Hiabo Rebello*
Romantizar ou supervalorizar certos
períodos é algo normal na humanidade. Assim fizeram com o passado
greco-romano, durante a renascença, ou com os primórdios do
cristianismo, durante boa parte dos vinte séculos de religião cristã.
Muitos indivíduos idealizam seu próprio passado, sua juventude, para
servir de parâmetro de valência com sua vida e mundo atuais; entre os
conservadores, reacionários e tradicionalistas, costuma-se ver os tempos
de outrora com olhares mais vívidos, onde a sociedade era mais
coerente, ordeira e educada.
Olhar o passado com mais estima do que o
presente não consiste apenas em um romântico e irreal admirar, onde as
paixões e nostalgias domam o senso crítico e a razão. Basta ver certos
exemplos na História: antes da II Guerra Mundial, o povo de Stalingrado
com toda a certeza era mais feliz e sóbrio do que durante a guerra, e
principalmente mais contente do que durante a Batalha de Stalingrado, em
que o exército soviético obrigou a população a permanecer na cidade e a
força aérea nazista ateou fogo em quase todos os edifícios, com a
densíssima maioria de seus habitantes dentro, usando bombas
incendiárias…
Indivíduos também podem, com razão, ver o
passado dotado de uma luz morta no presente. Um sujeito na meia-idade e
com depressão pode muito bem olhar para trás e rememorar uma época mais
feliz e menos insana e densa.
O fato é que o que passou terá chances
de ser, um dia, melhor ou pior do que o presente. Talvez contemplemos,
com horror, uma batalha que faça a de Stalingrado parecer um parque de
diversões, e algum amante de História da II Guerra ou historiador poderá
olhar para Stalingrado e ver que comunistas e nazistas eram mais
decentes e humanos do que os exércitos beligerantes de seu presente.
Vejamos como o futuro não é tão melhor e
mais valoroso assim: no século XIX, período de convulsões, revoluções e
guerras, existe algo que se equipare às atrocidades do século XX?
Talvez uma coisa ou outra, e de modo pontual e nada disseminado. As
Guerras Napoleônicas não se comparam às duas Grandes Guerras. O mundo da
dita “moral burguesa”, do “Homem vitoriano”, era bem mais pacífico do
que o século do totalitarismo, dos campos de extermínio, das guerras
sem-fim – mais pacífico e menos avançado, mais ignorante, menos
científico, mais religioso.
Mas o passado não é tão bom assim
também: vivemos, ou não, em um mundo melhor do que aquele de décadas
atrás, que tinha 1/3 de seus países em regimes totalitários? A Rússia
contemporânea está, ou não, melhor do que o regime soviético?
Essa constatação de independência do
“melhorar” com o passar dos tempos é o que fundamenta a descrição das
falácias do Argumentum ad antiquitatem e do Argumentum ad novitatem,
onde a antiguidade e a novidade servem para determinar as valências de
tudo. É claro que a falácia das novidades, por exemplo, leva em conta a
tendência que o “novo” possui para ser um aperfeiçoamento daquilo que
era velho, mas é vazia, podendo até mesmo considerar algo que é uma
novidade como bom, mesmo que uma antiguidade relativa seja melhor do que
essa novidade – e o inverso pode ser aplicado à falácia do apelo para
com a antiguidade.
Não podemos, com certeza absoluta,
situar o “paraíso” em tempos mais antigos ou em mais novos por um
motivo: a natureza humana. A realidade concreta que envolve a humanidade
impede que um avanço qualquer faça tudo o que nos envolve ser,
efetivamente, melhor, ou que a conservação de algo positivo e bom tenha o
mesmo efeito. Vejamos: vivemos em um país menos racista, porém também
vivemos em um Estado que, sozinho, tem 10% dos homicídios do globo nas
mãos. O Homem é tão volátil, complicado e contingente em sua sociedade,
História e existência que na década de 1950, quando o racismo era normal
na mentalidade brasileira (ainda que fosse brando, se comparado ao de
outros países) morriam menos negros do que em 2017, onde essa
mentalidade é duramente atacada e suprimida. Em resumo, nossa sociedade
menos preconceituosa falha em preservar a vida de negros do que uma
sociedade bem mais racista.
O que parece ser contraditório e entrar
em tensão é, apenas, um composto da condição humana. Não somos, e jamais
seremos, melhores ou piores só porque o “tempo passou”. O tempo não é
fixo, não pode servir de parâmetro, por si só, para ninguém. O que é
melhor ou pior está fora dessa contingência, além do tempo e, portanto,
até mesmo fora da cultura.
Se me considero conservador é porque
vejo no conservadorismo algo que em tudo mais falha em conseguir: a
visão real, concreta e não-contingente do mundo, do Homem. Crer que
aquilo que é por natureza mutável irá se paralisar por causa de uma
conquista passada ou futura, é loucura, assim como crer que tudo muda. A
Forma do Homem é assim, a natureza de nossa espécie assim se delimita e
comporta, sendo fixa e jamais moldável, porém a existência do Homem
muda, é maleável, sensível. Negar a natureza em prol da existência, ou o
oposto, é justamente o que compõe uma mentalidade canhestra,
metonímica, onde apenas um lado da moeda é o real.
Se me considero conservador, não é por
nenhuma questão ideológica, em que a ideia suplanta a realidade, porém
é, com toda a certeza, porque o conservadorismo abarca a realidade como
nenhum outro pensamento o faz. Não desprezamos os legados do passado, os
conservamos; não desdenhamos das novidades, as anexamos, reformando o
legado dos antigos…
Não vivemos intelectualmente no passado,
muito menos temos a dependência de um futuro imaginário e dourado. O
real, o concreto, nos mostram que o bem, o mal, não dependem da
contingência humana, do ontem, do hoje, do amanhã; mas de crivos fora da
História, fora, enfim, até mesmo dos sujeitos: estes são os únicos
sólidos e fixos para se basear.
Na “História pura”, tudo é apenas um vento, tudo passa; na Forma humana, tudo se conserva e tudo continua.
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* Graduando em História, Licenciatura, pela Universidade Federal Fluminense, colunista do Instituto Liberal.
Fonte: https://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/e-os-dias-eram-sao-e-serao-assim/ 28/07/2017
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