ENTREVISTA Nicolas Véron, economista e observador político do Instituto Bruegel
Ex-membro do staff de Martine Aubry, secretária-geral do PS,
especialista em política econômica europeia diz que mercados já
“anteciparam riscos” da eleição
Nicolas Sarkozy, presidente da França, e François Hollande, líder do
Partido Socialista (PS), os dois favoritos às eleições presidenciais,
promoveram no domingo, em Paris, seus dois maiores comícios de campanha,
a sete dias do primeiro turno. Segundo as estimativas dos dois
partidos, mais de 200 mil pessoas – 100 mil em cada – participaram das
reuniões promovidas na Praça da Concórdia e no Castelo de Vincennes. Em
seu discurso, Hollande voltou a pedir mobilização contra o atual chefe
de Estado: “Eu exorto a todos vocês que deem um julgamento severo quanto
ao mandato que acaba agora”, disse ele, ovacionado pela multidão.
Às vésperas do primeiro turno e em dificuldades nas pesquisas, que o
apontam em segundo lugar, Sarkozy anunciou que, caso seja reeleito,
pedirá ao Banco Central Europeu (BCE) que redirecione sua gestão para o
crescimento – uma bandeira até aqui defendida por seu rival. Além disso,
voltou a lançar mão da crise financeira, para atacar Hollande. Segundo o
chefe do Estado, caso o candidato do PS vença as eleições a França
enfrentará a fúria dos mercados financeiros. O tema revoltou a oposição
nos últimos dias e fez explodir uma polêmica europeia sobre o assunto,
que não resolveu a dúvida: existe de fato o risco de um ataque
especulativo a França, o que destruiria o euro e ameaçaria a União
Europeia?
O Estado questionou Nicolas Véron, economista
francês e observador político do Instituto Bruegel, de Bruxelas, sobre o
assunto. Véron tem experiência no tema: pesquisa o comportamento dos
mercados e conhece por dentro a política da França, desde que foi membro
do gabinete de Martine Aubry, secretária-geral do PS e cogitada ao
cargo de primeiro-ministro. Para ele, o projeto político socialista não
agrada, mas o que assusta os investidores e a falta de projetos claros
de ambos, Hollande e Sarkozy. “A eleição tem um efeito neutro, porque
nenhum dos dois candidatos traz as respostas que os mercados esperam
para a crise na Europa”, diz Véron. A seguir, a síntese da entrevista.
Sarkozy provocou enorme polêmica na França e na Europa ao
afirmar em sua campanha que, em caso de vitória de Hollande, o país será
vítima de um ataque dos mercados. Qual é o risco real de que o ataque
aconteça?
Sarkozy tem razão ao dizer que os mercados podem se voltar contra a
França, mas não pelas razões que ele alega. A eleição não é um fator
decisivo para que esse ataque especulativo possa acontecer eventualmente
nos próximos meses. A forma como os mercados reagem às pesquisas
eleitorais é muito clara: a eleição tem um efeito neutro, basicamente
porque nenhum dos dois candidatos traz as respostas que os mercados
esperam para a crise na Europa.
Analistas e a imprensa internacional, como a revista
britânica The Economist, dizem que a eleição de 2012 mostra o quanto a
França está “em negação” sobre seus problemas. O senhor concorda?
A mensagem que The Economist passou há duas semanas, de que a França
está em negação quanto aos seus principais problemas, é correta. Eu
compartilho da opinião. Não é apenas uma questão de candidaturas. A
opinião pública do país não aceitou que será preciso mudar seu modelo
social, econômico, seu lugar na Europa, a relação com a Alemanha, a
arquitetura orçamentária e financeira da União Europeia. A posição da
França é muito ambígua sobre todos esses temas, e os principais
candidatos, Hollande e Sarkozy, refletem essa ambiguidade.
Então os mercados já “anteciparam” o resultado das eleições na França?
Os mercados têm por papel antecipar os fatos, porque é assim que se
faz dinheiro. Deste ponto de vista, o que pode fazer algo mudar no curto
termo é haver surpresas de vulto na eleição. O aumento das intenções de
voto em Jean-Luc Mélenchon, candidato da extrema esquerda, por exemplo,
não é um fator positivo para os mercados, porque indica que ele tende a
ter um peso político em futuro governo Hollande. Mas o fato é que, se
Hollande ou Sarkozy for eleito, não haverá uma reação intempestiva dos
mercados.
Em seu maior comício, Hollande designou o mundo das finanças
como seu principal “adversário”. Como os mercados interpretam esse
discurso?
O paradoxo e a ironia da eleição é que Hollande demonstra uma
hostilidade em relação ao dinheiro, aos patrões, aos herdeiros. Para os
mercados, essa visão revela uma aversão a quem cria empregos e
desenvolve o país. Mas a verdade é que os investidores se decepcionaram
muito com Sarkozy e não o consideram como um presidente dos sonhos. Os
mercados votam em branco nas eleições da França.
Nesta semana Sarkozy discutiu em público com o jornal britânico Financial Times,
liberal por excelência. Em editorial, o FT afirmou que “também não o
ama” e elogiou Hollande por defender o crescimento ao lado da
austeridade.
O discurso de Hollande de que a Europa precisa de uma política de
crescimento ao lado da austeridade é na verdade um fator muito positivo
para Hollande na visão de muitos investidores. Há de fato um risco de
círculo vicioso na Europa de austeridade e recessão. Logo, seu discurso
ecoa de forma positiva no entender do Financial Times,
assim como para muitos investidores e analistas econômicos. É um dos
fatores pelos quais Hollande conseguiu neutralizar a preferência natural
que poderia haver em torno de Sarkozy.
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Fonte: Estadão on line, 19/04/2012
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