domingo, 9 de abril de 2017

Direitos de todos, e todas

Lya Luft* 
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Já inventaram – inventam demais sobre a gente – que escrevo sobre mulheres, que falo para as mulheres... Só ainda não vi dizerem que escrevo como mulher. Mas há muitos anos, querendo me elogiar, um crítico de renome escreveu que, “embora sendo mulher, Lya Luft escreve com mão de homem”. Naquela época, ainda ficava aborrecida por um dia ou dois com essas eventuais bizarrices. Hoje, nem cinco minutos. (Nem tudo piora com o tempo...). Afinal, o que seria escrever com mão de homem? A alternativa seria: ou com coração de mulher? Um mais grosseiro, outra mais delicada? Um mais lógico, outra em devaneios? Um sobre temas importantes, outra sobre amenidades? Assisti a palestras e seminários sobre o tema, aqui e em outros lugares do mundo, e não vi chegarem a nenhuma conclusão razoável.

Mas, nessa gangorra natural nas coisas da moda, umas sérias, outras fúteis, a questão (grave) da mulher retorna sempre. Devo dizer – concordando com o que escreveu outro dia Cláudia Laitano aqui na ZH – que em minha casa, talvez sendo meu pai um intelectual liberal, nunca senti minha mãe inferiorizada, ignorada, ao contrário: ali havia respeito e parceria. Nem eu, na escola, na universidade ou na profissão, me senti submetida a algum patriarca. Talvez eu fosse demais distraída, ou simplesmente o fantasma saiba a quem aparece. Nunca trabalhei como funcionária de uma empresa: por estes dias, diante da minha curiosidade meio incrédula, dois amigos empresários me afirmaram que, sim, no início da carreira, muitas vezes a mulher ganha menos do que o homem, mas depois, “conforme mostra suas qualidades, ela ganha o mesmo”.

Quase não acreditei: ah, então, quando a inferior mostra serviço, ganha o mesmo que o mancebo, que, segundo essa afirmação, não passa por essa fase de experiência? Que mundo absurdo, atrasado. Que mentalidade diminuta. Que heroínas temos de ser nós, mulheres, se a sociedade do trabalho ainda pensa assim. Para não falar das grosserias eventuais com colegas, com amigas, com namoradas, com familiares, que se permitem isso, alguns trogloditas se achando o máximo. Apoio as atrizes que apareceram com camisetas iguais “Mexeu com uma, mexeu com todas” após incidente infeliz recentemente, numa grande empresa de comunicação, e apoiadas por ela.

Há muito pelo que lutar, porque às vezes aparecem manifestações patéticas de quem se diz “feminista”: “sou gostosa, tenho a boca vermelha, uso biquíni, mas sou capaz”. Tenho de ser gostosa? Usar batom cereja ou morango... ou não serei feminina?

O tema é sério e complexo, apesar das bizarrices e folclores que eventualmente se constroem em torno dele: o mundo precisa remover essa nódoa medieval e grosseira da nossa cultura, que ainda atinge tantas mulheres. Para que o bom combate possa se concentrar em dignidade e oportunidades para todos: velhos, crianças, homens, mulheres, de todas as etnias, orientações sexuais e classes sociais.

Com tanta coisa dramática nos convocando em tantos lugares e com tantas pessoas, violências indizíveis e brutais injustiças, ainda teremos que exigir e provar que, mesmo sendo “diferentes”, nós, mulheres, deficientes, negros, brancos, amarelos, gays ou outros, temos direito igual a manifestação, crescimento, oportunidade, realização e, sim, felicidade?
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* Escritora.
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9767632.xml&template=3916.dwt&edition=30971&section=70
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