Juremir Machado da Silva*
No carnaval, vimos a série da Netflix “A imperatriz”, com a atriz Devrim Lingnau no papel da bela, insubmissa e tocante Sissi. Uma história clássica de Sessão da Tarde na vida de muita gente. Depois, revimos “Maria Antonieta”, filme de Sofia Coppola sobre a “austríaca”, a rainha da França que seria guilhotinada junto com seu marido, Luís XVI. Ao ver a adoração das pessoas pelas celebridades nos desfiles de carnaval, ou nos camarotes VIP, fiquei fazendo comparações. Certo, as imperatrizes do carnaval aparecem quase nuas (Paolla Oliveira, Débora Secco, Sabrina Sato) ou um pouco mais vestidas (Gisele Bündchen). Seduzem as multidões. Vez ou outra, claro, acontece um pequeno curto-circuito no roteiro. Gisele Bündchen recebeu US$ 2 milhões para ir ao camarote de um patrocinador. Chegou com oito amplos seguranças.
A moça que atuava na recepção, ganhando R$ 200 pela noite, sorriu amarelo. A sua atenção, porém, foi desviada por alguém mais ao seu gosto: “Olha lá, não é Naldo Benny?”. Era. Há súditos para todos. Sissi dominou a massa que ameaçava o trono do marido saindo ao encontro dela, estendendo as mãos e dizendo que esperava um filho. Descontadas as licenças poéticas, o que se mostra é esse renovado encantamento das pessoas com aqueles que, por alguma razão, podem ser considerados diferentes, elevados, aos quais caberia viver emoções que não estão disponíveis a todos, embora sejam as mesmas de qualquer cardápio da humanidade: amar, gozar, distrair-se, dançar, divertir-se, viver. Tudo isso, ou apenas isso, com luxo e sem preocupação com os boletos no final do mês, ainda que, no caso das monarquias, os boletos de Maria Antonieta chegassem pelas mãos do ministro da Finanças.
As celebridades tomaram o lugar das vedetes do cinema, que desbancaram as cabeças coroadas, ainda que, vez ou outra, surja uma Diana para arrebatar os corações nos confins dos reinos. A era das celebridades e das subcelebridades pode se gabar de ter democratizado o papel de estrela. Já não é preciso encontrar um príncipe, nem mesmo ser contratada por um estúdio de Hollywood. Até mesmo o Jardim Botânico, onde reina a fábrica de sonhos da Rede Globo, já não domina sozinho a escala dos que brilharão no firmamento passageiro das eternidades. Na época em que mais se contesta a objetificação do corpo feminino, algumas mulheres parecem dizer, “o corpo é meu, faço dele o que eu quiser”, ecoando, num paradoxo, o pertinente slogan feminista, mostrando o que a natureza lhes deu e o trabalho diário esculpe.
O carnaval continua sendo esse momento de explosão em que se pode, por um instante, ser o que não se é, mas não tudo, pois muitos se ofendem quanto tomados como objeto de fantasia. O próprio termo diz tudo: fantasiar. Ser o que não se é. No carnaval das celebridades, contudo, o esquema de inversão não se impõe. A hierarquia social é mantida. Paga-se muito para que uma celebridade seja ela mesma diante dos que adorariam estar no lugar dela. O carnaval tornou-se um dispositivo de atualização do sistema de hierarquia social visível.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-carnaval-das-celebridades/?utm_source=Matinal&utm_medium=email&utm_source=Assinantes&utm_campaign=3a7fda3bf3-EMAIL_CAMPAIGN_2023_02_22_09_51&utm_medium=email&utm_term=0_-3a7fda3bf3-%5BLIST_EMAIL_ID%5D&mc_cid=3a7fda3bf3&mc_eid=02eb3e5cec
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