DELTAN DALLAGNOL*
"A corrupção suga, por meio de mais e mais impostos, a energia da
produção brasileira e, por meio de mais e mais desvios,
a qualidade do
serviço público."
A corrupção vende ilusões. No espelho, o Brasil se enxergava mais bonito do que era, mas a Lava Jato revelou uma dura realidade.
A cada mês, pencas de novos políticos e empresas são implicados, de
diferentes partidos e setores. Grande parte da elite política e boa
parte da elite econômica se uniram para lucrar e manter o poder por meio
da corrupção.
Fazer política e ser amigo do "rei" se tornou um excelente negócio no
país. Além de enriquecerem juntos, os grandes corruptos sempre se
protegeram, desde que o Brasil é Brasil, e não se deixaram punir.
A explicação é simples: o mecanismo da punição é a lei. Os donos do
poder garantem sua própria impunidade porque influenciam tanto o
conteúdo da lei como quem a aplica.
Olhando para além do espelho, observam-se distorções na percepção de
níveis de igualdade, democracia e estabilidade política no Brasil.
A República evoca a ideia do governo "entre iguais". Igualdade perante a
lei existe no papel, mas na realidade estamos presos à máxima de
Maquiavel: "Aos amigos os favores, aos inimigos a lei".
Quando circunstâncias históricas excepcionais violam a proibição de
prender criminosos da elite, os Poderes são conclamados a
restabelecê-la. O Supremo é demandado a rever posições -alguém altera
seu voto-, pois é preciso mudar para que tudo fique igual.
O governo então se move para drenar a equipe policial, até que ela se
torne infrutífera. O Congresso avança projetos para "estancar a
sangria". É necessário sufocar a rebelião da lei contra o establishment.
Outra ilusão é a de que há, no Brasil, uma democracia substancial. O
povo escolhe seus representantes, mas, no mar de candidatos, desponta
quem aparece mais. Aparece mais quem gasta mais. Gasta mais,
frequentemente, quem desvia mais.
A "seleção natural" faz com que os corruptos tendam a sobreviver na
política. A Lava Jato revelou que partidos receberam mais em propinas do
que em verbas do fundo partidário. A sociedade se tornou prisioneira de
um sistema corrupto.
Como consequência, aqueles que deveriam representar a população se
ocupam de agradar as grandes empresas em troca de leis, subsídios e
contratos públicos.
Por fim, a estabilidade política, necessária para a economia prosperar,
revelou-se precária. Em troca dela, o país é chantageado a aceitar a
corrupção dos donos do poder.
A chave para a recuperação econômica é usada como moeda de troca, para
garantir a impunidade dos grandes corruptos e a continuidade dos
esquemas.
Vende-se uma dupla ilusão. A estabilidade é falsa. Seus pilares estão
corroídos, apodrecidos, prontos a desmoronar a cada próximo escândalo.
Além disso, estudos internacionais mostram que a corrupção sistêmica é
incompatível com o desenvolvimento econômico e social.
A corrupção suga, por meio de mais e mais impostos, a energia da
produção brasileira e, por meio de mais e mais desvios, a qualidade do
serviço público.
O país está desiludido, mas o problema não está na descoberta da ilusão.
É a realidade que está distorcida. Ao mesmo tempo, o Brasil vive uma
grande chance de se reconstruir sobre novas bases.
A lei não precisa se ajoelhar diante dos barões; o país não tem que
caminhar sobre uma ponte instável; a população não está condenada a ser
governada pela cleptocracia.
Este é o momento para ir além da mera alternância no poder dos corruptos de estimação -ou dos menos rejeitados.
É preciso coragem e perseverança, insistindo em reformas que, em meio a
indesejáveis dores do parto, possam nos trazer um novo Brasil.
Podemos e desejamos eliminar a grande corrupção e alcançar mais
igualdade, estabilidade e democracia. É essa a bela imagem que desejamos
ver no espelho, mas não na forma de uma ilusão.
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DELTAN DALLAGNOL, mestre em direito pela Harvard Law School (EUA), é procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato
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