James Alison é sacerdote católico. Define-se como “um sacerdote
católico que procura, a partir da teologia, saídas para todo tipo de
amor, incluindo o amor gay”. Afirma que “aqueles que mais perseguem os
gays na Igreja são gays reprimidos” e confessa, a partir de sua
experiência pessoal, que aquilo que mais lhe doeu “não foi a violência
das pessoas más, mas o silêncio dos bons”.
Ele foi dominicano e, ao ser desligado da Ordem, manteve seus votos
sacerdotais. No entanto, é um “padre errante”, sem paróquia, pois não
encontrou bispo que o acolhesse até hoje. Inglês, mora no México
atualmente.
Alison escreveu um artigo na primeira pessoa para a edição em espanhol da Newsweek
veiculado nesta segunda (17) e traduzida para o português pelo Cepat.
Escreveu como sacerdote e teólogo, conhecedor da cultura e pensamento
evangélicos -seu pai foi deputado evangélico pelo Partido Conservador
na Inglaterra e sua mãe, igualmente evangélica, ajudou a organizar
diversas marchas “a favor da família” mas, na verdade, contra as pessoas
LGTB.
Meus pais ajudaram a organizar uma marcha em Londres, a favor da
família, em 1971. Foi parecida com aquelas que ocorreram no México e na
Colômbia, no ano passado. Eram manifestações massivas de repúdio ao
movimento em favor da regularização da vida das pessoas LGBT, seja pela
descriminalização da homossexualidade, seja, mais recentemente, pela
chegada do casamento civil igualitário.
Agora, coube-me ir em sentido contrário ao de meus pais: falar
pessoalmente, como teólogo e sacerdote católico, que nesse caso também é
um homem gay sem armário, ou fora do “closet”, a respeito das marchas e
seus efeitos. Tocou-me dar este testemunho diante de vários públicos,
católicos e ecumênicos, na Colômbia, no ano passado, e no México, nesta
Quaresma.
Por que levantar a voz? Em primeiro lugar, porque nem meu pai, um
deputado evangélico da linha do Partido Conservador, nem minha mãe, que
participou na organização da marcha britânica, sabia que o menino que
tinham em casa era gay. Eu, sim, acabava de aprender no colégio, aos
nove anos, que era um queer – joto ou puto. Mas, caso eles tivessem
sabido, é de se duvidar que teriam mudado de parecer.
Durante muitos anos, e no caso de meu pai até pouco antes de sua
morte, seguiam pensando que ser gay era uma escolha livre que é feita
por pessoas perversas e contrárias à fé cristã. Meu pai chegou a
suspeitar que eu havia me tornado gay como ato pessoal de hostilidade ou
vingança para com ele. De qualquer forma, o modelo que as pessoas de
convicções evangélicas fortes seguiam, naquela época, era o de Abraão.
Este manifestou sua obediência a Deus ao se mostrar disposto a
sacrificar seu filho Isaac. Como não o imitar, então, com toda a dor de
alma provocada, ao sacrificar psicologicamente o filho gay?
Certamente, não fui a única criança da época que cresceu sob esta
sombra. Ainda que muitíssimos de meus contemporâneos não estejam aqui
para dar seu próprio testemunho, pois a colheita da AIDS entre os que
chegaram à maturidade sexual, entre 1980 e 1985, foi devastadora.
Contudo, não resta dúvida que entre as famílias que organizaram as
recentes marchas, deve haver mais de um cordeirinho rosa que corre o
risco de chegar com terror à adolescência e à maturidade como ovelha ou
carneiro rosa. Irá descobrindo que a tão elogiada vida familiar de seu
lar se verá submetida a forças estressantes imensamente destruidoras
para todos os seus membros.
No entanto, não serão causadas por ele ou ela, mas, sim, pela falta
de veracidade de gente religiosa que pouco motivo tem, pois já sabemos
muito mais do que se sabia há meio século. Por esta razão, parece-me
inexorável falar destas realidades pessoalmente, como uma tentativa, sem
dúvida inadequada, de dar testemunho do processo das últimas décadas
que permitiu que pessoas LGBT, católicas e evangélicas, entre outras,
começassem a viver de maneira harmoniosa a fé, como também a realidade
da orientação sexual ou a verdade sobre o gênero.
Alguns dirão que falar de gay, em primeira pessoa, torna-me indigno
de ser um sacerdote. Minha resposta: Deus tem o costume de escolher o
inadequado para dar brilho a suas obras. Mesmo assim, a respeito de
minha indignidade para o sacerdócio, estamos de acordo. No entanto,
duvido que seja muito maior que a de muitíssimos irmãos sacerdotes.
Afinal de contas, não é exatamente um segredo que a proporção de homens
gays no sacerdócio supera em muito aquela da população em geral.
A questão é se sim ou se não se resgata um pouquinho a indignidade,
ao se arriscar vivê-la com algo de transparência. E minha experiência é
que ao ter que escolher entre a indignidade transparente e a indignidade
encoberta, o povo fiel prefere a primeira em seu padre. Afinal de
contas, a vulnerabilidade é sempre mais atrativa que uma rigidez mantida
pelo medo. Muitos clérigos se referem a “eles” ao falar de pessoas
gays, quando, visto quem fala, a palavra “nós” seria mais adequada. E
isto já está deixando de ser mentirinha branca para se tornar algo bem
mais grave. Sobretudo, quando o tom acusador é acusador, como tantas
vezes ocorre!
Então, o que ocorreu nas últimas décadas para que percebamos que, na
verdade, a defesa da família passa, ao contrário, pela aceitação serena
de seus membros LGBT e a convivência com eles, e não por sua rejeição,
com a conseguinte destruição da família?
Aqui, primeiro quero falar com a linguagem católica e, em seguida,
com a linguagem evangélica. Conheço bem as duas, pois me converti da
religião evangélica de meus pais para o catolicismo, aos 18 anos. Em
parte, por ter me apaixonado por um companheiro católico do colégio e,
em parte, por ter apreciado que a compreensão católica da natureza
humana, mas aberta ao aprendizado sobre o que verdadeiramente existe,
desembocará no reconhecimento de que o amor é o amor, independente da
orientação sexual. Mas, deixando minha história pessoal de lado, a
verdade é que nos dois campos, a esta altura do campeonato, existem
recursos mais que suficientes para que qualquer pessoa de boa vontade
possa reconhecer aquilo que é verdadeiro, sem colocar em risco a
integridade de sua fé.
A primeira coisa que me coube viver é a mudança de percepção das
ciências humanas em relação ao gay. Aquilo que antigamente se
considerava ou bem um vício ou uma patologia já foi comprovado, mais de
uma vez, que é uma variante minoritária e não patológica dentro da
condição humana, e algo que ocorre regularmente. Tornou-se evidente na
medida em que os estudiosos foram descobrindo que não existe patologia
alguma intrínseca ao fato de se ter uma orientação sexual gay. Ou seja,
todos, pessoas heterossexuais e pessoas gays, temos tendência a todos os
tipos de problemas psicológicos, mas nossa respectiva orientação sexual
não é, em si, um deles.
Isto já se havia demonstrado nos anos 1950 do século passado, e pouco
a pouco foi se comprovando em nível mundial até chegar a ser ciência
pacificamente aceita. A esta altura do campeonato, só não a aceitam os
teóricos da conspiração que dizem que a ciência foi adulterada por um
poderoso “lobby gay” internacional, e alguns entre o alto clero, para
quem a versão pré-científica é conveniente.
Antigamente se comparava o ser gay com uma patologia: por exemplo, a
anorexia, que é, objetivamente falando, uma desordem muito séria. Agora,
de forma mais justa, pode ser comparado com a surdez, que ninguém
duvida que seja uma variante minoritária e não patológica.
Isto significa, sobretudo na Igreja Católica, onde a chamada “lei
natural” nos ensina a discernir como atuar a partir do que realmente
somos, que o fato desta ou outra orientação sexual é de mínima
importância moral. É o uso da vivência relacional e erótica da pessoa
segundo sua orientação sexual que seria bom ou ruim, de acordo com o
caso. Até um dos bispos que esteve presente no Sínodo da Família, em
2015, reconheceu isto ao constatar que “o reconhecimento da existência
da orientação estável muda tudo”.
Tudo isto se torna mais patente ainda, se levamos em conta os avanços
dos últimos vinte anos, onde ficou claro que a configuração biológica,
com componentes genéticos, hormonais e outros, que se manifestará em uma
pessoa adulta gay ou lésbica já está presente antes de nascer. Ou seja,
o fato de adultos buscarem exercer uma pressão para a
heterossexualidade sobre uma criança que será gay, só resultará
ineficaz. Assim também como toda “cura” que se possa tentar. E toda
tentativa neste sentido tenderá a prejudicar a criança.
Por outro lado, tampouco é possível “recrutar” um jovem ou uma jovem
heterossexual para a outra equipe: até mesmo os que durante a
adolescência foram mais curiosos, os que passam meses ou anos encerrados
ao mesmo sexo, na prisão ou na marinha, por exemplo, tipicamente acabam
por ser o que sempre foram, uma vez aberta a possibilidade de uma
vivência segundo sua natureza.
Sem sequer que tenham muitos dos elementos científicos à sua
disposição, os povos de maioria católica parecem ter se dado conta do
real sem muito problema: se alguém é assim, então o importante é que
seja assim da melhor maneira possível. E como se ama a família, então é
evidente que o parceiro de “meu tio Roberto” não é um tal Eduardo, mas
“meu tio Eduardo”. Ou seja, distinguir entre algo violento, abusivo e
pecaminoso, e algo terno, amoroso e enriquecedor da vida da família não é
tão difícil. E os Bispos que trovejam, só perdem credibilidade.
Igualmente, no mundo evangélico, para os que desejam, sobram recursos
para mostrar a inexistência de qualquer passagem na Bíblia, tanto na
hebraica como na cristã, que denuncie aquilo que somente a partir de
1868 passamos a chamar de “homossexualidade”.
Qualquer tradução da Bíblia que utilize esta palavra para atualizar
as realidades muito antigas ali descritas é filha de uma moda
interpretativa moderna, politizada e pouco caritativa. Por exemplo, é
perfeitamente evidente que o pecado de Sodoma foi de soberba,
envaidecimento e inospitalidade: assim o descreve o profeta Ezequiel.
O abuso sexual que se praticou sobre os visitantes nada tinha a ver
com uma orientação sexual, e tudo a ver com a prática de humilhar um
anfitrião, degradando seus convidados. Os abusos da Prisão de Abu Ghraib
têm tudo a ver com Sodoma. A vivência do casamento igualitário,
absolutamente nada.
Até a famosa frase do Levítico 18 [n. d. t. versículo 22] […], com
sua sintaxe misteriosa, é com toda probabilidade uma referência à
prostituição sagrada dos cultos de fertilidade do povo Cananeu. Forma,
além disso, parte do código de santidade do povo de Israel que foi
revogado para todo cristão proveniente da gentilidade por São Pedro, em
Atos dos Apóstolos, 10.
Ou seja, para os cristãos, em matéria de pureza, nada está proibido e
a questão da bondade de algo depende de ser ou não apropriado,
conveniente. Para isto, é necessária uma prática habitual de
discernimento para determinar o bem a seguir e o mal a evitar, e
quaisquer regras são guias que nunca podem substituir a consciência.
Compreendida a diferença entre uma orientação sexual estável, vivida
de maneira amorosa, e as práticas de humilhação sexual e de prostituição
sagrada que proliferavam no mundo antigo, torna-se fácil entender que
os trechos do Novo Testamento se referem à idolatria subjacente a estas
últimas realidades.
Sobre a primeira realidade, o Novo Testamento, a exemplo de Jesus,
mantém um silêncio total. E não é que faltavam na cultura grega palavras
que avistavam uma realidade mais próxima à moderna, se fosse esta a que
São Paulo buscava condenar! No entanto, quantas traduções tergiversam
estes matizes da palavra de Deus e se prestam a ensombrecer cruelmente a
consciência de jovens LGBT e seus familiares!
Pouco após as marchas da família no México, chegou ao país um novo
Núncio Apostólico. Aparentemente, pediu aos bispos que diminuíssem o
tom. E o cardeal (Norberto) Rivera até se desculpou, pedindo ajuda.
Afirmou que o clero sabe pouco sobre LGBT, e precisa de quem lhe eduque.
Pergunto àqueles que realmente tenham em seu coração os interesses
das famílias, atuais e vindouras, por que não levar a sério aquele
convite? É preciso insistir em preparar as pessoas que não temam falar
destes assuntos pessoalmente. Assim, uma verdadeira informação, tanto
científica como bíblica, poderá ser repassada para o bem da família, por
meio de testemunhos sadios que sabem do que falam: informação não
contaminada pelas práticas evasivas do mundo eclesiástico, nesta
matéria, e nem pelo oportunismo político partidarista.
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Fonte: http://outraspalavras.net/maurolopes/2017/04/18/um-sacerdote-gay-escreve-a-catolicos-e-evangelicos-e-preciso-ler-com-atencao/#more-1539
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