Perda de 1 milhão de filiados em dois anos é sintoma de um sistema partidário disfuncional
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
26 de abril de 2020 | 03h00
Em
dois anos, os partidos políticos perderam 1 milhão de filiados, segundo
dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em março de 2018, as
legendas tinham, ao todo, 16,6 milhões de filiados. Em março deste ano,
eram 15,6 milhões de pessoas registradas em algum dos 32 partidos em
funcionamento no País. Tal esvaziamento é mais um sintoma da
disfuncionalidade do atual sistema partidário.
A significativa
queda do número de filiados evidencia a dificuldade que as legendas têm
para atrair e reter filiados. Nos últimos dois anos, em números
absolutos, o PMDB foi o partido que mais perdeu filiados. Foram menos
268,7 mil registros no período. Mesmo com a queda, a sigla continua
tendo o maior número de filiados entre todos os partidos. O PMDB tem
hoje 2,1 milhões de filiados.
O segundo partido que mais perdeu
filiados foi o PP (165,4 mil), seguido de PDT (131,4 mil), PTB (126,1
mil), DEM (120,7 mil), PT (110,9 mil) e PSDB (92,3 mil). Em número de
filiados, o PT continua sendo o segundo maior partido (1,47 milhão),
seguido de PSDB (1,36 milhão) e PP (1,27 milhão).
Nos
últimos dois anos, o PSL, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro
foi eleito em 2018, teve um saldo positivo de filiados. Foram 116,7 mil
membros a mais desde março de 2018, quando o então deputado se filiou
ao partido presidido por Luciano Bivar (PE). No entanto, desde que o
presidente Jair Bolsonaro deixou a sigla e anunciou a criação de um
partido próprio, o Aliança pelo Brasil, o número de filiados ao PSL
caiu. Hoje, o partido de Bivar tem 344,3 mil membros. Em outubro do ano
passado, eram 349,2 mil.
Essa trajetória do número de filiados ao
PSL mostra outra fragilidade dos partidos, muito além da questão
quantitativa de filiados. Esse vai e vem de filiados ao PSL, que ocorre
também em outros partidos, mostra que a adesão à legenda não representa
compromisso com um conteúdo programático do partido, inexistente na
maioria das vezes. É mero seguimento temporário, baseado no apoio
igualmente temporário a um político. Ou seja, além da diminuição do
número de filiados, constata-se um esvaziamento ideológico das legendas.
O quadro é dramático. Partidos não têm identidade programática, e
filiação e desfiliação a uma legenda são frequentemente mera
transferência de apoio a um candidato, sem indicar qualquer compromisso
com uma causa partidária definida. Tal movimentação é estimulada pelo
enorme número de partidos existentes – atualmente são 32 – e pelos
muitos outros em formação. Segundo a Justiça Eleitoral, existem hoje 78
partidos em formação.
Com esse grande interesse por criar siglas,
fica claro que ter uma legenda é um grande negócio. Recentemente, o
Estado revelou que, em 2018, os partidos repassaram R$ 144 milhões a
pessoas físicas, e R$ 12,4 milhões foram pagos a responsáveis
administrativos dos diretórios nacionais ou estaduais das siglas.
Além
da redução do número de filiados, há outro dado impressionante a
respeito do baixo grau de comprometimento com as siglas. Realizado em
2017, levantamento do Movimento Transparência Partidária identificou
que, de cada 10 mil filiados, apenas 34 faziam contribuições financeiras
a uma legenda.
São muitos os sinais de que o sistema partidário é
disfuncional. E tal disfuncionalidade não é obra do acaso. Há vários
estímulos para tal cenário, como é o caso do financiamento público das
legendas por meio do Fundo Especial de Assistência Financeira aos
Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha (Fundo Eleitoral). Os partidos são entes
privados e não há motivo para que o dinheiro do contribuinte financie
suas atividades. Ao receber dinheiro público, as legendas ficam
desobrigadas de ter identidade programática e filiados comprometidos ou
de buscar doações.
Numa democracia representativa, é essencial a
existência de partidos políticos que funcionem, representando de fato
seus filiados e promovendo os necessários consensos e maiorias. Sempre
adiada, a reforma do sistema político-eleitoral é da máxima importância.
-----------
FONTE: Editorial: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,o-esvaziamento-dos-partidos,70003283155 26/04/2020
Nenhum comentário:
Postar um comentário