Luiz Felipe Pondé*
Uma coisa tem me preocupado muito nos últimos tempos. Sei que em meio ao
horror que virou a vida política brasileira, com a ausência de
referências que valham a pena, tudo parece menor, mas nem tudo é menor.
Uma das razões da vida inteligente no Brasil estar tão chata é que a
democracia, quando muito ativa, tem uma tendência a invadir todas as
dimensões da vida. Como uma forma de fanatismo religioso que tudo
devora. Este traço é típico do modelo de soberania na democracia, a
saber, a soberania popular. E quando tudo vira política, a vida sempre
será violenta.
Mas, eu não disse até agora o que está me preocupando há algum tempo. O
que tem me preocupado há algum tempo é a tendência de alguns jovens se
transformarem nuns chatos, caretas e moralistas. Vejo isso piorar a cada
dia. E é broxante. Dê-me um jovem que não gosta de ler, mas não me dê
um jovem que acha Nelson Rodrigues um machista.
Se você não sabe com certeza o que vem a ser um moralista (no senso
comum), eu explico. Do modo mais preciso, técnico e filosófico possível,
um moralista é alguém que caga regra. Os franceses falam, como sempre,
de forma mais chique: "faire la morale".
Sim, parece estranho. Principalmente, se eu completar da seguinte forma:
acho que o que começou o processo de transformação dos jovens nuns
chatos moralistas foram os anos 1960 e seu discursinho de paz e amor.
Devíamos ter dado mais atenção ao fato de que na raiz do movimento
hippie estava o medo de ir para a guerra (do Vietnã). E todo moralista é
um covarde. Outra raiz do movimento hippie era a preguiça de acordar
cedo. E todo preguiçoso é um covarde.
Sei que essa afirmação parece absurda porque associamos a juventude à
revolução e à contracultura, mas o maior produto da contracultura foi a
caretice dos jovens se acharem reformadores do mundo e abandonarem
qualquer senso do próprio ridículo. E todo reformador é um chato, sem
senso de qualquer ridículo. Por isso, os jovens perdem, a cada dia, o
senso de humor e se levam cada vez mais a sério. Como alguém de 18 anos
(ou mesmo mais jovem), pode se levar tão a sério? Suas ideias são
artificiais, sua experiência de vida, postiça, e sua visão de mundo,
infantil. Todo jovem que se julga revolucionário é um Torquemada de
bolso.
Assusta-me o modo violento e rápido com o qual, cada vez mais, mais jovens se acham arautos do modo justo de comportamento.
Muitos defendem a pureza de sentimentos (ninguém tem ciúme), a pureza da
alimentação (e perdem o paladar para o sangue, que sustenta toda a
existência no planeta) e negam a existência de inseguranças (ninguém
confessa que está morrendo de medo do mundo).
Ninguém tem preconceitos, a não ser os preconceitos "justos". Quase todo
mundo está disposto a atirar a primeira pedra porque se acha um puro de
coração. Não existem mais adúlteras, apenas praticantes de poliamor. E
um mundo sem adúlteras é um mundo sem misericórdia. Um dos traços mais
cruéis dos moralistas é sua total insensibilidade para o pecado. E onde
não há pecado, não há misericórdia. Nem esperança.
Nem os puritanos calvinistas do séculos 16 e 17 imaginavam-se tão puros quanto muitos dos jovens hoje se imaginam.
Resumo da ópera: preocupa-me a ideia, presente em muitos jovens, de que
eles não têm pecados. Culpa é para os opressores; eles, os jovens, não
têm maus sentimentos. E quando os têm, "foram impostos pela sociedade".
Com certeza nós, os pais e professores desses jovens, somos muito
responsáveis por este estado de moralismo em que se encontram. Cegos ao
gosto de sangue em nossas bocas, cospem na cara de quem não tem certeza
absoluta de representar o bem. Como idiotas, temos construído a ideia de
que eles tem de salvar o mundo.
Nós contemporâneos, como infantis que somos, não percebemos que estamos
construindo um novo clero puritano, com todo o moralismo, a boçalidade, a
insensibilidade e a arrogância que marca toda a pureza de coração nesse
mundo.
Nunca foi tão importante cuidar dos jovens para que eles despertem desse sono dogmático acerca da própria "santidade".
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência. Escreve às segundas.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/04/1759506-o-novo-moralismo-jovem.shtml
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