Martha Medeiros*
No final das contas, o que somos? Matéria bruta esculpida por desejos, projeções e inocência.
Assisti ao filme que deveria ter ganhado o Oscar se tivesse concorrido: Mulheres do Século XX, de Mike Mills, com a estupenda Annette Bening, que também mereceria a estatueta. Na verdade, o filme concorreu apenas na categoria roteiro, e não levou. E a Academia deve ter razão, claro. Eu é que tenho uma queda pelos alternativos.
A história se passa em Santa Bárbara, Califórnia, 1979. Dorothea, 55 anos, vive num casarão antigo que está sendo reformado, e cria sozinha um filho de 15, Jamie. Para ajudá-la a educar Jamie, Dorothea convoca reforços: a melhor amiga dele, uma lindinha de 17, e uma inquilina outsider de 24. É a força-tarefa que todo adolescente sonha.
Era uma época em que o cigarro ainda não era demonizado e o cinto de segurança não passava de um acessório supérfluo de Fuscas e Mavericks. Logo ali, dobrando a década, iríamos nos apavorar com a Aids, perder John Lennon e começar a ajoelhar para o politicamente correto, sem falar na internet, que viria mudar tudo. Era melhor naquele tempo ou avançamos? Não pergunte para essa minha alma riponga.
Há cenas inesquecíveis. Dorothea tentando entender a cultura punk, mas se rendendo, no máximo, ao Talking Heads. A palavra menstruação sendo invocada à mesa do jantar para “quebrar paradigmas” – em mais uma atuação carismática da atriz Greta Gerwig. A turma reunida em torno da tevê assistindo a um discurso histórico de Jimmy Carter. E o expressivo ator Lucas Jade Zumman, que interpreta Jamie, nos ganha do início ao fim. Um garoto cool descobrindo a vida e a sexualidade através de três mulheres malucas e divinas.
O título sugere um filme feminista, e também é. Vemos mulheres donas de seus narizes que recusam o título de piranhas por privilegiarem o sexo, mas também vemos mulheres modernas reivindicando o direito de serem mães e sentindo falta de romantismo e fantasia. Vemos tudo, porque vida é isso – tudo.
Ainda o filme: é sobre o que a gente pensa que seremos no futuro, sem cogitarmos que o destino nos levará para um caminho diferente do que sonhamos. É sobre um “sentido da vida” magnânimo que não existe nem nunca existiu: o sentido está na emoção e na perplexidade de cada dia. É sobre a dificuldade de conhecermos alguém profundamente, em suas fragilidades e grandezas. No final das contas, o que somos? Matéria bruta esculpida por desejos, projeções e inocência.
Mulheres do Século XX é divertido, terno, nostálgico, psicodélico, humano, inteligente, poético, encantador. Um mosaico de pequenas descobertas e um grande consolo: a vida não precisa de sentido. Basta vivê-la.
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* Jornalista. Escritora.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9766872.xml&template=3916.dwt&edition=30971§ion=1026
Imagem da Internet: filme Mulheres do Século XX, de Mike Mills,
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