terça-feira, 20 de junho de 2017

O susto de cada dia

 Lya Luft*
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Com ingênua arrogância, eu muitas vezes disse que a esta altura pouca coisa me assusta. Mas é da boca para fora: na verdade, fico assombrada com parte do que vejo, assisto, leio ou me contam. Uma delas é o desplante com que as coisas se passam neste país no terreno da chamada coisa pública (a res publica). Mas não quero falar aqui em política, assunto em que gastei ou desperdicei as teclas deste computador anos a fio.

Vamos falar na educação, ou nos bons modos, cuja falta me impressiona: há poucos dias, minha amiga Miriam Leitão foi assediada, insultada, xingada e quase fisicamente agredida durante todo um voo de Brasília ao Rio, por um grupo que não vale a pena nomear. Conversei com ela mais vezes depois disso e contei que um de meus filhos comentou comigo no almoço: “Mãe, se fosse contigo, o que farias?”. Respondi, mais de gaiatice do que convencida: “Ou eu ia chorar, ou me levantar, mandar todos se ferrarem, e, velha, grandona e de bengala como sou, quem sabe ficariam quietos”. A resposta de Miriam foi bem dela: “Lya, só você pra me fazer rir agora”. Ideias não se divulgam com violência e baixaria. Mas, dizia meu velho pai, “cada um dá o que tem”.

Me intriga muitas vezes a “naturalidade” com que queremos impingir, em algumas escolas e lugares, a chamada educação sexual para crianças e adolescentezinhos. Em alguns casos, só falta uma aulinha prática na frente dos alunos e alunas. Em lugar dessa ênfase um pouco frenética e fanática num assunto que deveria ser levado com naturalidade e discrição, seria bom prevenirmos todos contra excessos, bebida, drogas, experimentos em bares ou festinhas “inocentes”. Desinformados do que é importante, correm graves riscos em idade precoce. Mas insistimos em sexualizar nossas crianças, inclusive vestindo algumas meninas como sadomasoquistas ou garotas de programa, quando mal conseguem caminhar com suas perninhas magras em sapatos de salto que mais conviriam à mãe.

Por que essa obsessão pelo corpo, muito além do sensato e saudável, como se só os magros fossem sucesso, enquanto os inteligentes, brilhantes, boa gente, esforçados, legais e amigos não tivessem vez, como se a vida e a beleza se resumissem a uma competição de músculos e ossos? Por que não abrimos as cabeças de nossa meninada, os jovens, para o bom, o belo, o interessante, o intrigante que há neste mundo de Deus (ou dos deuses, como queiram)? Ou os deixaremos abobalhados, monopensantes e, segundo um excelente livro que estou terminando, Antifrágil, de Nassim Taleb, dominados pelo que ele chama de neomania: isto é, sempre o novo, o mais novo, o novíssimo. O celular do mês, a moda da semana, o filme do dia, a comida chique, a ansiedade da experiência do minuto.

Um celular normal pode ser perfeito, sem comprar aparelho novo a cada tantas semanas; o filme que me agrada pode ser melhor do que aquele que a turma viu sem entender; o jeito de andar, de vestir, de namorar ou de ficar sozinho é ótimo como cada um gosta e pratica. Triste é viver apenas segundo as receitas que nos são apresentadas todo dia em letreiros garrafais ou luminosos cintilantes.

Eu me entristeço com a perda de tempo, de energia, de alegria, de parceria, de amor, de beleza e de sonho, que vem de viver com óculos de visão torta e pensamento de manada.
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* Escritora.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9818502.xml&template=3916.dwt&edition=31356&section=70http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp%3fuf=1&local=1&source=a9818502.xml&template=3916.dwt&edition=31356&section=70 16/06/2017
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