domingo, 3 de abril de 2016

“É um horror o nível do debate”

ENTREVISTA | GUNTER AXT - Historiador

O historiador Gunter Axt, pesquisador associado do Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerância e Conflitos (Diversitas) da Universidade de São Paulo, avalia que a história brasileira é marcada por surtos de intolerância política. O episódio atual, segundo o pós-doutorando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, estaria sendo agravado pela falta de lideranças capazes de propor um projeto de país. Confira trechos da entrevista concedida por telefone desde Brasília.

Por que vemos tanta intolerância política? É um fenômeno pontual ou um traço da nossa cultura?

O brasileiro, normalmente, tem um comportamento cordial. Me refiro tanto à expressão literal quanto ao sentido que o Sérgio Buarque de Holanda dá. Ambos têm o sentido de evitar um conflito desbragado, de tentar resolver as coisas por composição, acomodação. Um dos pilares da teoria dele sobre o Brasil é que, historicamente, há acordos para evitar o enfrentamento, e isso diferenciaria o Brasil de outras nações. O homem cordial não é o homem bonzinho, é uma caracterização que inclui a indistinção entre espaço público e privado e o uso de estratégias extralegais para resolver impasses. Mesmo assim, observamos que, de tempos em tempos, ocorrem explosões de irritação política. Facções se confrontam como se fossem torcidas de futebol ensandecidas e violentas.

Que exemplos temos disso?

Veja os casos da Guerra do Paraguai e da Revolução Federalista. Oficiais gaúchos do Exército que mateavam nos acampamentos da Guerra do Paraguai se enfrentaram de maneira fratricida a partir de 1893. Produziram um dos momentos mais violentos da nossa história. Estima-se que 1% da população gaúcha pereceu nesse conflito. Essas coisas afloram, às vezes mais localizadas, às vezes mais generalizadas. Os anos 1930 foram de muita efervescência, muitos conflitos de rua. Ou seja, a ideia de que a política no país ocorre sem violência é falsa. Não significa que o Sérgio Buarque de Holanda estava errado. A ideia do homem cordial contempla a violência contida e mascarada. A crítica que ele faz é de que somos excessivamente contemporizadores na hora de nos posicionarmos diante de grandes impasses. Mas, agora, as pessoas não estão interessadas em contemporizar coisa alguma. A última vez em que isso aconteceu com essa intensidade foi em 1963, 1964, e todos sabem no que deu.

Esse acirramento traz, outra vez, riscos à democracia brasileira?

Existe uma peculiaridade única nesta crise. Ela pode ser decupada em várias crises: econômica, política, ética, cada uma em um ritmo diferente. Mas há uma peculiar: uma crise de liderança. Pela primeira vez, não há lideranças apontando caminhos alternativos. Em 1963, tinha Carlos Lacerda e Leonel Brizola. Eram antagônicos, mas com grande capacidade de interlocução com a massa. Hoje, onde estão as lideranças? Quem está discutindo um projeto nacional? Quando as exacerbações começam a se repetir, pode-se colocar em risco a ordem democrática, a obediência civil e a estabilidade das instituições. No cenário atual, isso não está descartado.

Qual o caminho para retomar a civilidade no debate político?

Quando pessoas cruzam o (Rio) Rubicão, é complicado voltar. Tomei a decisão de não me manifestar em rede social porque é um horror o nível do debate que se estabelece ali pela forma superficial e agressiva. E isso vem ocorrendo dos dois lados dessa contenda desde a campanha. Cada vez se debatem menos os projetos do país e se ouvem mais xingamentos. Os próprios candidatos seguiram essa linha na última eleição, e os eleitores foram junto nesse caminho. Enquanto não se resolver a crise política, não se resolve a crise econômica, e mais irritadas as pessoas ficam.

O clima atual pode resultar na organização de grupos fascistas?

Todo país tem extrema direita e extrema esquerda, que se tornam mais visíveis quando há uma crise de liderança. Acho que o furo é mais embaixo. A questão é o que faremos com a maioria que está no centro, que acha que tem de ter seguro social, mas não suporta mais o banditismo nas ruas. Hoje está faltando liderança e projeto político para esse pessoal, o que pode resultar em mais conflitos. É preciso encontrar alguém que consiga unificar o país e estabelecer diálogos. A crise atual, em grande medida, foi exacerbada pela incapacidade de comunicação da Dilma.
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Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a5715957.xml&template=3898.dwt&edition=28691&section=3595
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