Travar a propagação de notícias falsas também depende dos utilizadores de redes sociais,
basta uma leitura mais crítica
REUTERS/Dado Ruvic
O excesso de informação e a nossa limitada atenção faz com que as
notícias falsas tenham as mesmas hipóteses que as verdadeiras de se
tornarem populares nas redes sociais, conclui um artigo publicado na
revista Nature Human Behaviour .
Abra a sua conta do Facebook, ou de outra rede social, e confira a quantidade de posts
que se acumulam no ecrã e, já agora, verifique quais os que lê e quais
os que lê e partilha. Verificou a fonte de informação? Muitos não o
fazem. A nossa atenção limitada e o excesso de informação explicam como as notícias falsas, mais conhecidas pela versão em inglês fake news, se tornam virais nas redes sociais, segundo um estudo publicado na revista Nature Human Behaviour. Os investigadores analisaram o comportamento de um milhão de utilizadores de redes sociais e dois milhões de memes (uma informação, imagem ou vídeo que se espalha via Internet).
Os autores deste estudo adiantam que, no campeonato da popularidade
na Internet, as notícias falsas estão em pé de igualdade com as
verdadeiras. Solução? Limitar o recurso a bots (vem da palavra inglesa robot), um programa de computador que espalha de forma automática uma notícia a um ritmo impossível para um ser humano.
As notícias falsas e os boatos sempre existiram mas as redes sociais
deram-lhes um imenso palco com espaço para crescer sem limites
aparentes. Neste “espectáculo” social, podemos fazer uma escolha: ou
somos apenas espectadores ou participamos, saltando para o palco com uma
publicação ou uma partilha. Independentemente do papel que escolhemos,
bombardeados com tanta informação sobre tanta coisa torna-se muito
difícil conseguir distinguir a informação de qualidade das notícias
falsas ou embustes. Há um permanente concurso neste palco: ver quem tem
mais sucesso, mais partilhas, quem é mais popular.
Num trabalho que envolveu a análise de comportamento de um milhão de utilizadores e o sucesso de dois milhões de memes falsos
e verdadeiros, um grupo de investigadores da Universidade de Indiana
(EUA) e do Instituto de Tecnologia de Xangai (China) concluiu que as
publicações com mais qualidade têm as mesmas probabilidades de se
tornarem virais, quando comparadas com as informações de baixa qualidade
e falsas. Para constatar a sobrecarga de informação a que somos
sujeitos e a nossa capacidade limitada de atenção, os autores
desenvolveram um modelo de difusão de memes com dados reais de algumas redes sociais, como o Facebook, o Tumblr ou o Twitter.
“O
parâmetro que descreve a quantidade de informações a que somos expostos
foi obtido a partir do comportamento de 1.000.000 de utilizadores do
Twitter onde constatámos o número de posts originais e o número de retweets”,
explica ao PÚBLICO Diego Fregolente Mendes de Oliveira, investigador na
Escola de Informática e Computação, na Universidade do Indiana (EUA) e
um dos principais autores do estudo. Por outro lado, adianta, os dados
sobre a atenção foram obtidos a partir de dez milhões de sessões de scrolling
em telemóveis de utilizadores do Tumblr durante um período de duas
semanas em 2016. Foi registado o número de vezes que cada utilizador
passou por 500 pixels de dados (no mínimo) e onde parou durante, pelo
menos, um segundo.
Mais crítica e menos bots
“Finalmente,
os resultados mostram que informações de baixa e alta qualidade têm as
mesmas probabilidades de se propagar se forem obtidas a partir de dados
do Facebook. Neste último caso, recorremos aos dados de uma organização
chamada Emergent.info que tem uma relação dos URL de notícias falsas,
classificadas como de baixa qualidade, assim como as notícias que
desmascaram as notícias falsas, classificadas como notícias de alta
qualidade”, refere o investigador, adiantando que, depois de contarem o número de partilhas, foi avaliado o sucesso de dois milhões de memes.
No modelo teórico desenvolvido pelos investigadores existe a
possibilidade de assegurar uma boa relação entre diversidade e
qualidade. No entanto, os autores do estudo acabam por concluir que, na
prática, este modelo acaba por não funcionar nas redes sociais por causa
da grande quantidade de informação a que somos expostos. “Mesmo que
sejamos capazes de reconhecer tipos de informações confiáveis nas nossas
redes sociais, elas raramente prevalecem”, defende Diego Oliveira.
E agora? Estamos condenados a redes sociais que garantem o mesmo
sucesso às notícias verdadeiras e falsas? Não há forma de controlar
isto? Apesar de ser um mundo de difícil controlo, os investigadores
sugerem uma medida que podem “enfraquecer” as fake news e embustes nas redes sociais e que passa, resumidamente, por “limitar de forma agressiva” a utilização de bots. “Detectar bots sociais é uma tarefa muito desafiadora. Há todos os tipos de bots,
e muitos são benignos. Os ‘bots’ com a finalidade de enganar podem ser
bastante sofisticados e difíceis de serem reconhecidos mesmo por seres
humanos. E um grande número deles pode ser gerenciado via software,
tornando-se ainda mais difícil sua identificação”, admite o
investigador, que nota ainda que a equipa de que faz parte desenvolve
métodos (baseados em algoritmos) que são bastante precisos na detecção
de “bots” sociais. Porém, Diego Oliveira nota que estas técnicas têm de
ser usadas com algum conservadorismo porque o risco de detectar um falso
positivo (suspendendo uma conta legítima) é muito maior do que o de um
falso negativo. “São necessárias mais pesquisas para desenvolver
sistemas de detecção que sejam precisos, rápidos, adaptáveis e
robustos”, conclui.
Sobre eventuais filtros que um utilizador
poderá usar para “separar o trigo do joio”, o investigador dá algumas
ideias que partem do princípio de que o uso das redes sociais como fonte
de notícias não é confiável, “a menos que se concentre apenas em
publicações de fontes de media que sigam práticas de jornalismo
estabelecidas”. "Geralmente, as pessoas querem usar as redes sociais
para manter contacto com amigos e familiares, e é difícil pedir uma para
reduzir essa actividade. Mas os problemas começam a aparecer quando
começamos a usar as mesmas redes para aceder a notícias", alerta Diego
Oliveira.
“Devemos ter em mente que nossos amigos provavelmente não são bons editores e são mais impulsionados por emoções do que objectividade e confiabilidade. Há muitas coisas que podemos fazer para diminuir o volume de informações de baixa qualidade, como, por exemplo, verificar as fontes de informações, evitar assumir que algo partilhado por um contacto social é confiável e, finalmente, devemos também evitar partilhar algo sem uma leitura crítica. Acredito que se começarmos a avaliar bem as informações a que somos expostos antes de as transmitir isso ajudaria a reduzir a quantidade de fake news que encontramos online".
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Reportagem por
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