Hoje assistimos a muitos julgamentos
especialmente ligados à corrupção, colocando no banco dos réus grandes
empresários e personalidades políticas. Discute-se se há ou não
imparcialidade nos julgamentos. Qual a ética que deve orientar um
Magistrado? Temos aqui a palavra de um conhecido Magistrado que pode nos
orientar nesse debate. É um grande humanista e um defensor incansável
dos direitos humanos: LBoff
A palavra ética provém do grego ethos, que significa modo de ser, caráter.
A Ética busca aquilo que é bom para o indivíduo e para a sociedade.
A Ética não brota espontânea. É fruto de um esforço do espírito
humano para estabelecer princípios que iluminem a conduta das pessoas,
grupos, comunidades, nações, segundo um critério de Bem e de Justiça.
O Bem e a Justiça constituem uma busca.
Um dos mais importantes desdobramentos da Ética refere-se à Ética das
profissões. Toda profissão tem sua ética. Vamos citar alguns exemplos.
Seja o motorista reservado quanto ao que ouve dentro do carro quando
transporta seus clientes. Seja o comerciante ético cobrando o justo
preço pelas mercadorias que vende. Seja o profissional da enfermagem
ético tratando com respeito o corpo do enfermo. Seja o advogado ético,
fiel ao patrocínio dos direitos do seu cliente. Seja o médico ético
servindo à vida e procurando minorar o sofrimento humano.
E a magistratura tem uma Ética?
Neste capítulo defendo que o ofício de magistrado deve guiar-se por uma ética e sugiro veredas para a efetivação dessa ética.
A magistratura é mais que uma profissão. A Ética do Magistrado é mais que uma Ética profissional.
A função de magistrado é uma função sagrada. Daí a advertência do Profeta Isaías:
“Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas, para que julguem o povo com retidão de Justiça”.
Somente com o suplemento da Graça Divina pode um ser humano julgar.
A sociedade exige dos magistrados uma conduta exemplarmente ética.
Atitudes que podem ser compreendidas, perdoadas ou minimizadas, quando
são assumidas pelo cidadão comum, essas mesmas atitudes são
absolutamente inaceitáveis quando partem de um magistrado.
Tentarei arrolar alguns princípios que suponho devam orientar a ética do magistrado:
1) A imparcialidade. Nada de proteger ou perseguir quem quer
que seja. O juiz é o fiel da balança, a imparcialidade é inerente à
função de julgar. Se o juiz de futebol deve ser criterioso ao marcar
faltas, ou anular gols, quão mais imparcial deve ser o Juiz de Direito
que decide sobre direitos da pessoa.
2) O amor ao trabalho. O ofício do juiz exige dedicação. A
preguiça é sempre viciosa, mas até que pode ser tolerada no comum dos
mortais. Na magistratura, a preguiça causa muitos danos às partes.
3) A pontualidade, o zelo pelo cumprimento dos prazos. É
certo que há um acúmulo muito grande de processos na Justiça. O juiz não
é o responsável por esse desacerto mas, no que depende dele, deve
esforçar-se para que as causas não contem tempo por quinquênio ou
decênio, como verberou Rui Barbosa. Se por qualquer razão ocorre atraso,
no início de uma audiência, o juiz tem o dever de justificar-se perante
as partes. Não pode achar que é natural deixar os cidadãos plantados
numa sala contígua, esperando, esperando, esperando.
4) A urbanidade. O magistrado deve tratar as partes, as
testemunhas, os serventuários e funcionários com extrema cortesia. O
juiz é um servidor da sociedade, ter boa educação no cotidiano é o
mínimo que se pode exigir dele. A prepotência, a arrogância, o
autoritarismo são atitudes que deslustram o magistrado.
5) A humildade. A virtude da humildade só engrandece o juiz.
Não é pela petulância que o juiz conquista o respeito da comunidade. O
juiz é respeitado na medida em que é digno, reto, probo. A toga tem um
simbolismo, mas a toga, por si só, de nada vale. Uma toga moralmente
manchada envergonha, em vez de enaltecer.
6) O humanismo. O juiz deve ser humano, cordial, fraterno.
Deve compreender que a palavra pode mudar a rota de uma vida transviada.
Diante do juiz, o cidadão comum sente-se pequeno. O humanismo pode
diminuir esse abismo, de modo que o cidadão se sinta pessoa, tão pessoa e
ser humano quanto o próprio juiz.
7) Razão e coração. Julgar é um ato de razão, mas é também
um ato de coração. O juiz há de ter a arte de unir razão e coração,
raciocínio e sentimento, lógica e amor.
8) A função de ser juiz não é um emprego. Julgar é missão, é
empréstimo de um poder divino. Tenha o juiz consciência de sua pequenez
diante da tarefa que lhe cabe. A rigor, o juiz devia sentenciar de
joelhos.
9) As decisões dos juízes devem ser compreendidas pelas
partes e pela coletividade. Deve o juiz fugir do vício de utilizar uma
linguagem ininteligível. É perfeitamente possível decidir as causas, por
mais complexas que sejam, com um linguajar que não roube dos cidadãos o
direito, que lhes cabe, de compreender as razões que justificam as
decisões judiciais.
10) O juiz deve ser honesto. Jamais o dinheiro pode poluir
suas mãos e destruir seu conceito. O juiz desonesto prostitui seu nome e
compromete o respeito devido ao conjunto dos magistrados. Peço perdão
às pobres prostitutas por usar o verbo prostituir, numa hipótese como
esta.
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Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante.
Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/2017/07/16/a-etica-do-magistradoj-b-p-herkenhoff/
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