre a coisa vivida e experimentada na prática. De tal modo
que, a experiência (sensorial) que se tem de um limão, por exemplo: o
seu cheiro, a sua cor e o seu sabor (puxado para o azedo) é o que
constituiria a noção e o conceito que se tem desse objeto a que se pode
chamar de limão; é o que serviria de base para o nosso entendimento
disso que se diz ser um limão. Em poucas palavras, graças aos sentidos é
que obtemos o material necessário para a formação de um conhecimento
que tem correlação direta com a realidade.
Para Hume, existe um problema relativo às noções complexas que não
têm correspondentes complexos na realidade material. Razão pela qual é
que determinados conceitos, como o de anjo ou mesmo o de pégaso (o mito
do cavalo alado), não podem ser conhecidos e nem tampouco percebidos.
Nessa vertente é que surge a seguinte pergunta: de que impressões
surgiram tais noções? Para o filósofo, essa questão só pode ser
respondida, na medida em que: uma noção complexa possa ser decomposta em
suas noções simples, sendo estas constituintes daquela. Dessa forma,
então, é que podemos dizer que a mente produziu um conceito complexo
acerca das duas noções (a de anjo e a de pégaso) a partir de noções
advindas de impressões simples; ou seja, a imaginação realizou a junção
entre a impressão de um animal — no caso o cavalo — e a impressão de um
par de asas, formando assim uma ideia de uma criatura que não existe,
mas que pode ser construída por meio de uma associação mental de
impressões “reais”. Com isso, a mente humana teria um papel criativo, de
acordo com as próprias palavras do filósofo Hume, ao afirmar que a
mente nada mais é do que “uma espécie de teatro”, nele influindo
diversos elementos que “se sucedem em suas entradas e saídas de cena, e
se misturam numa infinidade desordenada de posições e de tipos”.
Por fim, na mesma linha dos autores citados anteriormente, o filósofo
Gilles Deleuze propõe a seguinte análise sobre o tema em questão: “Nada
se faz pela imaginação, tudo se faz na imaginação. Ela não é nem mesmo a
faculdade de formar ideias: a produção da ideia pela imaginação não é
mais que uma reprodução da impressão na imaginação. Certamente, a
imaginação tem sua atividade, mas esta atividade mesma é sem constância e
sem uniformidade, fantasista e delirante, ela é o movimento das ideias,
o conjunto de suas ações e reações. (…) Como liame de ideias, ela é o
movimento que percorre o universo, engendrando dragões de fogo, cavalos
alados, gigantes monstruosos”.
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Por Alexandre Flores Alkimim em Ensaios
Fonte: http://www.revistabula.com/6403-a-importancia-da-imaginacao-para-o-pensamento/
Imagem da Internet: drawing-paint-imagination-1030x643.jp
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