JOHN T. CACIOPPO / STEPHANIE CACIOPPO*
Qualquer um pode sofrer com solidão crônica: uma criança de 12 anos
que muda de escola; um jovem que depois de crescer em uma pequena
comunidade sente-se perdido em uma grande cidade; uma executiva que está
ocupada demais com sua carreira para manter boas relações com seus
familiares e amigos; um idoso que sobreviveu a sua parceira e cuja saúde
fraca dificulta fazer visitas. A generalização do sentimento de solidão
é surpreendente. Vários estudos internacionais indicam que mais de uma
em cada três pessoas nos países ocidentais sente-se sozinha
habitualmente ou com frequência. Um estudo de 10 anos que iniciamos em 2002
em uma grande área metropolitana indica que, na verdade, essa proporção
aproxima-se mais de uma em cada quatro pessoas em alguns locais, uma
taxa que segue sendo muito alta.
A maioria dessas pessoas talvez não seja solitária por natureza, mas
sente-se socialmente isolada, embora esteja rodeada de gente. O
sentimento de solidão, no começo, faz com que a pessoa tente estabelecer
relações com outras, mas, com o tempo, a solidão pode acabar em
reclusão, porque parece uma alternativa melhor que a dor, a rejeição, a
traição ou a vergonha. Quando a solidão se torna crônica, as pessoas
tendem a se resignar. Podem ter família, amigos ou um grande círculo de
seguidores nas redes sociais, mas não se sentem verdadeiramente em
sintonia com ninguém.
Uma pessoa que se sente sozinha geralmente está mais angustiada,
deprimida e hostil, e tem menos probabilidades de realizar atividades
físicas. Como as pessoas solitárias tendem a ter mais relações negativas
com os outros, o sentimento pode ser contagioso. Os testes biológicos
realizados mostram que a solidão tem várias consequências físicas:
elevam-se os níveis de cortisol – o hormônio do estresse –, a
resistência à circulação de sangue aumenta e certos aspectos da
imunidade diminuem. E os efeitos prejudiciais da solidão não terminam
quando se apaga a luz: a solidão é uma doença que não descansa, que
aumenta a frequência dos pequenos despertares durante o sono, e faz com
que a pessoa acorde esgotada.
O motivo é que, quando o cérebro entende o seu entorno social como
algo hostil e pouco seguro, permanece constantemente em alerta. E as
respostas do cérebro solitário podem funcionar para a sobrevivência
imediata. Mas, na sociedade contemporânea, em longo prazo, cobra um
preço da saúde. Quando nossos motores estão constantemente acelerados,
deixamos nosso corpo exausto, reduzimos nossa proteção contra os vírus e
inflamações e aumentamos o risco e a gravidade de infecções virais e de
muitas outras doenças crônicas.
Uma análise recente – de 70 estudos combinados, com mais de três
milhões de participantes – demonstra que a solidão aumenta o risco de
morte em 26%, aproximadamente o mesmo que a obesidade. O fato de que
mais de uma em cada quatro pessoas em países industrializados pode estar
vivendo na solidão, com consequências certamente devastadoras para a
saúde, deveria nos preocupar.
Em nossas investigações, também observamos que cada medida positiva
para melhorar a qualidade das relações sociais melhora a pressão
arterial, os níveis de hormônios do estresse, os padrões de sono, as
funções cognitivas e o bem-estar geral.
Com frequência, as pessoas solitárias não estão conscientes de muitas
das coisas que estão acontecendo: não percebem. Por exemplo, a
hipervigilância é aguçada de forma implícita em busca de ameaças sociais
e a capacidade de controlar os impulsos é reduzida. Mas, assim como
acontece com a dor física que nos informa de uma possível lesão em nosso
corpo, o sentimento de solidão nos indica a necessidade de proteger ou
consertar nosso corpo social.
Os familiares e amigos geralmente são os primeiros a detectarem os
sintomas de solidão crônica. Quando uma pessoa está triste e irritável,
talvez esteja pedindo, em silêncio, que alguém a ajude e se conecte com
ela. A paciência, a empatia, o apoio de amigos e familiares,
compartilhar bons momentos com eles, tudo isso pode fazer com que seja
mais fácil recuperar a confiança e os vínculos e, por fim, reduzir a
solidão crônica.
Infelizmente, para muitos, falar com sinceridade sobre a solidão
continua sendo difícil, porque é uma condição mal compreendida e
estigmatizada. No entanto, dadas sua frequência e suas repercussões na
saúde, teria que ser reconhecida como um problema de saúde pública.
Deveria receber mais atenção nas escolas, nos sistemas de saúde, nas
faculdades de medicina e em asilos para garantir que os professores, os
profissionais de saúde, os trabalhadores de creches e de abrigos de
terceira idade saibam identificá-la e abordá-la.
As redes sociais podem abrir novas vias para conectar-se com os demais?
Depende de como forem utilizadas. Quando as pessoas usam as redes para
enriquecer as interações pessoais, isso pode ajudar a diminuir a
solidão. Mas, quando servem de substitutas de uma autêntica relação
humana, causam o resultado inverso. Imagine um carro. Se uma pessoa o
conduz para compartilhar um passeio agradável com seus amigos,
certamente se sentirá menos sozinha; se dirige sozinho para
cumprimentá-los de longe e ver como os demais estão se divertindo, sua
solidão certamente seguirá igual ou até mesmo pior.
Infelizmente, muitas pessoas solitárias tendem a considerar as redes sociais
como um refúgio relativamente seguro para se relacionar com os outros.
Como é difícil julgar se as outras pessoas são dignas de confiança no
ciberespaço, a relação é superficial. Além disso, uma conexão pela
internet não substitui uma real. Quando uma criança cai e machuca o
joelho, uma mensagem compreensiva ou uma chamada pelo Skype não
substitui o abraço de consolo dos seus pais.
Atualmente, vários países, particularmente a Dinamarca e o Reino
Unida, criaram programas nacionais de conscientização do público sobre a
solidão crônica, para difundir um melhor conhecimento de suas
consequências catastróficas e para melhorar as intervenções, as
políticas para abordar esse problema e financiá-las.
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* John T. Cacioppo, autor de Loneliness
(WW Norton), é professor catedrático de psicologia e dirige o centro de
neurociência cognitiva e social na Universidade de Chicago. Stephanie Cacioppo é professora de psiquiatria e neurociência no mesmo local.
FONTE: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/06/ciencia/1459949778_182740.html
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