As modas têm
algo estúpido e devastador. Se você perguntar a um jovem porque usa seu
cabelo raspado no lado e espetado sobre a cabeça como uma cestinha, ele
vai dizer que todos usam assim. Mas você sabia que essa moda da
raspagem lateral quer expressar uma raiva militaresca e foi lançada por Kim Jong, o pequeno gordo cruel ditador da Coreia do Norte? A resposta é um 'dar de ombros' de 'tanto faz como fez'.
Também causam assombro aqueles que compram, por um alto preço, calças
jeans cheias de rasgos que imitam uma falsa pobreza que agrada
principalmente aqueles que não são pobres. E o que dizer da moda de
sapatos de bico fino, (por nossa sorte, já passada) que causa
deformações aos pés? O mito do pé pequeno nasceu na China,
do desejo de mostrar que uma menina nobre e rica não precisava
caminhar. Andar a pé era coisa de camponesa, por isso deformavam seus
pés para torná-los inutilizáveis. Mesmo os sapatos de ponta fina e
saltos altos de hoje são prejudiciais ao pé de uma mulher que quer
caminhar, correr, subir e descer escadas.
Mas se a moda exige...
E o que dizer sobre a barba comprida, muitas vezes grisalha, que os
adultos, especialmente os intelectuais, carregam com desenvoltura? Foram
os fanáticos religiosos que começaram com isso. Para eles, a barba é um
símbolo de austeridade e rigor moral. O paradoxo é que, mesmo aqueles
que se declaram laicos e combatem os fanatismos, deixam crescer a barba.
É a moda, não há nada a fazer, cara amiga.
Quem é que sabe que as tatuagem nasceram nas prisões, como uma
linguagem da pele aprisionada? Foram os analfabetos, os pobres escravos
que não sabiam ler nem escrever que começaram a falar com as imagens de
seu corpo. A tatuagem mais repetida era a da borboleta (lembram-se de Papillon?)
ou da gaivota, que expressava o desejo de atravessar as grades e voar
no céu aberto. Mesmo as figuras femininas ou os barcos a velas enfunadas
falavam da liberdade perdida. O corpo tornava-se o papel em que se
escreviam as mensagens de um recluso infeliz e sozinho. Como é que,
hoje, meninos e meninas, que nunca estiveram em uma prisão, deixam
espetar agulhas em sua pele para imitar, sem saber, aqueles desesperados
segregados nas prisões de séculos passados?
A moda alimenta-se
de linguagens secretas e memórias perdidas, e conta uma fragilidade sem
remédio. A arrogância está em repetir um rito sem saber a sua origem,
por cega alusão a um sofrimento que não é próprio, como o crucifixo
brilhante no pescoço de uma mulher, como a argola presa a uma pálpebra
ou ao lábio como lembrança de uma distante escravidão.
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O comentário é de Dacia Maraini, escritora e poetisa italiana, autora do roteiro, entre outros, do filme Storia di Piera, publicado por Corriere della Sera, 20-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/568948-a-linguagem-secreta-simbolo-de-fragilidade 23/06/2017
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