DAVID COIMBRA*
O mundo é esfervilhante de poetas e escritores. Alguns deles incautos
o suficiente para me pedir opinião sobre seus escritos. Enviam-me
textos, pedem exegeses. Fico constrangido. Quem sou eu para ser
definitivo acerca de um autor que está iniciando? Vá que julgue mal um
novo Dostoiévski. Responsabilidade demais.
Assim, decidi socorrer-me dos clássicos. De um clássico, na verdade: Horácio. Não estou me referindo ao dinossaurinho verde da Turma da Mônica, e sim a um poeta romano que viveu há 2 mil anos.
Esse Horácio foi filho de um liberto. Isto é: de um ex-escravo. Mesmo assim, recebeu boa educação e gostava de escrever. Cometia lá seus versos, e alguns foram parar nas mãos de um poeta já consagrado, Virgílio.
Dante usaria Virgílio, 1,3 mil anos depois, como guia em seu passeio pelo inferno, lugar que já estava sendo preparado para receber certos políticos brasileiros do século 21.
Virgílio fazia, naquela época, o que muitos fazem hoje: escrevia sob encomenda do governo. No caso, o imperador Augusto, para quem Virgílio compôs a famosa Eneida. Suas despesas eram pagas pelo Odebrecht romano, um empresário riquíssimo chamado Mecenas, amigo de Augusto. Como se vê, os governantes desde sempre tiveram bons amigos que lhes davam mimos graciosamente.
Virgílio não era egoísta. Apresentou Horácio a Mecenas e, desta forma, garantiu o futuro do colega. Horácio ganhou de presente uma vila, espécie de sítio, com pedalinho e tudo. Em troca, escrevia poemas para o imperador. Muito justo.
Uma vez, Horácio recebeu uma correspondência parecida com as que às vezes recebo. Dois membros de uma conhecida família romana, os Pisões, queriam se tornar escritores e perguntaram como fazer. Horácio escreveu-lhes, então, uma carta com um punhado de conselhos. Como alguns são úteis ainda hoje, divido-os com o leitor que tiver ganas de sair versejando ou proseando por aí. Eis, com comentários meus depois das aspas:
1. “Escolha um assunto ao alcance das suas forças.”
Horácio diz para que o candidato a escritor escreva sobre algo que entenda e de que goste. Se fizer assim, a chance de sucesso é maior.
2. “O livro ideal é o que ao mesmo tempo instrui e diverte. O escritor que mistura o útil com o agradável recebe todos os votos.”
Perfeito. Muitas vezes, é mais difícil ser agradável, mas, se o texto tiver alguma utilidade, pelo menos o leitor não terá a sensação de tempo perdido ao fechar o livro. Nada mais frustrante do que, depois de 400 páginas, chegar ao ponto final e suspirar: “Por que é que eu passei tanto tempo lendo isso?”.
3. “Evitar palavras novas, antiquadas ou sesquipedais.”
Sesquipedais são palavras “de um pé e meio”. Longas, esquisitas. Como “sesquipedais”.
4. “Ser tão breve quanto for permitido pela clareza. Entre direto no assunto.”
Muito moderno. Horácio podia escrever um manual de jornalismo no século 1.
5. “Ao escrever poesia, não imagine que emoção é tudo, mesmo sendo verdade que você terá de sentir emoção, se a quiser transmitir ao leitor. Mas a arte não é sentimento, é forma.”
É um conselho que toda moça que sofre por amor deveria levar em conta, antes de começar a tecer aqueles seus poemas.
6. “Se escrever drama, deixe que a ação, não as palavras, conte a história e pinte os tipos. Obedeça à unidade de ação, ao tempo e ao lugar. Estude a vida e a filosofia. Sapere aude: ouse saber.”
Mais uma vez, Horácio fala aos estudantes de jornalismo, embora esse conselho, ouse saber, sirva para todos os comentaristas de Facebook.
7. “Submeta o trabalho a um crítico de valor. E cuidado com os amigos! Se conseguir fazer tudo isso, deixe o trabalho parado por oito anos. Se depois disso ainda o achar bom, publique-o, mas lembre-se: verba volant, scripta manent.”
Verba volant, scripta manent. Vinte séculos se passaram para que Horácio fosse citado primeiro por Temer, depois por Dilma. Nem a Antiguidade Clássica está a salvo deles.
Assim, decidi socorrer-me dos clássicos. De um clássico, na verdade: Horácio. Não estou me referindo ao dinossaurinho verde da Turma da Mônica, e sim a um poeta romano que viveu há 2 mil anos.
Esse Horácio foi filho de um liberto. Isto é: de um ex-escravo. Mesmo assim, recebeu boa educação e gostava de escrever. Cometia lá seus versos, e alguns foram parar nas mãos de um poeta já consagrado, Virgílio.
Dante usaria Virgílio, 1,3 mil anos depois, como guia em seu passeio pelo inferno, lugar que já estava sendo preparado para receber certos políticos brasileiros do século 21.
Virgílio fazia, naquela época, o que muitos fazem hoje: escrevia sob encomenda do governo. No caso, o imperador Augusto, para quem Virgílio compôs a famosa Eneida. Suas despesas eram pagas pelo Odebrecht romano, um empresário riquíssimo chamado Mecenas, amigo de Augusto. Como se vê, os governantes desde sempre tiveram bons amigos que lhes davam mimos graciosamente.
Virgílio não era egoísta. Apresentou Horácio a Mecenas e, desta forma, garantiu o futuro do colega. Horácio ganhou de presente uma vila, espécie de sítio, com pedalinho e tudo. Em troca, escrevia poemas para o imperador. Muito justo.
Uma vez, Horácio recebeu uma correspondência parecida com as que às vezes recebo. Dois membros de uma conhecida família romana, os Pisões, queriam se tornar escritores e perguntaram como fazer. Horácio escreveu-lhes, então, uma carta com um punhado de conselhos. Como alguns são úteis ainda hoje, divido-os com o leitor que tiver ganas de sair versejando ou proseando por aí. Eis, com comentários meus depois das aspas:
1. “Escolha um assunto ao alcance das suas forças.”
Horácio diz para que o candidato a escritor escreva sobre algo que entenda e de que goste. Se fizer assim, a chance de sucesso é maior.
2. “O livro ideal é o que ao mesmo tempo instrui e diverte. O escritor que mistura o útil com o agradável recebe todos os votos.”
Perfeito. Muitas vezes, é mais difícil ser agradável, mas, se o texto tiver alguma utilidade, pelo menos o leitor não terá a sensação de tempo perdido ao fechar o livro. Nada mais frustrante do que, depois de 400 páginas, chegar ao ponto final e suspirar: “Por que é que eu passei tanto tempo lendo isso?”.
3. “Evitar palavras novas, antiquadas ou sesquipedais.”
Sesquipedais são palavras “de um pé e meio”. Longas, esquisitas. Como “sesquipedais”.
4. “Ser tão breve quanto for permitido pela clareza. Entre direto no assunto.”
Muito moderno. Horácio podia escrever um manual de jornalismo no século 1.
5. “Ao escrever poesia, não imagine que emoção é tudo, mesmo sendo verdade que você terá de sentir emoção, se a quiser transmitir ao leitor. Mas a arte não é sentimento, é forma.”
É um conselho que toda moça que sofre por amor deveria levar em conta, antes de começar a tecer aqueles seus poemas.
6. “Se escrever drama, deixe que a ação, não as palavras, conte a história e pinte os tipos. Obedeça à unidade de ação, ao tempo e ao lugar. Estude a vida e a filosofia. Sapere aude: ouse saber.”
Mais uma vez, Horácio fala aos estudantes de jornalismo, embora esse conselho, ouse saber, sirva para todos os comentaristas de Facebook.
7. “Submeta o trabalho a um crítico de valor. E cuidado com os amigos! Se conseguir fazer tudo isso, deixe o trabalho parado por oito anos. Se depois disso ainda o achar bom, publique-o, mas lembre-se: verba volant, scripta manent.”
Verba volant, scripta manent. Vinte séculos se passaram para que Horácio fosse citado primeiro por Temer, depois por Dilma. Nem a Antiguidade Clássica está a salvo deles.
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*Jornalista. Colunista da ZH
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9855771.xml&template=3916.dwt&edition=31575§ion=70
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