Depois de longas deliberações, o Superior Tribunal Federal decidiu
pela descriminalização da prática de aborto para casos de fetos sem
cérebro. O relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, entende
que a decisão não fere a Constituição, pois em casos como esse, não
existe possibilidade de vida fora do útero da mãe. É uma vitória
importante para a ciência e para a qualidade de vida de centenas de
mães, considerando o trauma e desespero causado pela certeza de uma
gravidez que resultará em um filho natimorto.
Inacreditavelmente, durante o julgamento do processo, um grande grupo
formado por representantes de entidades religiosas protestava em frente
ao prédio do Supremo, em "defesa da vida". Já está virando rotina: toda
vez que algum tema polêmico entra em discussão, ideologias religiosas
tentam a todo custo interferir e mesmo impor suas convicções, por mais
descabidas que sejam. Nos meses que antecederam ao julgamento deste
processo, acompanhei alguns debates pela televisão. Em tais ocasiões,
sempre se encontravam entre os presentes médicos, psicólogos, mães e
pais, e é claro, um sacerdote. Num estado laico como o Brasil, a
presença de religiosos nesse tipo de discussão é tão relevante quanto a
presença de um juiz de futebol.
As convicções originadas pela crença religiosa devem orientar
unicamente o sujeito na sua individualidade e na sua vida privada,
jamais interferir na esfera social e coletiva, senão corre-se seriamente
o risco de uma espécie de ditadura fundamentalista evangélica, como já
vem ocorrendo nas esferas municipais, estaduais e federal, em que as
chamadas "bancadas evangélicas" tentam monopolizar importantes decisões
políticas. Por conta disso, a pluralidade de ideias e a diversidade de
comportamentos e orientações sexuais não encontram espaço. Os muitos
preconceitos ainda existentes, em vez de serem aos poucos eliminados,
são reforçados. Os homossexuais, os ateus e outras minorias são
sumariamente condenadas. Se ainda vivêssemos na Idade Média, iriam todos
servir de combustível para uma grande fogueira em praça pública.
Recentemente, um estudante do Ensino Médio da cidade mineira de
Miraí, Ciel Vieira, sofreu uma série de abusos morais e foi severamente
hostilizado por uma de suas professoras e por sua turma de colegas, por
ser ateu e ter se recusado a participar dos momentos de oração que
antecediam as aulas da referida professora. Como costuma acontecer em
tais casos, as opiniões, crenças e vontades de uma maioria sempre se
impõem, ficando de lado o bom senso e a ética profissional. Em nome de
supostas "tradições", pessoas são humilhadas, rebaixadas moralmente e
muitas vezes tachadas de "esquisitas", "imorais", "pessoas sem fé" e
outros termos menos agradáveis.
Nos meios de comunicação de massa, o que se vê geralmente é uma
tentativa de reforçar estes posicionamentos, seja pela proliferação de
emissoras evangélicas, seja pela emissão de opiniões que afirmam serem
os ateus "pessoas sem limites, para as quais tudo é permitido" ou que
"ser homossexual não é coisa de Deus". Me pergunto quando e onde tudo
isso irá parar. Não é a toa que o Brasil é um dos países com maior
incidência de assassinatos de homossexuais. Com o passar do tempo, a
mentalidade das pessoas muda para melhor. O processo de globalização,
acelerado pelos avanços das tecnologias da informação, traz novos ares,
novas realidades, fazendo antigas ideias e crenças serem aos poucos
sepultadas. No momento em que vivemos, não cabe mais querer impor
ideologias que estão sendo prejudiciais ao ser humano. Em nome dos "bons
costumes", estamos alimentando a intolerância e o ódio contra quem é
diferente, pelo simples fato de ser diferente. É preciso acender uma
luz, sair da caverna e ver a realidade com outros olhos.
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*ProfessorFonte: ZH on line, 17/04/2012
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