Entrevista com Renato Dolci, analista de mídias sociais para o Governo Federal
O paulistano Renato Dolci tem no currículo quatro cursos universitários e dois mestrados, um deles pela Paris I Pantheón-Sorbonne.
Leitor compulsivo desde a infância, cientista político, filósofo, teólogo, estatístico e mestre em Economia, o jovem de apenas 27 anos é diretor de Inovação da Num.br, empresa responsável pelo monitoramento das redes sociais do governo federal. Todos os dias, Renato envia para a presidente Dilma Rousseff e sua equipe um relatório de 24 páginas, detalhando como o universo das redes se movimentou.
Não sugere ações. Não indica estratégias. Apenas lê o cenário.
– Não há mais polaridade nas redes – avalia – O que existe é uma descrença generalizada na instituição política.
A entrevista é de Rosane de Oliveira e Sabrina Passos, publicada por Zero Hora, 09-04-2016.
Quando concedeu esta entrevista para Zero Hora, na tarde de sexta-feira, 1º de abril, ainda precisava terminar a avaliação daquele dia, mas estava tranquilo. As semanas anteriores sim, haviam tirado seu sono. Lembra com detalhes como foi a movimentação das redes sociais, especialmente Facebook, Twitter e grupos de WhatsApp, no dia 4 de março, quando o ex-presidente Lula cumpriu o mandado de condução coercitiva para depor, na 24ª fase da Lava-Jato. Apenas neste dia, segundo ele, o termo “Lula” teve um volume de citações comparado ao volume total de cinco dias inteiros na rede no Brasil. Dolci também é o responsável por monitorar as manifestações no Brasil, o que faz com uma equipe formada por seus outros dois sócios, 36 colaboradores e milhares de robôs.
Depois da entrevista, seu destino era um hotel, em Porto Alegre. Em solo gaúcho, tentaria dormir um pouco mais do que as quatro horas de sono que consegue ter normalmente. Mas não antes de enviar seu relatório para Dilma.
Eis a entrevista.
O monitoramento das redes permite concluir que as pessoas têm clareza do que querem?
Quando a gente aprofunda o estudo desse tipo de público, consegue entender claramente o que as pessoas não querem. Mas não o que elas querem. Esses movimentos ainda são de negação e de destruição do sistema que está aqui. A pauta é sempre anticorrupção, anti-PT, PSDB. O espectro não é mais uma discussão só antigoverno. Essa é uma leitura difícil, porque está muito transfigurada no ex-presidente Lula, tem outros tópicos que estão passando por ela. Por exemplo, corrupção virou uma pauta tão forte que alguns parlamentares, no intervalo de 13 a 16 de março, foram ameaçados.
Nas redes, Lula é o campeão de rejeição?
De rejeição e de menção. Do ponto de vista das redes, 40% de todas as menções relacionadas à política nas manifestações de 13 de março, foram “Lula”. Ele foi o grande personagem. E 89% eram negativas. O PT foi o segundo. É uma lógica um pouco supragovernamental. Não é suprapartidária. Ultrapassou essa discussão de governo. Não é mais a questão de rejeição de governo. Isso foi pauta em 2015, não em 2016. Talvez por conta da condução coercitiva do Lula. Ela inflou as manifestações.
Na manifestação do dia 13, qual o grande sentimento das pessoas?
Esta foi a manifestação com a maior expressão de raiva que a gente percebeu. Era ódio deliberado. Tanto que isso tirou o governo de pauta. O governo, transfigurado na Dilma, virou um personagem terciário nessa manifestação. Lula e PT eram os focos das discussões.
Os gritos das manifestações eram “Lula na cadeia”, “Lula cachaceiro, devolve meu dinheiro”, “PT corrupto”, “Fora PT”. Ouviu-se muito mais esses termos do que “Dilma”, por exemplo. Havia uma certa despreocupação institucional na manifestação. Mas isso pressionou o Congresso e cobrou posicionamento. A manifestação acelerou o processo de impeachment.
Como se deu a reação do outro lado?
O governo reagiu com a nomeação do Lula. A potencial nomeação já reaqueceu a militância. Quando foi nomeado, mais ainda. As redes começaram a tomar uma nova cara. Até então, era uma briga polarizada. Entre o intervalo do dia 13 até a divulgação do grampo, no dia 16, a gente percebeu uma mudança. Ano passado, a briga era “coxinha” versus “petralha”. Isso mudou. Houve um cenário cada vez maior de negação a tudo. De 13 a 16, as pessoas não só passaram a renegar o PT e o Lula, mas negaram a política e os políticos de uma forma geral. São Paulo foi um exemplo óbvio. O Aécio [Neves] foi ovacionado em Minas e vaiado em São Paulo. Geraldo Alckmin foi vaiado. Marta Suplicy, potencial candidata à prefeitura, foi vaiada. Houve um determinado movimento, uma turbina, que engoliu todo mundo.
Leitor compulsivo desde a infância, cientista político, filósofo, teólogo, estatístico e mestre em Economia, o jovem de apenas 27 anos é diretor de Inovação da Num.br, empresa responsável pelo monitoramento das redes sociais do governo federal. Todos os dias, Renato envia para a presidente Dilma Rousseff e sua equipe um relatório de 24 páginas, detalhando como o universo das redes se movimentou.
Não sugere ações. Não indica estratégias. Apenas lê o cenário.
– Não há mais polaridade nas redes – avalia – O que existe é uma descrença generalizada na instituição política.
A entrevista é de Rosane de Oliveira e Sabrina Passos, publicada por Zero Hora, 09-04-2016.
Quando concedeu esta entrevista para Zero Hora, na tarde de sexta-feira, 1º de abril, ainda precisava terminar a avaliação daquele dia, mas estava tranquilo. As semanas anteriores sim, haviam tirado seu sono. Lembra com detalhes como foi a movimentação das redes sociais, especialmente Facebook, Twitter e grupos de WhatsApp, no dia 4 de março, quando o ex-presidente Lula cumpriu o mandado de condução coercitiva para depor, na 24ª fase da Lava-Jato. Apenas neste dia, segundo ele, o termo “Lula” teve um volume de citações comparado ao volume total de cinco dias inteiros na rede no Brasil. Dolci também é o responsável por monitorar as manifestações no Brasil, o que faz com uma equipe formada por seus outros dois sócios, 36 colaboradores e milhares de robôs.
Depois da entrevista, seu destino era um hotel, em Porto Alegre. Em solo gaúcho, tentaria dormir um pouco mais do que as quatro horas de sono que consegue ter normalmente. Mas não antes de enviar seu relatório para Dilma.
Eis a entrevista.
O monitoramento das redes permite concluir que as pessoas têm clareza do que querem?
Quando a gente aprofunda o estudo desse tipo de público, consegue entender claramente o que as pessoas não querem. Mas não o que elas querem. Esses movimentos ainda são de negação e de destruição do sistema que está aqui. A pauta é sempre anticorrupção, anti-PT, PSDB. O espectro não é mais uma discussão só antigoverno. Essa é uma leitura difícil, porque está muito transfigurada no ex-presidente Lula, tem outros tópicos que estão passando por ela. Por exemplo, corrupção virou uma pauta tão forte que alguns parlamentares, no intervalo de 13 a 16 de março, foram ameaçados.
Nas redes, Lula é o campeão de rejeição?
De rejeição e de menção. Do ponto de vista das redes, 40% de todas as menções relacionadas à política nas manifestações de 13 de março, foram “Lula”. Ele foi o grande personagem. E 89% eram negativas. O PT foi o segundo. É uma lógica um pouco supragovernamental. Não é suprapartidária. Ultrapassou essa discussão de governo. Não é mais a questão de rejeição de governo. Isso foi pauta em 2015, não em 2016. Talvez por conta da condução coercitiva do Lula. Ela inflou as manifestações.
Na manifestação do dia 13, qual o grande sentimento das pessoas?
Esta foi a manifestação com a maior expressão de raiva que a gente percebeu. Era ódio deliberado. Tanto que isso tirou o governo de pauta. O governo, transfigurado na Dilma, virou um personagem terciário nessa manifestação. Lula e PT eram os focos das discussões.
Os gritos das manifestações eram “Lula na cadeia”, “Lula cachaceiro, devolve meu dinheiro”, “PT corrupto”, “Fora PT”. Ouviu-se muito mais esses termos do que “Dilma”, por exemplo. Havia uma certa despreocupação institucional na manifestação. Mas isso pressionou o Congresso e cobrou posicionamento. A manifestação acelerou o processo de impeachment.
Como se deu a reação do outro lado?
O governo reagiu com a nomeação do Lula. A potencial nomeação já reaqueceu a militância. Quando foi nomeado, mais ainda. As redes começaram a tomar uma nova cara. Até então, era uma briga polarizada. Entre o intervalo do dia 13 até a divulgação do grampo, no dia 16, a gente percebeu uma mudança. Ano passado, a briga era “coxinha” versus “petralha”. Isso mudou. Houve um cenário cada vez maior de negação a tudo. De 13 a 16, as pessoas não só passaram a renegar o PT e o Lula, mas negaram a política e os políticos de uma forma geral. São Paulo foi um exemplo óbvio. O Aécio [Neves] foi ovacionado em Minas e vaiado em São Paulo. Geraldo Alckmin foi vaiado. Marta Suplicy, potencial candidata à prefeitura, foi vaiada. Houve um determinado movimento, uma turbina, que engoliu todo mundo.
O grampo foi divulgado num fim de tarde.
Em menos de meia hora já tinha gente batendo panela e, em duas horas,
as pessoas estavam nas ruas. Vocês perceberam esse movimento?
Eu estava no Palácio do Planalto e, após a nomeação do Lula, algumas manifestações começaram a acontecer. Eram pequenas. A principal estava acontecendo em frente ao Planalto, e tinha aproximadamente 600 pessoas. Quando estourou o grampo, começou a inflar de uma forma incrível. As mídias, especialmente a TV, estavam dando com muita ênfase. Aconteceu uma coisa louca. Na hora que estourou o grampo, todo mundo falou: “Vamos para rua”. Não houve uma ação combinada dos grupos, a gente monitora continuamente esses perfis. Não dava tempo de combinar.
Lula começou a crescer na rede como personagem como pedido de prisão feito pelos promotores de São Paulo?
Sim. Lula, mesmo quando presidente, nunca foi tão mencionado como no dia 4 de março. Mesmo se a gente fizer uma proporção. Tudo o que se fala no Brasil em cinco dias de movimentação de rede foi o equivalente ao tópico “Lula” nesse dia. A aderência, em geral, é assim: se a mídia fala, é o tópico mais discutido. Só que com Lula foi um pouco diferente. Primeiro, porque talvez tenha externado um sentimento público de que as pessoas queriam ver o Lula na Polícia Federal. Segundo, porque a militância também se acendeu naquele dia. Quando houve a nomeação de Lula, a discussão começou a ficar mais quente e a mudar o cenário das redes. Os núcleos petistas começaram a gerar força e bater de volta.
No dia da posse de Lula na Casa Civil, subiu o vermelho no termômetro da rede?
Sim, só que subiu um vermelho diferente, numa intensidade muito pequena. Depois dos grampos, o pessoal pró-governo ficou um pouco desanimado. A partir deles, as redes começam a virar de novo. Ficaram mais azuis. Dia 17 foi o dia de a rede ficar azul, mas ela ficou tão azul que chegou a mudar o tom do azul, que é o mesmo do dia 13. Há um núcleo muito expressivo nas redes que é a favor da ditadura militar.
É possível quantificar essa simpatia?
Estes números vêm crescendo muito. Eles ganharam força em 2015 e têm alguns perfis muito ativos. São de extrema direita, militaristas, cristãos, detestam homossexuais, e amam o Bolsonaro. É um núcleo cada vez mais ativo e forte nas redes. Talvez seja um subproduto do ódio extremado dessa galera. Esses núcleos se misturam, aliás. As manifestações da Paulista, que ocorreram quase aquela semana inteira, de 13 a 20, tinham muito movimento nazista.
No dia da condução coercitiva de Lula, a rede ficou mais vermelha ou mais azul?
Inflamou os vermelhos, mas inflamou ainda mais os azuis. Sempre quando Lula se posiciona, é forte a reação nas redes, dos dois lados.
Normalmente quando o Lula discursa, é a esquerda que está vendo. Naquele dia, todo mundo estava vendo. Então, isso faz com que as pessoas usem as redes como uma segunda tela, onde expressam o ódio ou o amor que sentem vendo aquilo. A ação coercitiva, a pós-nomeação, a manifestação, o grampo, foram momentos absurdos. A gente nunca viu tanta movimentação dentro das redes como nessa época. Só se falava em política.
Isso é excepcional?
No Twitter, show do Luan Santana, qualquer coisa que a Anitta ou algum desses funkeiros faça, sempre movimenta mais que a discussão política. Luan Santana principalmente. Ele está todos os dias como um dos assuntos mais citados. Mas o Brasil ficou 10 dias falando de política. Você não via outra coisa. Eu acompanho a agenda do Luan Santana, porque acompanho redes. Ele ia fazer um show de 25 anos da Cacau Show, mas ninguém falou desse negócio, isso porque até menina de 13 anos estava falando do Lula, da Dilma, do Aécio... Só que o problema é a forma como isso estava sendo tratado. Não havia debate, havia um descarrego de ódio de um lado, e de esperança, de outro. As pessoas estão discutindo mais política. Isso não significa que estão discutindo qualitativamente mais política.
Como se percebe o sobe e desce de popularidade dos personagens da crise?
Há disputa entre as palavras dentro de grupos de discussão de governo. Os melhores termômetros que eu tenho para descobrir redes acontecem quando vou sentimentalizar termos. Por exemplo, a palavra “golpe” era muito utilizada pelos núcleos de apoio ao governo. Só que de duas semanas para cá, a oposição também está chamando as manobras do governo de golpe. Antes, 90% dos que falavam em golpe eram manifestantes pró-governo. Virou 40, 50, 60%. Vai mudando. A mesma coisa com o termo impeachment. Com vários termos. Quem fala “presidente” Dilma, há uma tendência de megaoposição. Quem fala “presidenta”, tem uma tendência de governo. São códigos destes grupos.
E as expressões “coxinha” e “petralha”?
Perderam força. Depois de 13 de março, não se discute mais o coxinha e o petralha, se discute mais se você é a favor ou contra o impeachment. Com o rompimento do PMDB, há uma discussão nas redes de que se você é a favor do impeachment, é a favor do PMDB, e o PMDB está na Lava-Jato, é um partido de corrupto. Então não vai mudar nada e você também continua na mesma lógica de ataque ao governo.
As redes têm movimentos organizados ou mais espontâneos?
Há um núcleo mais organizado, o do governo. Os de oposição são um pouco mais soltos. Mas a oposição também tem ferramentas muito fortes: 23% de toda a movimentação de internet que está rolando nessas duas últimas semanas são robôs replicadores de conteúdo contra o governo.
Como os robôs são operados?
Para você conseguir gerar um conteúdo relevante dentro das redes, você precisa de um exército de fakes. Para eu conseguir fazer com que chegue em você o meu conteúdo, preciso de pelo menos uns 30 mil robôs. Os robôs vão replicar esses conteúdos entre eles nos grupos, nas páginas, nos comentários de notícias. Dois jornais, eles se denominam jornais, o Pensa Brasil e o Manchette, vêm sendo os grandes portadores de notícias-boatos dentro das redes. “Finalmente o Bolsonaro foi citado na Lava-Jato”, “Dilma é vista chorando em prantos no Palácio do Planalto”. Esses dois sites criam conteúdos que são, pelo menos, 98% boatos, para divulgar em núcleos muito raivosos contra o governo. E funciona. Porque os brasileiros não têm tendência de checar a fonte.
A origem das notícias mais comentadas é mesmo a chamada "velha mídia"?
Com certeza. O cara está tão acostumado a compartilhar a velha mídia que não checa a fonte. Não sei se vocês já viram o “GI”, que as pessoas patrocinam, compartilham, achando que é conteúdo do G1. Isso acontece muito. Os robôs vão replicando esse tipo de conteúdo fake em grupos. Há mais movimentação de comentários em grupos do que em páginas. Em política, é grupo que rola. E lá você acaba vendo essa fonte. Eles postam nos grupos, o usuário posta em seu perfil e aí vai. Se torna viral. E assim se espalha um boato. A rede virou o espaço do boato. Porque a rede perdeu grandes pautas. As grandes discussões que ocorreram do grampo para frente foram as voltas e idas da nomeação de Lula até a decisão do Teori [Zavascki, que mandou o caso de Lula ao Supremo]. Dali pra frente, a rede começou a respirar de novo Luan Santana e Anitta, voltou ao patamar normal. Política já não é mais o foco de discussão da rede. Ninguém está discutindo o que a comissão do impeachment vai fazer. Isso porque a cobertura de mídia da comissão está muito baixa.
Eu estava no Palácio do Planalto e, após a nomeação do Lula, algumas manifestações começaram a acontecer. Eram pequenas. A principal estava acontecendo em frente ao Planalto, e tinha aproximadamente 600 pessoas. Quando estourou o grampo, começou a inflar de uma forma incrível. As mídias, especialmente a TV, estavam dando com muita ênfase. Aconteceu uma coisa louca. Na hora que estourou o grampo, todo mundo falou: “Vamos para rua”. Não houve uma ação combinada dos grupos, a gente monitora continuamente esses perfis. Não dava tempo de combinar.
Lula começou a crescer na rede como personagem como pedido de prisão feito pelos promotores de São Paulo?
Sim. Lula, mesmo quando presidente, nunca foi tão mencionado como no dia 4 de março. Mesmo se a gente fizer uma proporção. Tudo o que se fala no Brasil em cinco dias de movimentação de rede foi o equivalente ao tópico “Lula” nesse dia. A aderência, em geral, é assim: se a mídia fala, é o tópico mais discutido. Só que com Lula foi um pouco diferente. Primeiro, porque talvez tenha externado um sentimento público de que as pessoas queriam ver o Lula na Polícia Federal. Segundo, porque a militância também se acendeu naquele dia. Quando houve a nomeação de Lula, a discussão começou a ficar mais quente e a mudar o cenário das redes. Os núcleos petistas começaram a gerar força e bater de volta.
No dia da posse de Lula na Casa Civil, subiu o vermelho no termômetro da rede?
Sim, só que subiu um vermelho diferente, numa intensidade muito pequena. Depois dos grampos, o pessoal pró-governo ficou um pouco desanimado. A partir deles, as redes começam a virar de novo. Ficaram mais azuis. Dia 17 foi o dia de a rede ficar azul, mas ela ficou tão azul que chegou a mudar o tom do azul, que é o mesmo do dia 13. Há um núcleo muito expressivo nas redes que é a favor da ditadura militar.
É possível quantificar essa simpatia?
Estes números vêm crescendo muito. Eles ganharam força em 2015 e têm alguns perfis muito ativos. São de extrema direita, militaristas, cristãos, detestam homossexuais, e amam o Bolsonaro. É um núcleo cada vez mais ativo e forte nas redes. Talvez seja um subproduto do ódio extremado dessa galera. Esses núcleos se misturam, aliás. As manifestações da Paulista, que ocorreram quase aquela semana inteira, de 13 a 20, tinham muito movimento nazista.
No dia da condução coercitiva de Lula, a rede ficou mais vermelha ou mais azul?
Inflamou os vermelhos, mas inflamou ainda mais os azuis. Sempre quando Lula se posiciona, é forte a reação nas redes, dos dois lados.
Normalmente quando o Lula discursa, é a esquerda que está vendo. Naquele dia, todo mundo estava vendo. Então, isso faz com que as pessoas usem as redes como uma segunda tela, onde expressam o ódio ou o amor que sentem vendo aquilo. A ação coercitiva, a pós-nomeação, a manifestação, o grampo, foram momentos absurdos. A gente nunca viu tanta movimentação dentro das redes como nessa época. Só se falava em política.
Isso é excepcional?
No Twitter, show do Luan Santana, qualquer coisa que a Anitta ou algum desses funkeiros faça, sempre movimenta mais que a discussão política. Luan Santana principalmente. Ele está todos os dias como um dos assuntos mais citados. Mas o Brasil ficou 10 dias falando de política. Você não via outra coisa. Eu acompanho a agenda do Luan Santana, porque acompanho redes. Ele ia fazer um show de 25 anos da Cacau Show, mas ninguém falou desse negócio, isso porque até menina de 13 anos estava falando do Lula, da Dilma, do Aécio... Só que o problema é a forma como isso estava sendo tratado. Não havia debate, havia um descarrego de ódio de um lado, e de esperança, de outro. As pessoas estão discutindo mais política. Isso não significa que estão discutindo qualitativamente mais política.
Como se percebe o sobe e desce de popularidade dos personagens da crise?
Há disputa entre as palavras dentro de grupos de discussão de governo. Os melhores termômetros que eu tenho para descobrir redes acontecem quando vou sentimentalizar termos. Por exemplo, a palavra “golpe” era muito utilizada pelos núcleos de apoio ao governo. Só que de duas semanas para cá, a oposição também está chamando as manobras do governo de golpe. Antes, 90% dos que falavam em golpe eram manifestantes pró-governo. Virou 40, 50, 60%. Vai mudando. A mesma coisa com o termo impeachment. Com vários termos. Quem fala “presidente” Dilma, há uma tendência de megaoposição. Quem fala “presidenta”, tem uma tendência de governo. São códigos destes grupos.
E as expressões “coxinha” e “petralha”?
Perderam força. Depois de 13 de março, não se discute mais o coxinha e o petralha, se discute mais se você é a favor ou contra o impeachment. Com o rompimento do PMDB, há uma discussão nas redes de que se você é a favor do impeachment, é a favor do PMDB, e o PMDB está na Lava-Jato, é um partido de corrupto. Então não vai mudar nada e você também continua na mesma lógica de ataque ao governo.
As redes têm movimentos organizados ou mais espontâneos?
Há um núcleo mais organizado, o do governo. Os de oposição são um pouco mais soltos. Mas a oposição também tem ferramentas muito fortes: 23% de toda a movimentação de internet que está rolando nessas duas últimas semanas são robôs replicadores de conteúdo contra o governo.
Como os robôs são operados?
Para você conseguir gerar um conteúdo relevante dentro das redes, você precisa de um exército de fakes. Para eu conseguir fazer com que chegue em você o meu conteúdo, preciso de pelo menos uns 30 mil robôs. Os robôs vão replicar esses conteúdos entre eles nos grupos, nas páginas, nos comentários de notícias. Dois jornais, eles se denominam jornais, o Pensa Brasil e o Manchette, vêm sendo os grandes portadores de notícias-boatos dentro das redes. “Finalmente o Bolsonaro foi citado na Lava-Jato”, “Dilma é vista chorando em prantos no Palácio do Planalto”. Esses dois sites criam conteúdos que são, pelo menos, 98% boatos, para divulgar em núcleos muito raivosos contra o governo. E funciona. Porque os brasileiros não têm tendência de checar a fonte.
A origem das notícias mais comentadas é mesmo a chamada "velha mídia"?
Com certeza. O cara está tão acostumado a compartilhar a velha mídia que não checa a fonte. Não sei se vocês já viram o “GI”, que as pessoas patrocinam, compartilham, achando que é conteúdo do G1. Isso acontece muito. Os robôs vão replicando esse tipo de conteúdo fake em grupos. Há mais movimentação de comentários em grupos do que em páginas. Em política, é grupo que rola. E lá você acaba vendo essa fonte. Eles postam nos grupos, o usuário posta em seu perfil e aí vai. Se torna viral. E assim se espalha um boato. A rede virou o espaço do boato. Porque a rede perdeu grandes pautas. As grandes discussões que ocorreram do grampo para frente foram as voltas e idas da nomeação de Lula até a decisão do Teori [Zavascki, que mandou o caso de Lula ao Supremo]. Dali pra frente, a rede começou a respirar de novo Luan Santana e Anitta, voltou ao patamar normal. Política já não é mais o foco de discussão da rede. Ninguém está discutindo o que a comissão do impeachment vai fazer. Isso porque a cobertura de mídia da comissão está muito baixa.
No dia 31 de março, houve outra manifestação contra o impeachment. A rede ficou vermelha?
Totalmente. Estamos vendo coisas muito novas no Brasil. Quando tem manifestação da oposição, a esquerda fica quieta. Quando tem manifestação pró-governo, pessoal da direita não fala disso. Fica quieto. A galera está começando a entender que cada um tem seu espaço para se manifestar. As brigas de timeline estão diminuindo loucamente. A discussão política dentro das redes cansou. Essas pautas vão reaquecer, obviamente, com o andamento da comissão especial. Parece que está todo mundo quieto, esperando pra ver o que vai rolar. E tocando a vida. Quando eu vejo que Luan Santana voltou a ser pauta, aí eu durmo.
Como nasce uma “novidade”, um fenômeno, como foi o ministro Joaquim Barbosa?
Já vi várias novidades acontecerem em relação a heróis nacionais da oposição nesse meio tempo. Tivemos o Barbosa, o Eduardo Cunha, o Gilmar Mendes, depois o Japonês da Federal e o Sérgio Moro. Salvadores da Pátria já tivemos muitos, mas eles também somem. São meteóricos. E o Temer não é um salvador da pátria nesse momento.
Totalmente. Estamos vendo coisas muito novas no Brasil. Quando tem manifestação da oposição, a esquerda fica quieta. Quando tem manifestação pró-governo, pessoal da direita não fala disso. Fica quieto. A galera está começando a entender que cada um tem seu espaço para se manifestar. As brigas de timeline estão diminuindo loucamente. A discussão política dentro das redes cansou. Essas pautas vão reaquecer, obviamente, com o andamento da comissão especial. Parece que está todo mundo quieto, esperando pra ver o que vai rolar. E tocando a vida. Quando eu vejo que Luan Santana voltou a ser pauta, aí eu durmo.
Como nasce uma “novidade”, um fenômeno, como foi o ministro Joaquim Barbosa?
Já vi várias novidades acontecerem em relação a heróis nacionais da oposição nesse meio tempo. Tivemos o Barbosa, o Eduardo Cunha, o Gilmar Mendes, depois o Japonês da Federal e o Sérgio Moro. Salvadores da Pátria já tivemos muitos, mas eles também somem. São meteóricos. E o Temer não é um salvador da pátria nesse momento.
O que é o Temer nas redes?
Ele vem tomando corpo ainda. Há uma certa convicção de que as pessoas não gostam dele, não confiam nele e no PMDB. Não conhecem. A saída do PMDB do governo pegou mal pra caramba. Muito mais nos núcleos governistas. Esse argumento de que o PMDB é tão corrupto quanto está muito forte.
Quer dizer que nas redes Temer ainda não conquistou corações e mentes?
Não. Está contando com o anonimato. Está quieto. Não aparece, não se expõe, não foi à convenção do partido. Por incrível que pareça, se fala muito mais em PMDB do que de Temer. Muito mais. Ninguém está falando: “Temer vai assumir o governo”, estão falando “o PMDB vai assumir”.
Enquanto isso, como fica a figura da Dilma?
Nas redes, Dilma perdeu um pouco do protagonismo. Impeachment virou uma grande pauta de governo. A discussão é muito mais focada em golpe e impeachment. Moro é menos, está meio apagado. É aderência de mídia. Está se falando menos de Moro. Mas independentemente de a galera estar falando do Cunha, do PMDB, da Dilma, todos têm o mesmo argumento, que é negar a política. O brasileiro está descrente em relação à instituição em um nível bizarro. Talvez o PMDB tenha sido um catalisador disso, pelo fato de nós termos uma opção B que é a cara da corrupção, isso faz com que, cada vez mais, as pessoas olhem e falem “olha, PMDB não dá, a coisa não vai pra frente”. Ninguém sabe o que fazer. Esse núcleo é muito bom no ponto de vista destrutivo, ele sabe destruir bem, mas ele não é nem um pouco construtivo. Esse manifestante tem uma característica também. Ele é inconsistente do ponto de vista do comportamento. Ele compartilha frases sobre o amor e o perdão cristão e, ao mesmo tempo, xinga e deseja a morte da Dilma com frases machistas. É difícil entender a cabeça desse manifestante. Não é simples. É um perfil muito complexo.
E Marina Silva, como aparece?
Eu me impressionei muito com o Datafolha trazendo a Marina em primeiro. Nas redes, ninguém fala dela. O Datafolha sempre tem dados de pesquisa "estimulada" e "espontânea". A gente busca o espontâneo nas redes, a gente não estimula ninguém. Na estimulada, ela aparece bem. Na espontânea, não. Porque ela não é lembrada. Ninguém está em recall agora. Quem a gente tinha? Eduardo Campos. Morreu. Não sobrou ninguém.
O escândalo da merenda em São Paulo contaminou a imagem de Geraldo Alckmin?
Agora, sim, mas eu não sei se isso se sustenta. Nesse momento, a gente pode dizer que a imagem do Alckmin está colada à merenda, mas não sei se vai continuar. A mídia tem um papel determinante nesse tipo de atuação, porque relembra. O Aécio, talvez, é um pouco diferente. Porque há uma recorrência muito forte nas delações premiadas.
E José Serra?
Ele é mais criticado do que qualquer outra coisa. Um, por estar próximo do PMDB, estar flertando com o PMDB, e dois, porque tem uma rejeição. Houve uma brincadeira, na época da campanha, de que se ele concorresse com a rejeição dele, perderia. O problema é que o Serra é um cara de que ninguém gosta. Então ninguém fala dele. Ninguém vai lá e fala “eu amo o Serra”, ele não é nem carismático pra isso. O Aécio está apanhando loucamente e, neste momento, não dá pra cravar. Mas dá um bom cheiro de que perdeu credibilidade.
O tsunami levou todo mundo. Levou Dilma, levou Aécio...
Esse é o ponto. Nós não estamos mais em polarização. Temos um tsunami que está levando tudo. E é preocupante, porque a gente não sabe o que vem depois, pode ser uma surpresa, pode ser um extrema-direita louco, pode ser extrema-esquerda, pode ser um pastor, pode ser alguma coisa que a gente não faz ideia. Brincar com o sentimento público é muito perigoso. Os dois lados estão defendendo os seus interesses, as suas pontas, mas tem um negócio no meio aí chamado Brasil.
Ele vem tomando corpo ainda. Há uma certa convicção de que as pessoas não gostam dele, não confiam nele e no PMDB. Não conhecem. A saída do PMDB do governo pegou mal pra caramba. Muito mais nos núcleos governistas. Esse argumento de que o PMDB é tão corrupto quanto está muito forte.
Quer dizer que nas redes Temer ainda não conquistou corações e mentes?
Não. Está contando com o anonimato. Está quieto. Não aparece, não se expõe, não foi à convenção do partido. Por incrível que pareça, se fala muito mais em PMDB do que de Temer. Muito mais. Ninguém está falando: “Temer vai assumir o governo”, estão falando “o PMDB vai assumir”.
Enquanto isso, como fica a figura da Dilma?
Nas redes, Dilma perdeu um pouco do protagonismo. Impeachment virou uma grande pauta de governo. A discussão é muito mais focada em golpe e impeachment. Moro é menos, está meio apagado. É aderência de mídia. Está se falando menos de Moro. Mas independentemente de a galera estar falando do Cunha, do PMDB, da Dilma, todos têm o mesmo argumento, que é negar a política. O brasileiro está descrente em relação à instituição em um nível bizarro. Talvez o PMDB tenha sido um catalisador disso, pelo fato de nós termos uma opção B que é a cara da corrupção, isso faz com que, cada vez mais, as pessoas olhem e falem “olha, PMDB não dá, a coisa não vai pra frente”. Ninguém sabe o que fazer. Esse núcleo é muito bom no ponto de vista destrutivo, ele sabe destruir bem, mas ele não é nem um pouco construtivo. Esse manifestante tem uma característica também. Ele é inconsistente do ponto de vista do comportamento. Ele compartilha frases sobre o amor e o perdão cristão e, ao mesmo tempo, xinga e deseja a morte da Dilma com frases machistas. É difícil entender a cabeça desse manifestante. Não é simples. É um perfil muito complexo.
E Marina Silva, como aparece?
Eu me impressionei muito com o Datafolha trazendo a Marina em primeiro. Nas redes, ninguém fala dela. O Datafolha sempre tem dados de pesquisa "estimulada" e "espontânea". A gente busca o espontâneo nas redes, a gente não estimula ninguém. Na estimulada, ela aparece bem. Na espontânea, não. Porque ela não é lembrada. Ninguém está em recall agora. Quem a gente tinha? Eduardo Campos. Morreu. Não sobrou ninguém.
O escândalo da merenda em São Paulo contaminou a imagem de Geraldo Alckmin?
Agora, sim, mas eu não sei se isso se sustenta. Nesse momento, a gente pode dizer que a imagem do Alckmin está colada à merenda, mas não sei se vai continuar. A mídia tem um papel determinante nesse tipo de atuação, porque relembra. O Aécio, talvez, é um pouco diferente. Porque há uma recorrência muito forte nas delações premiadas.
E José Serra?
Ele é mais criticado do que qualquer outra coisa. Um, por estar próximo do PMDB, estar flertando com o PMDB, e dois, porque tem uma rejeição. Houve uma brincadeira, na época da campanha, de que se ele concorresse com a rejeição dele, perderia. O problema é que o Serra é um cara de que ninguém gosta. Então ninguém fala dele. Ninguém vai lá e fala “eu amo o Serra”, ele não é nem carismático pra isso. O Aécio está apanhando loucamente e, neste momento, não dá pra cravar. Mas dá um bom cheiro de que perdeu credibilidade.
O tsunami levou todo mundo. Levou Dilma, levou Aécio...
Esse é o ponto. Nós não estamos mais em polarização. Temos um tsunami que está levando tudo. E é preocupante, porque a gente não sabe o que vem depois, pode ser uma surpresa, pode ser um extrema-direita louco, pode ser extrema-esquerda, pode ser um pastor, pode ser alguma coisa que a gente não faz ideia. Brincar com o sentimento público é muito perigoso. Os dois lados estão defendendo os seus interesses, as suas pontas, mas tem um negócio no meio aí chamado Brasil.
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Fonte: http://ihu.unisinos.br/noticias/553466-qa-rede-virou-o-espaco-do-boatoq-entrevista-com-renato-dolci-analista-de-midias-sociais-para-o-governo-federal
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