segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Juan Gómez-Jurado: "É muito claro que não me darão o Nobel, nem preciso dele"

 O autor da trilogia, Juan Gómez-Jurado

O autor da trilogia, Juan Gómez-Jurado © DR

 O autor espanhol inventou uma dupla inultrapassável no género thriller com a trilogia Rainha Vermelha, Loba Negra e Rei Branco. Traduzida para cerca de 40 países, Gómez-Jurado oferece aos leitores uma experiência literária stressante e impossível de se parar de ler. Outras novidades: João Miguel Fernandes Jorge e Yseult Williams.

Os dois primeiros volumes da trilogia que está perto de atingir os dois milhões de exemplares vendidos já foi publicada integralmente em Espanha, onde o terceiro livro da saga, Rei Branco, acaba de ser publicado. Em Portugal, chegou há dias às livrarias a segunda parte, Loba Negra, onde Antonia Scott e Jon Gutierrez desafiam a máfia russa que domina a criminalidade na conhecida Costa do Sol espanhola. Se no primeiro volume, Rainha Vermelha, se reconheciam as figuras do mais rico empresário de Espanha e da sua família em apuros, agora chega a vez de retratar a atividade ilegal dos criminosos que desde há décadas tornam aquele país um paraíso para negócios ilegais e lavagem de dinheiro.

Gómez-Jurado já obtivera sucesso nacional e internacional com anteriores livros do género, no entanto esta trilogia torna-o comparável à saga Millennium criada por Stieg Larsson devido à dupla que protagoniza a ação dos seus livros. Para o autor o resultado da sua escrita não resulta de uma fórmula, antes de uma construção muito pensada e com um equilíbrio de aventura, de inteligência e de uma enorme capacidade de o leitor visualizar o que se está a passar.

Em entrevista ao DN, explica que luta durante dias com as frases que escreve, que planeia cada livro com muita precisão antes de o começar a escrever e que sabe de antemão tudo o que vai acontecer. Apesar do ritmo frenético que impõe, há sempre lugar para colocar diálogos onde o humor está presente sem interromper o stress que provoca no leitor devido aos perigos em que frequentemente coloca a sua dupla. Em Loba Negra, o grande trunfo é ter criado uma rival à altura da inteligência de Antonia Scott, por quem o leitor vai lutar para que saia vitoriosa de uma conspiração que a criminalidade das máfias do Leste mantém naquela região de Espanha.

Esta trilogia veio de uma inspiração do momento ou foi um projeto em que demorou anos a pensar?

Trabalho com esquemas extremamente detalhados quando escrevo um livro. A arquitetura da história já está planeada ao milímetro quando me sento para escrever e uma percentagem muito elevada da história está pensada.

"Por cada opinião que se encontre num leitor a dizer que Loba Negra é melhor que Rainha Vermelha vai existir outra que diz precisamente o contrário. E o que é mais divertido é que ambos têm razão."

O sucesso de Rainha Vemelha e Loba Negra foi já reconhecido pelos leitores. Rei Branco, o volume final da trilogia ainda irá surpreender?

Cabe aos leitores decidir. De momento, parece-me que tem tudo para repetir o sucesso.

A partir de agora, com o fim da trilogia, está condicionado a escrever mais deste género ou pretende seguir outros caminhos?

O thriller é um género pelo qual sou apaixonado e ao qual dediquei e dedico grande parte da minha criatividade, mas se algo me ensinou esta profissão é que nunca podemos estar satisfeitos. Portanto, é esperar para ver o que se seguirá.

As vendas dos dois primeiros volumes ultrapassaram o milhão de cópias. Acha que, além dos leitores espanhóis, também ganhou uma audiência internacional?

Ainda não acredito realmente neste sucesso dos meus romances, no entanto estou imensamente grato aos leitores. Fora de Espanha, o carinho que recebi também é enorme. Daí que só posso agradecer a todos os leitores.

Este tipo de sucesso nunca é bem aceite pelos críticos. Como é que se saiu?

É muito claro para mim que não me irão dar o Prémio Nobel, nem eu preciso dele. Os meus maiores críticos são os meus leitores e é para eles que tento escrever da melhor forma de que sou capaz.

Ao ler estes livros, parece que a sua escrita não foi um processo difícil. Estou enganado?

Da mesma forma que não acredito que haja uma fórmula para criar um best-seller, não creio que exista uma fórmula mágica para "escrever fácil". Escrever é sempre um processo difícil e em muitas das vezes mesmo muito traumático. Muitas vezes fui censurado por só saber escrever best-sellers e o que respondo é que tornar-se num fenómeno de vendas em pouco é devido ao autor, mas sim aos leitores.

Tem uma fórmula para contar a história ou é o resultado de um bom planeamento?

Planeio todos os parágrafos antes de os começar a escrever e isso é muito trabalhoso. É, no entanto, muito importante para mim. Há dois tipos de escritores: escritores de bússolas e escritores de mapas. Sou, sem dúvida, um escritor de mapas. Tenho o meu calendário, a minha ideia, a estrutura na minha cabeça. Por isso, estou muito feliz com o andamento das histórias da Antonia e do Jon

A dupla que protagoniza estes três livros é única: Antonia Scott e Jon Gutierrez. Ela é tão inteligente que parece incapaz de resolver problemas e ele é um polícia gay e basco. Acreditou desde o início que iriam captar a atenção dos leitores ou temia que ambos não fossem suficientemente sexys?

Para construir Antonia Scott fui inspirado por algumas pessoas à minha volta. Tenho a sorte de viver rodeado de pessoas muito inteligentes, como a minha mulher, por isso tenho modelos muito eficazes à mão. A inteligência de alguém geralmente provoca em outros uma mistura de fascínio e de rejeição, e isso foi muito importante no momento de criar Antonia Scott. Jon é um excelente companheiro e um grande polícia, sendo o complemento perfeito para Antonia. Por mim, acho-os bem sexy.

Em Loba Negra, Antonia tem uma rival à sua altura. Foi necessário um grande poder de invenção para que a personagem estivesse à altura do desafio e não defraudasse o seu estatuto?

Para conseguir criar personagens, amigos e inimigos, que estejam ao nível da Antonia e da sua inteligência é preciso fazer um grande esforço. Afinal, Antonia Scott marca uma linha que é preciso respeitar.

Como encontrou a escuridão emocional de Antonia e ao mesmo tempo manter uma presença constante de humor?

Sem humor nunca se chegará a lugar algum em que valha a pena estar. Na minha opinião, a dor deve sempre ser transformada em comédia e thriller. A pergunta que deixo é porque não desta forma?

Foi mais difícil criar o guião para o primeiro volume ou para o segundo?

Não utilizaria as palavras dificuldade ou facilidade. A história está num ponto diferente e o que escrevi faz parte de um plano para o romance que já traçara há muito tempo. Daí que cada livro tenha sido sempre diferente.

Li várias reações de leitores que consideram Loba Negra mais conseguido do que Rainha Vermelha...

Por cada opinião que se encontre num leitor a dizer que Loba Negra é melhor que Rainha Vermelha vai existir outra que diz precisamente o contrário. E o que é mais divertido é que ambos têm razão.

Como é que a polícia da Costa do Sol reagiu ao argumento sobre a máfia russa?

Não tenho conhecimento de nenhuma reação oficial da polícia. Por enquanto...

Já referiu que passa muitas horas a trabalhar a linguagem até encontrar as palavras certas. Essa pesquisa não interrompe o fluxo de ideias ou é feita numa segunda versão?

Faço muitas revisões, tantas que chega uma altura em que paro de rever e simplesmente "abandono" o romance. Se me sentasse hoje a ler Loba Negra, pela certa que mudaria muitas coisas com certeza.

É autobiográfico que Jon assista a muitos documentários da HBO ou é a sua experiência jornalística que facilita a criação?

Vejo muitos documentários na HBO e noutras plataformas é verdade, mas não costumo impregnar as minhas personagens com os meus gostos ou fobias.

Surpreende-o que até agora não haja interesse em fazer um filme destes livros?

Há muito tempo que tento levar as aventuras da Antonia e de Jon para o ecrã, mas falhei vezes sem conta. Não se pode fazer nada quanto a esse fracasso, e não vou revelar em que fase de falhanço estou. O que sei é que continuarei a falhar de todas as formas até quando não for preciso.

Juan Gómez-Jurado

Editora Planeta

430 páginas

(publicado em 2020)

Juan Gómez-Jurado

Editora Planeta

464 páginas

(novidade)

Juan Gómez-Jurado

Editora Planeta

(por publicar)

Outras novidades

"Sempre comecei Mau Tempo no Canal, e sempre a ele regresso, por esse lugar onde tudo tem início, a Tábua de Personagens." Inicia-se deste modo o segundo texto do livro Rodeado de Ilha de João Miguel Fernandes Jorge, um entre os trinta e um que se espalham com o cenário dos Açores em fundo. Em A Ilha, Corpo e Alma está muito de corpo e alma dessas ilhas que o romance de Vitorino Nemésio foi capaz de mostrar ao mundo - talvez nunca a suficientes leitores portugueses - e que Fernandes Jorge utiliza para lançar como se fossem com o vento vários "capítulos" deste livro, após uma entrada violenta com padres e crianças à mistura, entre outros apontamentos que as vidas dos profissionais da religião continuam a permitir.

Nemésio serve, portanto, como porta aberta para os Açores do autor e a outros textos há de voltar, de forma explícita ou não, sendo tão protagonista como os modos dos habitantes, as temperaturas instáveis, os tempos parados apesar da passagem dos anos e, principalmente, uma viagem por algumas ilhas que deixam o leitor tão curioso que continua nesta sua expedição até onde o autor permite ou, sendo capaz, de ir mais longe.

Há um guião que une estes textos, que bem poderia ter sido elaborado a partir daquilo que é relatado em O Café Central, onde mesmo que o autor confesse que o local "merecia melhor enredo", não se deve acreditar nele, pois nem sempre muitos parágrafos ou uma atribulada ação gera uma perspetiva de um sítio do mundo, das pessoas, da história e da natureza como este Rodeado de Ilha obtém. Afinal, trezentas páginas que se leem de enfiada e sem engulhos.

João Miguel Fernandes Jorge

Editora Relógio D"Água

312 páginas

O Esplendor dos Brunhoff tem como subtítulo a frase em que condensa o objeto deste livro: O prodigioso destino de uma família europeia. Quem são os Brunhoff é a pergunta para a grande maioria dos leitores e a resposta que a autora dá é abrangente porque Yseult Williams faz um amplo retrato do clã que alterou o panorama das revistas de moda, entre as quais mais recentemente a Vogue francesa, após outros títulos que encandearam leitores desde o princípio do século XX.

No entanto, a magia deste livro - a sua leitura permite usar esta definição - não está apenas no contar da história dos Brunhoff, mas também em inserir as várias gerações desta saga familiar nos momentos históricos em que aquelas vidas se desenrolaram. Yseult Williams biografa com um relato apaixonante todo um tempo que ficou para trás, aquele que influenciou em muito o em que ainda vivemos ao nível da cultura. Como as décadas que percorrem este trabalho são muitas, os contornos sociais e políticos estão sempre a surgir, nem que sejam por via da oposição a Bismark, aos efeitos das Primeira e Segunda guerras mundiais, a vivência dos tempos terríveis dos campos de concentração alemães, a atração da forma de viver norte-americana.

Além dos momentos históricos, vão surgindo personagens da cultura, como Picasso, Jean Cocteau, Coco Chanel, Yves Saint Laurent, alguns dos que colaboraram nas revistas criadas pelos Brunhoff e que mudaram a forma de olhar o mundo ao entrar-se num novo século. Muito interessantes são, entre outras, as páginas dedicadas ao relato do impacto de Sergei Diaghilev através da revolução criativa, mental e estética, que envolve o aparecimento dos Ballets Russes e de como os artistas de várias áreas colaboram no projeto que altera para sempre, não só o bailado, mas a participação na vida cultural que nunca mais terá o olhar do passado.

Yseult Williams

Editora Quetzal

352 páginas

Fonte:  https://www.dn.pt/edicao-do-dia/02-ago-2021/juan-gomez-jurado-e-muito-claro-que-nao-me-darao-o-nobel-nem-preciso-dele-13994976.html

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