J.J. CAMARGO*
Devíamos inventar uma vacina para aplacar a falta dos abraços. Porque a internet, ficou claro na pandemia, é placebo
Fui visitar o velho amigo que andava queixoso porque, segundo ele, não nos víamos há muito tempo. Querendo argumentar, disse que "como que não, se participamos de cinco lives no último mês?".
O olhar pareceu ainda mais triste quando ele respondeu: "Eu não vejo o que não posso tocar!". A interação virtual atenua mas não elimina a saudade que só se aplaca quando mantemos o ser querido apertado contra o peito, sem pressa de descolar.
Esse longo tempo em que imagem do monitor vem sendo a única forma de "contato humano" tem produzido uma subversão das nossas relações pessoais, com percepções diferentes. As pessoas menos afetivas se contentam com essa artificialidade, que se completa com a chatice do insosso "abração virtual", como se o toque, o cheiro e gosto não fossem os sentidos indispensáveis da relação entre seres amorosos.
Depois daquela introdução, pareceu natural que ficássemos de mãos dadas durante um tempo, e quando este gesto de carinho genuíno foi interrompido para segurar a xícara do cafezinho, ele tratou de bebê-lo rapidamente. A palma carente já estava de volta, porque a mãozinha eletrônica das plataformas é um recurso inanimado que ninguém conceberia que pudesse ser usado numa carícia elementar como um cafuné (ainda lembram o quanto era bom?).
Esta nova forma de contatar tem sido assumida com certa naturalidade pelos mais jovens, porque nessa idade são mais adaptáveis às circunstâncias. Ou porque, ao contrário dos velhinhos, nem viveram o suficiente para dar valor a um abraço, como fazem aqueles que ao longo da vida já abraçaram muito e descobriram que esta é a principal razão para termos sido concebidos com esses apêndices longos, sempre prontos a formarem uma concha.
Uma amiga querida me confessou que não sabe o que seria da vida dela sem o Skype que lhe permite conversar com a filha e ver a netinha crescer, nestes dois anos em que elas estão na Austrália. Fez a seguir uma descrição impressionante do efeito da saudade, gerando sintomas orgânicos que se acentuam durante a tarde, à espera do único momento solene de um dia inteiro.
Quando se aproxima o horário da chamada obrigatória, ela tem que se conter para parecer feliz e manter a filha animada com seu investimento profissional. Faz parte da introdução uma brincadeira em que ela "oferece um copo de suco" para a netinha, que sorri para o deslumbramento da vó. E então a confissão que me comoveu: "O que nenhuma das duas desconfia é que aquele suco gelado me ajuda a engolir a dor seca da ausência delas!".
Então resolvi descontrair: "Mas eu imagino que este contato, ainda que virtual, deva atenuar a tal pressão no peito que parece ser uma exclusividade dos avós!". O sorriso bonito continuava triste quando ela completou: "Claro que ajuda, porque eu vou me deitar em seguida, e a carinha sorridente da minha neta, se preparando para ir para a escola, alivia a minha dor na garganta e me afrouxa o choro".
Devíamos inventar uma vacina para a saudade, que ao menos minimizasse os efeitos. Porque a internet, ficou claro, é placebo.
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