terça-feira, 2 de agosto de 2011

Cioran - Pensamentos

Tendo perdido o gosto pelos seres,
esforço-me em vão por adquirir
o gosto pelas coisas.
"Não ter nunca a oportunidade de tomar partido, de decidir-me ou de definir-me: não há desejo que tenha com mais frequência. Mas nem sempre dominamos nossos humores, essas atitudes em germe, esses esboços de teoria. Visceralmente inclinados à estruturação de sistemas, nós os construímos sem descanso, sobretudo em política, domínio de pseudoproblemas, onde se dilata o mau filósofo que reside em cada um de nós, domínio do qual gostaria de afastar-me por uma razão banal, uma evidência que aparece a meus olhos como uma revelação: a política gira unicamente em torno do homem. Tendo perdido o gosto pelos seres, esforço-me em vão por adquirir o gosto pelas coisas; limitado forçosamente pelo intervalo que os separa, exercito-me e esgoto-me à sua sombra. Sombras também essas nações cuja sorte me intriga, menos por elas mesmas que pelo pretexto que me oferecem de vingar-me do que não tem nem contorno nem forma, de entidades e de símbolos. O homem desocupado que ama a violência salvaguarda seu savoir-vivre confinando-se em um inferno abstrato. Deixando de lado o indivíduo, ele se liberta dos nomes e dos rostos, responsabiliza o impreciso, o geral, e, orientando para impalpável sua sede de extermínio, concebe um gênero novo: o panfleto sem objetivo."
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(Cioran, História e Utopia)
Imagem da Internet

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