Robert Darnton*
Na longa história da desinformação, o surto atual de notícias falsas já ocupa um lugar especial,
com uma assessora presidencial norte-americana, Kellyanne Conway, que
chegou a sacar da manga um massacre em Kentucky para defender que se
proibisse a entrada nos país de viajantes de sete países muçulmanos. Mas
a invenção de verdades alternativas não é tão infrequente, e
equivalentes às mensagens de texto e aos tuítes cheios de veneno de hoje
podem ser encontrados em quase todos os períodos da história, inclusive
na Antiguidade.
Procópio, o historiador bizantino do século VI, escreveu um livro cheio de histórias de veracidade duvidosa, História Secreta (Anedota
no título original), que manteve em segredo até sua morte, para
arruinar a reputação do imperador Justiniano, depois de ter mostrado
adoração a ele em suas obras oficiais. Pietro Aretino tentou manipular a
eleição do pontífice em 1522 escrevendo sonetos perversos sobre todos
os candidatos menos o preferido por seus patronos, os Médicis, e os
prendendo, para que todo mundo os admirasse, no busto de uma figura
conhecida como Il Pasquino, perto da Piazza Navona, em Roma. Os pasquins
se transformaram em um método habitual para difundir notícias
desagradáveis, em sua maioria falsas, sobre personagens públicos.
Ainda que os pasquins nunca tenham desaparecido por
complexo, no século XVII foram substituídos em grande parte por um
gênero mais popular, o canard, a gazeta cheia de boatos e falsas notícias que circulou pelas ruas de Paris durante os 200 anos seguintes. Os canards
eram jornais impressos em tamanho grande, às vezes ilustrados com
gravuras chamativas para atrair os mais crédulos. Um dos mais
bem-sucedidos, na década de 1780, anunciou a captura no Chile de um
monstro que, aparentemente, estava sendo transferido de barco para a
Espanha. Tinha cabeça de fúria, asas de morcego, corpo gigantesco
coberto de escamas e rabo de dragão.
Durante a Revolução Francesa, os gravadores colocaram o rosto de Maria Antonieta nas placas de cobre e o canard
ganhou nova vida, como propaganda política deliberadamente falsa.
Apesar de não ser possível medir sua repercussão, desde cedo contribuiu
para o ódio patológico que se sentia com relação à rainha, que
desembocou em sua execução em 16 de outubro de 1793.
O Le Canard Enchaîné, um semanário parisiense
especializado em revelações políticas exclusivas, hoje evoca essa
tradição em seu próprio título, que poderia ser traduzido figuradamente
como “os boatos controlados”. Recentemente publicou uma notícia sobre a
mulher de François Fillon, o candidato de centro-direita que era o
favorito na campanha presidencial da França. Segundo o jornal, Penelope
Fillon tinha recebido um salário alto durante muitos anos por ser
“ajudante parlamentar” de seu marido. Apesar de Fillon não ter dito que a
notícia era falsa –reconheceu que contratou sua esposa e afirma que
isso não é ilegal–, o chamado Penelopegate conseguiu tirar Donald Trump
das primeiras páginas e seguramente destruiu as possibilidade de Fillon
na eleição, em benefício da Frente Nacional, o mais parecido que existe
na França com o presidente norte-americano.
A produção de notícias falsas, semifalsas e verdadeiras mas
comprometedoras teve seu apogeu na Londres do século XVIII, quando os
jornais aumentaram sua circulação. Em 1788, a cidade tinha 10 jornais
diários, 8 que saíam três vezes por semana e 9 semanários, e as notícias
que publicavam costumavam consistir em apenas um parágrafo. Os “homens
do parágrafo” se inteiravam das fofocas nos cafés, escreviam algumas
frases em um papel e o levavam aos impressores, que eram também editores
e que normalmente o incluíam no primeiro buraco que tivessem disponível
em alguma coluna da pedra litográfica. Alguns gazeteiros recebiam
dinheiro pelos parágrafos; outros se conformavam em manipular a opinião
pública a favor ou contra uma personalidade, uma obra de teatro ou um
livro.
Em 1772, o reverendo Henry Bate (capelão de Lord Lyttleton) fundou o The Morning Post,
um jornal que era uma sucessão de parágrafos sobre notícias distintas,
quase todas falsas. Em 13 de dezembro de 1784, por exemplo, esse jornal
publicou um parágrafo sobre um prostituto que prestava seus serviços a
Maria Antonieta: “A rainha francesa tem afeição pelos ingleses. De fato,
a maioria de seus favoritos procede desse país; mas quem mais prefere é
o senhor W. É sabido que esse cavalheiro tinha sua carteira vazia
quando chegou a Paris e, no entanto, agora leva uma vida cheia de
elegância, bom gosto e moda. Mantem suas carruagens, seus uniformes e
sua mesa sem economizar gastos e com todo o esplendor”.
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* Colunista do El Pais
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/28/cultura/1493389536_863123.html
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