Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4)
Integrante de uma das mais tradicionais famílias do Judiciário gaúcho, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 54 anos, assumiu na sexta-feira a presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) defendendo uma Justiça mais rápida e acessível. No comando do tribunal que julga os recursos da Lava-Jato, ele acredita que o Judiciário conduz uma revolução pacífica no país ao protagonizar inédita ofensiva à corrupção.
O magistrado, porém, critica a exposição demasiada dos membros da Justiça. Expoente da 18ª geração de juízes entre os Thompson Flores e com a experiência de quem atuou durante 11 anos no Ministério Público Federal e há 16 anos é membro do TRF4, defende a liturgia do cargo, segundo a qual juiz fala nos autos.
– Saímos de um extremo de muita discrição para uma superexposição – afirma o magistrado, parente distante do ex-prefeito Telmo Thompson Flores, que governou a Capital de 1969 a 1975.
O TRF4 é uma Corte de poucas ações originárias. Como torná-la mais acessível à população?
A Justiça ainda é muito hermética em relação à população mais pobre. Embora o livre acesso esteja na Constituição, ainda não se tornou realidade. À medida que os processos chegam aos tribunais, se distanciam ainda mais da população. Quando é no foro de primeira instância, as partes vão lá, é mais fácil esse acesso. Quando os processos vão subindo, cresce o custo das ações. Julgamos processos dos três Estados do Sul. Imagina alguém lá do interior do Paraná, quase em São Paulo: óbvio que encarece demais. Já tomamos uma medida para nos aproximarmos: turmas descentralizadas, que começam a funcionar segunda-feira.
Essas turmas vão julgar ações? A parte não precisa mais vir a Porto Alegre?
Considero isso uma experiência inovadora no Brasil. São seis juízes, três em cada capital. Eles só vêm a Porto Alegre uma vez por mês, para participar de alguma sessão de plenário e corte especial.
Uma das principais críticas à Justiça é a lentidão. Como agilizar processos e decisões?
Teríamos de fazer uma reforma na legislação processual. O novo código não ajudou em nada. Infelizmente, nós, juízes, ficamos à margem dessa construção. Deixamos seguir no Congresso, sem nos fazer ouvir. Mas, acima de tudo, há o elemento humano: juízes e servidores. Se não houver empenho, de nada adianta ter uma lei maravilhosa.
O processo eletrônico, desenvolvido aqui no tribunal, deu fluidez à Justiça e virou modelo de exportação para outras Cortes. Há outro projeto semelhante em desenvolvimento?
Eu mesmo fui cético se o processo eletrônico ia dar resultado. Hoje, reconheço que estava errado. O juiz delibera de casa, as partes consultam de qualquer lugar. Ele está em constante aperfeiçoamento e agora estamos com tecnologia semelhante para os processos administrativos, como remoção de servidores, por exemplo. Muitos tribunais estão firmando convênios para adotar o modelo.
O tribunal ganhou mais atenção com a Lava-Jato e tem se caracterizado em ser mais rígidos na fixação de penas do que o juiz Sergio Moro, que julga os casos em primeira instância. O Judiciário brasileiro vive um novo momento?
O Brasil fez uma revolução pacífica através da Justiça. Eventuais excessos o próprio Judiciário tem podado. Já passaram aqui pelo tribunal 701 recursos da Lava- Jato. Não chegam a 10 os casos de decisões alteradas no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça. Veja o grau de seriedade.
Como o senhor vê a espetacularização dos atos judiciais e exposição de alguns juízes?
Venho de uma família de 18 gerações de juízes. O perfil se alterou muito nos últimos tempos. Antes, o juiz raramente escrevia um artigo de doutrina, porque amanhã ou depois seria chamado a julgar uma ação sobre aquela matéria e, em tese, já teria ideia preconcebida. Caímos no extremo oposto. A magistratura tem uma liturgia. Não se deve comentar casos judiciais que estão sob julgamento. O senhor conhece algum nome de juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos? Lá, eles se preservam tanto, têm atuação tão discreta que não vulgariza sua presença e não fala sobre tudo. Um juiz da Suprema Corte tem de falar em momentos fundamentais da nação e em lugares apropriados. Saímos de um extremo de muita discrição para uma superexposição. O tempo vai nos levar para o meio do caminho.
O senhor enxerga esse protagonismo exacerbado também no Ministério Público (MP)?
É a mesma situação. Fui do MP, atuei como procurador da República por 11 anos. A Lava-Jato tem um mérito inegável que foi primeiro conquistar a população. Isso lhe deu capital muito grande. Agora, vão ter de trabalhar com isso. Não pode extrapolar, tornando as pessoas popstar. É necessário discrição à investigação. Houve um caso que chegou ao Conselho Nacional do Ministério Público por causa das palestras dos procuradores. Creio que essa situação deve ser repensada, inclusive com relação a magistrados. Acho inadmissível palestra remunerada. Quem tem problema de dinheiro, gosta muito de dinheiro ou está mal de dinheiro, não pode ser juiz da Suprema Corte. Não é forma de aumentar renda.
O Supremo está em vias de julgar a questão do cumprimento de pena a partir de condenação em segunda instância novamente. Qual sua posição?
Sempre foi essa a jurisprudência do Supremo. A partir de um certo tempo que se criou o entendimento que teria de se esgotar todas as instância. Em nenhum lugar do mundo existe direito adquirido a quatro instâncias. Com base naquela decisão do Supremo, editamos súmula em que se autoriza a prisão a partir de segunda instância. Parece que o Supremo agora quer rever. Acho que ainda estamos muito próximos da decisão anterior. Não houve nenhum fato novo, não houve alteração legislativa, não mudou a Constituição, nada. Só mudança de composição. Se for assim, cada vez que entra novo ministro no Supremo, teremos de alterar tudo. Aí se compromete a segurança jurídica.
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fabio.schaffner@zerohora.com.br
Reportagem por: FÁBIO SCHAFFNER
Integrante de uma das mais tradicionais famílias do Judiciário gaúcho, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, 54 anos, assumiu na sexta-feira a presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) defendendo uma Justiça mais rápida e acessível. No comando do tribunal que julga os recursos da Lava-Jato, ele acredita que o Judiciário conduz uma revolução pacífica no país ao protagonizar inédita ofensiva à corrupção.
O magistrado, porém, critica a exposição demasiada dos membros da Justiça. Expoente da 18ª geração de juízes entre os Thompson Flores e com a experiência de quem atuou durante 11 anos no Ministério Público Federal e há 16 anos é membro do TRF4, defende a liturgia do cargo, segundo a qual juiz fala nos autos.
– Saímos de um extremo de muita discrição para uma superexposição – afirma o magistrado, parente distante do ex-prefeito Telmo Thompson Flores, que governou a Capital de 1969 a 1975.
O TRF4 é uma Corte de poucas ações originárias. Como torná-la mais acessível à população?
A Justiça ainda é muito hermética em relação à população mais pobre. Embora o livre acesso esteja na Constituição, ainda não se tornou realidade. À medida que os processos chegam aos tribunais, se distanciam ainda mais da população. Quando é no foro de primeira instância, as partes vão lá, é mais fácil esse acesso. Quando os processos vão subindo, cresce o custo das ações. Julgamos processos dos três Estados do Sul. Imagina alguém lá do interior do Paraná, quase em São Paulo: óbvio que encarece demais. Já tomamos uma medida para nos aproximarmos: turmas descentralizadas, que começam a funcionar segunda-feira.
Essas turmas vão julgar ações? A parte não precisa mais vir a Porto Alegre?
Considero isso uma experiência inovadora no Brasil. São seis juízes, três em cada capital. Eles só vêm a Porto Alegre uma vez por mês, para participar de alguma sessão de plenário e corte especial.
Uma das principais críticas à Justiça é a lentidão. Como agilizar processos e decisões?
Teríamos de fazer uma reforma na legislação processual. O novo código não ajudou em nada. Infelizmente, nós, juízes, ficamos à margem dessa construção. Deixamos seguir no Congresso, sem nos fazer ouvir. Mas, acima de tudo, há o elemento humano: juízes e servidores. Se não houver empenho, de nada adianta ter uma lei maravilhosa.
O processo eletrônico, desenvolvido aqui no tribunal, deu fluidez à Justiça e virou modelo de exportação para outras Cortes. Há outro projeto semelhante em desenvolvimento?
Eu mesmo fui cético se o processo eletrônico ia dar resultado. Hoje, reconheço que estava errado. O juiz delibera de casa, as partes consultam de qualquer lugar. Ele está em constante aperfeiçoamento e agora estamos com tecnologia semelhante para os processos administrativos, como remoção de servidores, por exemplo. Muitos tribunais estão firmando convênios para adotar o modelo.
O tribunal ganhou mais atenção com a Lava-Jato e tem se caracterizado em ser mais rígidos na fixação de penas do que o juiz Sergio Moro, que julga os casos em primeira instância. O Judiciário brasileiro vive um novo momento?
O Brasil fez uma revolução pacífica através da Justiça. Eventuais excessos o próprio Judiciário tem podado. Já passaram aqui pelo tribunal 701 recursos da Lava- Jato. Não chegam a 10 os casos de decisões alteradas no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça. Veja o grau de seriedade.
Como o senhor vê a espetacularização dos atos judiciais e exposição de alguns juízes?
Venho de uma família de 18 gerações de juízes. O perfil se alterou muito nos últimos tempos. Antes, o juiz raramente escrevia um artigo de doutrina, porque amanhã ou depois seria chamado a julgar uma ação sobre aquela matéria e, em tese, já teria ideia preconcebida. Caímos no extremo oposto. A magistratura tem uma liturgia. Não se deve comentar casos judiciais que estão sob julgamento. O senhor conhece algum nome de juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos? Lá, eles se preservam tanto, têm atuação tão discreta que não vulgariza sua presença e não fala sobre tudo. Um juiz da Suprema Corte tem de falar em momentos fundamentais da nação e em lugares apropriados. Saímos de um extremo de muita discrição para uma superexposição. O tempo vai nos levar para o meio do caminho.
O senhor enxerga esse protagonismo exacerbado também no Ministério Público (MP)?
É a mesma situação. Fui do MP, atuei como procurador da República por 11 anos. A Lava-Jato tem um mérito inegável que foi primeiro conquistar a população. Isso lhe deu capital muito grande. Agora, vão ter de trabalhar com isso. Não pode extrapolar, tornando as pessoas popstar. É necessário discrição à investigação. Houve um caso que chegou ao Conselho Nacional do Ministério Público por causa das palestras dos procuradores. Creio que essa situação deve ser repensada, inclusive com relação a magistrados. Acho inadmissível palestra remunerada. Quem tem problema de dinheiro, gosta muito de dinheiro ou está mal de dinheiro, não pode ser juiz da Suprema Corte. Não é forma de aumentar renda.
O Supremo está em vias de julgar a questão do cumprimento de pena a partir de condenação em segunda instância novamente. Qual sua posição?
Sempre foi essa a jurisprudência do Supremo. A partir de um certo tempo que se criou o entendimento que teria de se esgotar todas as instância. Em nenhum lugar do mundo existe direito adquirido a quatro instâncias. Com base naquela decisão do Supremo, editamos súmula em que se autoriza a prisão a partir de segunda instância. Parece que o Supremo agora quer rever. Acho que ainda estamos muito próximos da decisão anterior. Não houve nenhum fato novo, não houve alteração legislativa, não mudou a Constituição, nada. Só mudança de composição. Se for assim, cada vez que entra novo ministro no Supremo, teremos de alterar tudo. Aí se compromete a segurança jurídica.
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fabio.schaffner@zerohora.com.br
Reportagem por: FÁBIO SCHAFFNER
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9824295.xml&template=3898.dwt&edition=31392§ion=3595 24/06/2017
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