Costumo ressaltar a diferença enorme que existe entre o ouvir – usar o
aparelho anatômico da audição – e o escutar. Este, a capacidade de
assimilarmos o que foi ouvido, metabolizando-o à luz dos nossos
conhecimentos e valores morais, refletindo e tirando conclusões sem
açodamento ou preconceitos. Como se vê, uma arte dificílima. Também
ressalto a diferença substanciosa que existe entre o olhar e o enxergar.
O primeiro, representando a simples utilização da estrutura ocular,
comum a quase todas as espécies animais. De certa forma, corresponde ao
ouvir. Todavia, ao humano realmente evoluído, o olhar é apenas o ato
inicial do enxergar, que é a compreensão exata – ou a mais próxima disso
– daquilo ou daquele que se coloca diante dos nossos olhos. Enxergar
corresponde, de certa forma, ao escutar, pois vai muito além do órgão
anatômico do sentido, para o penetrar, profundamente, no que olhamos.
E o falar, tem também suas duas dimensões, sendo ele a mera
articulação racional – ou não – das palavras que conhecemos, e às vezes
até mesmo daquelas que mal sabemos pronunciar, inclusive ignorando o seu
significado. Percebemos isso escutando certas pessoas pernósticas, ou
alguns oradores de ocasião, ávidos de exibir erudição e buscando seus
sonhados minutos de glória, mas carecendo dos mais comezinhos princípios
da retórica, e – que tragédia! – do idioma em que pretende colocar
suas ideias (se é que as têm…). Resumindo, qualquer pessoa é capaz de
falar, entretanto são poucas as que conseguem conversar. Pois no
universo da comunicação ele é, de certa forma, o correspondente ao
enxergar e ao escutar, sendo porém uma arte bem mais nobre, mais
complexa e mais gratificante para os que interagem. Quem bem conversa,
bem enxerga, melhor escuta. E somente quem vai além de todas as
limitações dos órgãos anatômicos: olhos, ouvidos e boca, é que logram
escutar, enxergar e conversar, fazendo-o com absoluta autenticidade,
humildade e generosidade, jamais por encenações que logo são
desmascaradas. E os que o fazem genuinamente, são aquelas pessoas com
quem nos deleitamos disfrutar de sua companhia. São aquelas de quem nos
recordamos, sempre que temos necessidade de compartilhar tristezas ou
alegrias, derrotas ou vitórias. Na área profissional, são os médicos,
psicólogos, advogados, sacerdotes e pastores, mestres, jornalistas
entrevistadores, etc. mais requisitados – mesmo (e especialmente) não
sendo figurões, pois esses geralmente são frutos artificiais do
marketing, hoje bastante agressivo em quase todas as atividades. Na vida
familiar, onde não há espaço para o marketing, o diferencial é a
disposição interior e pessoal de cada um, para acolher os que o
procuram. Nos círculos de amizade, conhecemos bem aqueles que se aprazem
em escutar, que não se impacientam com a fala do outro, que têm real
interesse em conhecer o que o interlocutor está compartilhando com ele.
Por outro lado, são notórios e cada vez em maior número, aqueles que
estão sempre ávidos a encontrar um espaço para interromper quem fala, e
logo despejar falação sobre si mesmos, sobre seus feitos, sobre suas
maravilhas, sobre seu modo de pensar, sobre suas predileções – e muitas
vezes também de seus familiares – sem terem escutado uma só palavra do
que o outro disse. Na realidade, somente ouviam em prontidão para
perceber um almejado ponto final, ou pelo menos uma vírgula, na fala do
outro, permitindo-lhes tomar imediatamente a palavra. Às vezes o grau de
ansiedade é tanto, que nem a pontuação aguardam. Simplesmente ignoram a
fala do outro e iniciam a sua verborragia individualista. São os
comumente denominados “desmancha-bolinhos”.
Outra situação onde a arte de conversar assume enorme importância são
os momentos de discussão, onde diferentes pontos de vista se chocam.
Isso ocorre especialmente no âmbito familiar. Nesse momento revelam-se
os bons e os maus conversadores. Os bons escutam, procurando entender o
que o outro realmente quer expressar. Também enxergam cuidadosamente
para ver, além das aparências, o que o corpo daquela pessoa está dizendo
além das palavras. Assim superam preconceitos, prejulgamentos e
agressividades. São compassivos e conseguem amenizar e até apaziguar as
mais complexas situações. Já os maus conversadores, não se interessam
pelos sentimentos, nem pela opinião alheia. Julgam-se os donos da
verdade, só eles estão certos, ouvem ofegantes e por isso quase nada
escutam, estando sempre na defensiva e enchendo os pulmões de ar para,
na primeira oportunidade, contestar com todas as forças o que os outros
possam ter dito. Mesmo sem ter assimilado o que disseram. Para eles, o
importante é ganhar a discussão e não necessariamente chegar a um
consenso que atenda a todos. E muito menos admitir que sua posição nem
sempre é a melhor, nem mesmo a mais certa.
Por isso a humanidade anda tão agressiva, e as pessoas tão recolhidas
à sua conversa solitária nas máquinas eletrônicas, onde falam o que
querem, não precisam escutar nem cuidar da forma ou do estilo, muito
menos de uma fala escorreita. Sabem que não serão interrompidas e, a
qualquer desconforto, é só dar um clique e … que pena! O sistema caiu!
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* EVALDO D’ASSUMPÇÃO é médico e escritor. Publicado em O TREM Itabirano, n. 139, abril de 2017, p. 4. Itabira-MG.Fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/04/19/a-falta-que-faz-o-conversar/
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