Quer gostemos ou não do personagem, após o processo presidencial
Emmanuel Macron e o seu movimento “En marche” a política, em França, e
na Europa, não voltará a ser o que era.
1. A França elegeu o seu Presidente. A segunda
volta será democraticamente relevante, mas a eleição de Macron está
garantida. Saber qual a percentagem que cada candidato terá dependerá um
pouco da campanha, mas sobretudo da taxa de abstenção. Dos candidatos
derrotados Hamon é o que mais danos trará ao sistema político francês.
Mas o preço eleitoral que ele pagou deveu-se em grande parte à
desastrosa presidência de Hollande.
Há cinco anos escrevi
no Publico, antes da segunda volta que Hollande “Será alguma mudança
para os franceses, mas em nada mudará a política europeia. A sua
personalidade é mais fraca que Sarkozy e ainda fará pender o eixo
franco-alemão mais para o lado da Alemanha.” A quimérica ideia que iria
“reconstruir a Europa” não passou disso mesmo: uma quimera. Não consigo
registar uma contribuição significativa dos socialistas franceses para
essa reconstrução europeia, para a qual poderiam e deveriam ter
contribuído significativamente.
Cinco anos volvidos, com uma personagem mais simpática (Hamon), os
socialistas continuam com algumas ideias velhas como a de que seria
necessário subtrair as despesas de investimento e de defesa ao cálculo
do défice publico. Será que não se entende que, mesmo que caso fosse
aceite esta proposta e não afectasse o défice, afetaria a dívida, que é o
mais importante, e os juros? Na Europa é preciso mudar muita coisa, mas
não a noção de défice excessivo. Ora a França no consulado Hollande
conseguiu o feito notável de começar com um défice excessivo de -4,8% do
PIB em 2012 que reduziu para -4% em 2013 e passados três anos o défice
era ainda excessivo (-3,3% do PIB).
Hamon teve a coragem de colocar no seu programa os objetivos, de
harmonização fiscal e social na zona euro (que só poderia ser de níveis
mínimos), do orçamento da zona euro e da mutualização de parte das
dívidas soberanas. Mas como se sabe os eleitores não lêem programas.
Para os partidos que estiveram no poder fazem um voto mais retrospetivo
do que prospetivo, e aquilo que fizeram com Hamon foi sobretudo
penalizar a governação socialista.
Depois da Grécia, da Holanda, e antes da Inglaterra (onde os
trabalhistas de Corbyn sairão certamente derrotados), há lições que os
socialistas europeus têm de aprender se querem sobreviver. Não basta de
viver de ideologias do passado. É preciso saber dar resposta aos
problemas que as pessoas sentem, sejam eles reais ou subjetivamente
percepcionados. Não basta as velhas e estafadas receitas. Há um poderoso
movimento de opinião que exige cada vez mais seriedade e ética no
exercício dos cargos políticos. Os eleitores penalizam os partidos de
centro-esquerda e de centro-direita, que positivamente se instalaram no
poder, desenvolveram em muitos casos mordomias próprias e estabeleceram
redes de interesses para benefício próprio.
Quando a economia cresce bem e o desemprego é baixo, a insatisfação
não se generaliza, mas como na situação actual há muitos que ainda
sofrem os efeitos da crise e do desemprego, torna-se insuportável votar
nos que se percepciona como, e em parte são, responsáveis pela situação
actual. A mensagem é clara para os partidos tradicionais (sejam ou não
socialistas): a renovação é a chave do futuro.
2. Macron, com algum passado, como socialista e
independente, é de momento sobretudo uma esperança para todos os que
votaram nele. Neste caso os votantes fizeram um voto sobretudo
prospetivo. A organização política “En marche” tem um interessante
subtítulo de “Associação para a renovação da vida política”. Macron
lançou-o há apenas um ano e fez uma impressionante campanha de grassroots.
Uma consulta ao seu sítio mostra que criaram-se 3125 comités locais
com animadores, a que aderiram 267.615 pessoas e organizaram cerca de
40.000 eventos. Tudo isto num ano. Macron mobilizou um capital de
esperança. Algo que está adquirido nos estudos sobre as eleições
democráticas é que existe quase sempre um efeito de melhoria de
satisfação com a democracia após um ato eleitoral. Os três grandes
desafios de Macron são o estar à altura desse capital de esperança que
soube mobilizar (isto é não desiludir os seus eleitores); saber
selecionar os candidatos às legislativas; saber congregar e estruturar
de alguma forma esses candidatos após as legislativas.
Parte do sucesso do “En Marche” tem a ver precisamente com não ser um
partido tradicional, com a estrutura de poder tipicamente hierárquica
existente nos partidos. Responder ao terceiro desafio exige, porém, uma
evolução para uma formulação de tipo partidário tradicional, no sentido,
por exemplo de assegurar a disciplina de voto em relação a questões
essenciais da governação e da estabilidade política (e.g. orçamentos de
estado, moções de censura e confiança, etc.).
A originalidade da preparação das legislativas da equipa de Macron
não seria possível sem a internet e as redes sociais, sem um regime
presidencialista e sem círculos uninominais. A existência de círculos
eleitorais que só elegem um candidato facilita o projeto Macron pois não
são necessárias listas (basta a candidata e o suplente, ou inverso,
para assegurar a paridade). A forma original e sem dúvida altamente
refrescante com que Macron prepara a seleção de candidatos é, dirão
alguns, surreal para os quadros mentais políticos a que estamos
habituados. Quem quer ser candidato
submete um formulário online, com o seu CV, a aderir aos valores do “En
Marche” a “apoiar o plano de transformação e a assinar o contrato com a
nação”. Mais interessante, a candidata terá de apresentar uma carta de
motivação e responder a um detalhado questionário que permite perceber
os eventuais antecedentes políticos.
Quer gostemos ou não do personagem, após o processo presidencial
Macron a política, em França, e na Europa, não voltará a ser o que era.
----------------
* Prof. Universitário e Político português.
Fonte: http://observador.pt/opiniao/a-revolucao-francesa/
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário