O xamã Matsés chamado Cesar. Foto: cortesia da Acaté
Tribo amazônica cria enciclopédia de medicina tradicional com 500 páginas
“A [Enciclopédia de Medicina Tradicional Matsés] marca a primeira vez
que xamãs de uma tribo da Amazônia criaram uma transcrição total e
completa de seu conhecimento medicinal, escrito em sua própria língua e
com suas palavras”, disse Christopher Herndon, presidente e co-fundador
da Acaté, em uma entrevista para o Mongabay (na íntegra abaixo).
Os Matsés imprimiram sua enciclopédia só em sua língua nativa para
garantir que o conhecimento medicinal não seja roubado por empresas ou
pesquisadores, como já aconteceu no passado. Em vez disso, a
enciclopédia pretende ser um guia para a formação de jovens xamãs, para
que eles possam obter o conhecimento dos xamãs que viveram antes deles.
“Um dos mais renomados e antigos curandeiros Matsés morreu antes de que
seu conhecimento pudesse ser transmitido, então o momento era este. A
Acaté e a liderança Matsés decidiram priorizar a enciclopédia antes de
perder mais anciãos e seus conhecimentos ancestrais”, disse Herndon.
A Acaté também iniciou um programa para conectar os demais xamãs Matsés
com jovens estudantes. Através deste programa de orientação, os
indígenas esperam preservar seu modo de vida como o fizeram durante
séculos.
“Com o conhecimento de plantas medicinais desaparecendo rapidamente
entre a maioria dos grupos indígenas e ninguém para escrevê-los, os
verdadeiros perdedores no final são tragicamente os próprios atores
indígenas”, disse Herndon. “A metodologia desenvolvida pelos Matsés e
pela Acaté pode ser um modelo para outras culturas indígenas protegerem
seus conhecimentos ancestrais”.
UMA ENTREVISTA COM O MÉDICO CHRISTOPHER HERNDON
Em um mundo que desestabiliza até mesmo as sociedades mais isoladas, o conhecimento tradicional está rapidamente desaparecendo |
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Christopher Herndon: A
enciclopédia marca a primeira vez que xamãs de uma tribo da Amazônia
criaram uma transcrição total e completa de seu conhecimento medicinal,
escrita em sua própria língua e com suas palavras. Ao longo dos séculos,
os povos da Amazônia têm repassado através da tradição oral uma riqueza
acumulada de conhecimentos e técnicas de tratamento que são um produto
de seus profundos laços espirituais e físicos com o mundo natural. Os
Matsés vivem em um dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta e
têm dominado o conhecimento das propriedades curativas das suas plantas
e animais. No entanto, em um mundo em que a mudança cultural
desestabiliza até mesmo as sociedades mais isoladas, este conhecimento
está rapidamente desaparecendo.
É difícil pensar o quão rapidamente este conhecimento pode ser perdido
após uma tribo fazer contato com o mundo exterior. Uma vez extinto, este
conhecimento, juntamente com a auto-suficiência da tribo, nunca pode
ser totalmente recuperado. Historicamente, o que seguiu logo da perda
dos sistemas de saúde endêmicos em muitos grupos indígenas é a quase
total dependência dos rudimentares e extremamente limitados serviços de
saúde que estão disponíveis nestes locais remotos e de difícil acesso.
Não surpreendentemente, na maioria dos países, os grupos indígenas têm
as maiores taxas de mortalidade e doença.
Pela perspectiva dos Matsés, a iniciativa é importante porque a perda da
cultura e o atendimento precário à saúde estão entre suas maiores
preocupações. A pioneira metodologia para proteger e salvaguardar o seu
próprio conhecimento pode servir como um modelo replicável para outras
comunidades indígenas que enfrentam uma erosão cultural semelhante. Em
termos mais amplos de conservação, sabemos que existe uma forte
correlação entre os ecossistemas intactos e regiões habitadas por
índios, o que torna o fortalecimento da cultura indígena uma das
maneiras mais eficazes para proteger grandes áreas de floresta tropical.
Mongabay: Por que é agora o momento de se registrar esta informação?
Christopher Herndon: O
conhecimento dos Matsés e a sabedoria acumulada através de gerações
estava perto de desaparecer. Felizmente, restavam alguns poucos Matsés
mais velhos, que ainda detinham o conhecimento ancestral, já que o
contato com o mundo exterior só ocorreu na última metade do século. Os
curandeiros eram adultos na época do contato inicial e já haviam
dominado suas habilidades antes de que missionários e funcionários do
governo lhes dissessem que elas não eram úteis. No momento em que o
projeto começou, nenhum dos xamãs mais velhos tinha jovens Matsés
interessados em aprender com eles.
Um dos mais renomados e antigos curandeiros Matsés morreu antes de seu
conhecimento ser transmitido, então o momento era este. A Acaté e a
liderança Matsés decidiram priorizar a enciclopédia antes de perder mais
anciãos, com seus conhecimentos ancestrais. O projeto não tratava de
salvar uma dança tradicional ou vestuário, mas da saúde deles e a das
futuras gerações de Matsés. A aposta não podia ser maior.
Mongabay: Como é a enciclopédia?
Christopher Herndon: Após
dois anos de intenso trabalho por parte dos Matsés, a Enciclopédia
agora inclui capítulos escritos por cinco mestres curandeiros Matsés e
tem mais de 500 páginas! Cada entrada é classificada pelo nome da
doença, com uma explicação sobre como reconhecê-la pelos sintomas, a sua
causa, quais plantas usar, como preparar o medicamento e opções
terapêuticas alternativas. Uma fotografia feita pelos Matsés de cada
planta acompanha cada entrada na enciclopédia.
A Enciclopédia é escrita para e desde uma visão de mundo do xamã Matsés,
descrevendo como os animais da floresta estão envolvidos na história
natural das plantas e conectados com as doenças. É uma verdadeira
enciclopédia xamânica, totalmente escrita e editada por xamãs indígenas –
a primeira, que conhecemos, de seu tipo e alcance.
Mongabay: Como você espera que esta enciclopédia possa ajudar os esforços de conservação?
Empoderar os povos indígenas é a abordagem mais eficaz e duradoura para a conservação da floresta tropical |
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Christopher Herndon: Acreditamos
que empoderar os povos indígenas é a abordagem mais eficaz e duradoura
para a conservação da floresta tropical. Não é por acaso que as
extensões restantes intactas da floresta tropical na região neotropical
estão sobrepostas às áreas habitadas por indígenas. Os povos tribais
compreendem e valorizam a floresta porque são dependentes dela. Esta
relação vai além de uma dependência utilitária; há uma ligação
espiritual com a floresta, um senso de interconectividade que é difícil
de se compreender por meio da mentalidade ocidental compartimentalizada –
por mais que seja, no entanto, real.
Muitas das graves ameaças ambientais em áreas indígenas remotas de que
você ouve falar no noticiário – petróleo, madeira, mineração e afins –
são indústrias externas que oportunisticamente se aproveitam da
enfraquecida coesão social interna dos povos indígenas de contato
recente, de seus recursos limitados e da crescente dependência do mundo
exterior. O tema unificador das três áreas programáticas da Acaté –
economia sustentável, medicina tradicional, e agroecologia – é a
autossuficiência. A Acaté não predetermina estas três prioridades de
conservação; elas foram definidas em discussão com os anciãos Matsés que
sabem que a melhor maneira de proteger sua cultura e terras é através
de uma posição de força e independência.
Do ponto de vista de conservação global, os Matsés protegem mais de 3
milhões de acres [1,2 milhões de hectares] de floresta tropical só no
Peru. Esta área inclui algumas das florestas mais intactas, biodiversas e
ricas em carbono no país. As comunidades Matsés no lado brasileiro dos
rios Javari e Yaquerana marcam as fronteiras ocidentais da reserva
indígena do Vale do Javari, uma região quase do tamanho da Áustria, que
contém o maior número de tribos 'sem contato', em isolamento voluntário,
no mundo. Ao sul das margens do território Matsés, nas cabeceiras do
rio Yaquerana, encontra-se La Sierra del Divisor, uma região de beleza
natural impressionante, biodiversidade, e também grupos tribais
isolados. Por estas razões, embora os Matsés somente cheguem a somar
pouco mais de 3 mil pessoas no total, eles estão estrategicamente
posicionados para proteger uma vasta área de floresta tropical e uma
série de tribos isoladas. Empoderá-los é uma preservação de alto
rendimento.
Mongabay: Você
mencionou que a enciclopédia é apenas a primeira fase de uma iniciativa
mais ampla da Acaté. Quais são os outros componentes necessários para
manter os sistemas tradicionais de saúde deles?
Christopher Herndon: Completar
a enciclopédia é um primeiro passo histórico e crítico para mitigar as
ameaças existenciais para a sabedoria de cura e autossuficiência dos
Matsés. No entanto, a enciclopédia sozinha não é suficiente para manter a
autossuficiência, já que seus sistemas de saúde baseiam-se na
experiência que só pode ser transmitida através de longos aprendizados.
Infelizmente, devido a influências externas, quando começamos nosso
projeto, nenhum dos xamãs tinha aprendizes. Ao mesmo tempo, a maioria
dos povos ainda usa e depende do conhecimento de plantas medicinais dos
curandeiros, muitos dos quais têm mais de 60 anos.
Na Fase II, o Programa de Aprendizes, cada xamã – muitos dos quais são
autores de capítulos da Enciclopédia – será acompanhado na selva por
Matsés mais jovens para conhecer as plantas e ajudar no tratamento de
pacientes. O programa de aprendizado foi iniciado em 2014 na aldeia de
Estirón sob a supervisão do xamã Luis Dunu Chiaid. Devido ao sucesso do
projeto piloto em Estirón, os Matsés concordaram em unanimidade, em sua
última reunião, que este programa deveria ser expandido para o maior
número possível de aldeias, dando prioridade às que não têm mais
curandeiros tradicionais.
O objetivo final da iniciativa é a Fase III – a integração e melhoria
dos serviços de saúde do 'ocidentais' feita com práticas tradicionais.
Wilmer, um promotor de saúde em uma pequena clínica em Estirón e um dos
aprendizes do programa-piloto, serve de exemplo para outros Matsés que
trabalham com saúde. Ele entende que o futuro da saúde do seu povo
depende da criação de sistemas de saúde duais e vibrantes que permitam à
comunidade aproveitar o melhor de ambos os mundos da medicina.
Além disso, foi decidido que o nosso trabalho agro-florestal deve ser
expandido para incluir a integração com plantas medicinais. Este
trabalho será baseado no bosque de cura criado por um dos principais
xamãs curandeiros Matsés em Nuevo San Juan, agora mantido por seu filho,
Antonio Jimenez. Para um estrangeiro, este bosque parece uma trecho
comum de selva no caminho para as fazendas deles, a uns 10 ou 15 minutos
de caminhada fora da comunidade. Na presença de um xamã conhecedor que
indique quais são as plantas medicinais, você percebe na mesma hora que
está cercado por uma constelação de plantas medicinais cultivadas pelos
curandeiros Matsés para o tratamento de uma variada gama de doenças.
Muitas vinhas e fungos da floresta não crescem em jardins expostos ao
sol e requerem o ecossistema da floresta para a sua propagação. Colocar o
bosque de plantas medicinais a 10 ou 15 minutos de distância da
comunidade é um exemplo característico da eficiência do Matsés. Se você
tem uma criança doente, não quer ter que viajar quatro horas para
encontrar o remédio.
Mongabay: A
enciclopédia foi escrita apenas na língua dos Matsés como proteção
contra a bioprospecção e o roubo do conhecimento indígena. O medo da
biopirataria é uma preocupação real para os Matsés?
Christopher Herndon: Infelizmente,
a história está cheia de exemplos de roubo dos povos indígenas. Para os
Matsés em particular a preocupação é muito real. As secreções da pele
da rã Kambo (Phyllomedusa bicolor)
são utilizadas pelos Matsés em seus rituais de caça. As secreções,
ricas em uma variedade de peptídeos [pequenas proteínas] bioativos, são
administradas diretamente no organismo em cortes frescos ou queimaduras.
Quase imediatamente, as toxinas induzem intensas e autonômicas
respostas cardiovasculares que levam a um estado alterado de consciência
e acuidade sensorial muito maior.
Embora a rã Kambo esteja presente ao longo do norte da Amazônia, apenas
os Matsés e um número reduzido de tribos vizinhas Panoan são conhecidos
por usar suas secreções poderosas. Depois de se conhecer o uso das
secreções pelo Matsés, pesquisas de laboratório sobre as secreções da rã
Kambo revelaram um complexo coquetel de peptídeos com potentes
propriedades vasoativas, narcóticas e antimicrobianas. Várias empresas
farmacêuticas e universidades registraram patentes dos peptídeos sem
reconhecimento ou benefício aos povos indígenas. Um destes peptídeos com
atividade antifúngica foi até mesmo transgenicamente inserido em
batatas.
A enciclopédia está escrita somente em Matsé e não haverá traduções para outras línguas |
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O medo da biopirataria é, infelizmente, uma porta que se abre para ambos
os lados. Muitos grupos ambientalistas e cientistas têm realizado
projetos na Amazônia documentando o conhecimento indígena da fauna
local, como nome de aves, mas mantiveram-se à margem em relação às
plantas medicinais, por medo de serem acusados de facilitar a
biopirataria. No entanto, com o rápido desaparecimento dos conhecimentos
sobre as plantas medicinais entre a maioria dos grupos indígenas e não
sem ninguém para registrá-lo, tragicamente os verdadeiros perdedores ao
final são os índios, os verdadeiros geradores desse conhecimento. A
metodologia desenvolvida pelo Matsés e a Acaté deve ser um modelo para
outras culturas indígenas conservarem seus conhecimentos ancestrais.
Mongabay: Qual é a metodologia da Acaté e como ela protege esse conhecimento?
Christopher Herndon: A
Acaté e os Matsés desenvolveram uma metodologia inovadora para evitar a
extinção de seu conhecimento ancestral sobre as plantas medicinais e ao
mesmo tempo proteger as informações contra o roubo por grupos externos.
A enciclopédia está escrita somente em Matsé. É por e para os Matsés e
não haverá traduções para outras línguas. Não foram incluídos nomes
científicos nem fotografias de flores ou alguma outra característica que
possa facilitar a identificação das plantas por um estrangeiro.
Cada capítulo da Enciclopédia de Medicina Tradicional foi escrito por um
veterano xamã renomado escolhido pela comunidade. Para cada xamã
veterano foi designado um Matsés mais jovem, que durante meses registrou
em forma escrita o conhecimento xamã e fotografou cada planta. Os
textos e as imagens foram compilados e escritos no computador de Wilmer
Rodríguez López, um Matsés que é especialista na transcrição escrita de
sua língua.
Na reunião, a Enciclopédia compilada – um rascunho de mais de 500
páginas – foi revisada e editada coletivamente pelos xamãs das tribos
por vários dias. Toda a enciclopédia está sendo formatada e impressa
pelos Matsés sob a sua direção exclusiva, e nunca será publicada ou
divulgada fora de suas comunidades.
Esperamos que o incontroverso sucesso desta metodologia iniciada pela
Acaté e por nossos parceiros índios abra a porta para esforços
semelhantes em toda a Amazônia e além. Já estamos vendo os esforços de
outras organizações para replicar a metodologia.
Mongabay: Obviamente,
o foco é preservar a cultura e o conhecimento Matsés, mas o seu
conhecimento médico poderia teoricamente ajudar as futuras gerações ao
redor do mundo. Existem condições específicas para que os xamãs Matsés e
a população possam compartilhar seus conhecimentos sobre as plantas
medicinais na Amazônia? Ou a confiança está destruída?
Christopher Herndon: A
Acaté não pode falar pelos Matsés. Posso dizer que trabalhando com
xamãs índios na Amazônia, eu tenho notado que eles são muito abertos a
compartilhar o seu conhecimento, quando nos aproximamos com respeito.
Eles também têm uma grande curiosidade intelectual sobre outros métodos
de cura, incluindo o nosso.
Alguns dos medicamentos desenvolvidos pela humanidade, como a quinina e
aspirina, foram desenvolvidos através do conhecimento de curandeiros
tradicionais. Devido ao clima político e temores internacionais de
biopirataria, mesmo para as empresas farmacêuticas que promovem a
distribuição equitativa dos lucros, é um desafio participar de tais
iniciativas. A complexidade do conhecimento indígena de plantas
medicinais é tal que não é possível avaliar plenamente a fitoquímica
dentro do prazo em que o conhecimento está prestes a ser perdido. A
Enciclopédia, apesar de não ser desenhada para esse fim, mantém as
opções abertas no futuro para os Matsés; um futuro que, em contraste com
a maioria de seus precedentes históricos, será um de sua própria
determinação.
Até a criação da enciclopédia o sistema tradicional de saúde Matsés estava prestes a desaparecer devido às influências do mundo exterior |
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Não devemos perder de vista que, até a criação da enciclopédia, o
sistema tradicional de saúde Matsés estava prestes a desaparecer devido
às influências do mundo exterior. Os Matsés vivem em áreas remotas onde a
prestação de serviços de saúde é um desafio e limitada. As farmácias em
muitas comunidades Matsés, particularmente as de mais longe, rio acima,
são desprovidas dos medicamentos mais básicos, como remédios para
tratar a malária, que veio de fora das comunidades. Os Matsés precisam
pagar de seu bolso pelo medicamento que vem de fora, cujo preço é
inalcançável para a maioria dos anciãos da comunidade que não têm
nenhuma fonte de renda. O simples microscópio necessário para analisar o
sangue e diagnosticar a malária estava quebrado em quase todas as
comunidades que visitei. Em comparação, vivemos em um mundo que é
abundante em cuidados de saúde. Se houver necessidade de dialogar, na
minha opinião, isso deve começar com a resposta de como podemos apoiar
os Matsés no presente, em vez de como eles podem nos ajudar no futuro.
Mongabay: Muita gente vê a medicina e a preservação da floresta como questões separadas. Como a saúde está ligada ao meio-ambiente?
Christopher Herndon: A
saúde de um povo, sua cultura e meios-ambientes são indissociáveis. Não
podemos pensar sobre as condições deprimentes de saúde e a situação
socioeconômica no Haiti sem considerar o contexto de que 98% deste país
que ocupa a metade de uma ilha foi devastado e, assim, o seu potencial
futuro também foi destruído. A fronteira entre o Haiti e a República
Dominicana pode ser claramente vista a partir de imagens de satélite
como uma transição abrupta do marrom ao verde, como o resultado de
diferentes formas de uso dos recursos naturais. Da mesma forma, as
imagens da Etiópia que existem na consciência moderna baseiam se no fato
de, que há apenas 100 anos, a Etiópia era um país com uma significativa
cobertura florestal.
O futuro dos Matsés e a sua cultura estão eternamente ligados ao futuro
de suas florestas. Ao proteger as florestas e reforçar sua cultura, a
saúde deles é protegida contra um futuro carregado de diabetes,
desnutrição, depressão e alcoolismo – a segunda onda de doenças
'importadas' que normalmente acontece em comunidades indígenas após
algumas gerações depois do contato com o mundo exterior. Visto desta
forma, iniciativas de conservação biocultural seriam extremamente
rentáveis e podem ser abordagens preventivas de saúde.
Mongabay: Como a enciclopédia pode ajudar a preservar a cultura Matsés?
A iniciativa da enciclopédia restaura o respeito pela sabedoria dos mais velhos |
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Christopher Herndon: Uma
mudança radical começa muitas vezes com algo tão simples e tão poderoso
como uma ideia. A ideia de que a sua cultura, as suas tradições e seu
estilo de vida não são inferiores ou algo para se envergonhar, como
outros talvez já lhe tenham dito. A ideia de que a selva, que você
chamar de lar, tem um valor infinitamente maior do que reservas de
petróleo ou de mogno para produzir mobiliário de luxo. A ideia de que o
seu conhecimento e familiaridade com a floresta não faz o torna
primitivo ou atrasado, mas o coloca à frente do movimento global de
conservação. A enciclopédia é o primeiro passo concreto para a formação
de uma ponte para vencer a lacuna cada vez maior entre gerações, antes
que seja tarde demais. A iniciativa da enciclopédia restaura o respeito
pela sabedoria dos mais velhos e devolve a selva como um repositório de
saúde e um lugar para aprender.
Mongabay: A
enciclopédia foi completada e terminada em uma reunião de líderes
Matsés vindos de todo seu território e antigos xamãs das tribos. Como
foi o clima naquela reunião?
Christopher Herndon: Esta
reunião sem precedentes foi realizada em uma das aldeias mais remotas
do território Matsés. É extremamente difícil descrever em palavras a
emoção sentida por todos os participantes quando os líderes Matsés mais
antigos falaram de batalhas que eles lutaram – literalmente – para
defender o território Matsés e seu modo de vida. Muitos deles tiveram de
conter as lágrimas enquanto um ancião após o outro convidava os jovens a
aproveitar esta oportunidade para preencher a lacuna que será deixada
por eles quando morrerem, assim como eles fizeram quando seus avós
estavam vivos. Eu trabalho na conservação biocultural na Amazônia há 15
anos, mas esta foi uma das mais inspiradoras experiências, para se ouvir
o poder da oratória deles e determinação em suas vozes. É facilmente
perceptível que os Matsés são guerreiros de coração, que lutaram por um
longo tempo para proteger suas terras e que eles continuarão lutando.
– Esta entrevista foi traduzida do original em inglês por Giovanny Vera e Laura Kurtzberg e revisada por Stefano Wrobleski, do InfoAmazonia.
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