quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Escutar o pulsar antídoto contra a propaganda

 Por ANDREA MONDA*

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Falar com o coração. Depoisdo convite do ano passadoa escutar com o coração, o Papa Francisco convida os comunicadores sociais (e para os cristãos, anunciadores da Boa Nova,isto significa que convida todos) afalar com o coração. É interessante sobretudo a ordem das ações porque se poderia pensar que um comunicador social seja uma pessoa queprincipalmente fala, e, no entanto, é necessária esta “conver são”: primeiro escutar, depois falar. E fazer os dois do mesmo modo, com o mesmo estilo: com o coração. É o coração que ouve, não os ouvidos, é o coração que fala,não a boca, o mesmo coração capaz de ver segundo a lição de Bento XVI na Deus caritas est: «Não devemos ter medo de proclamar a verdade, por vezes incómoda, mas de o fazer sem amor, sem coração» diz Francisco no início da Mensagem, pois «o programa do cristão — como escreveu BentoXVI — é “um coração que vê”. Trata-se de um coração que revela,com o seu palpitar, o nosso verdadeiro ser e, por essa razão, deve ser ouvido». Não só ouvir o outro, mas ouvir também o próprio coração, o seu pulsar. Falar com o coração paradoxalmente significa estarem silêncio face a uma escuta mais radical, significa fazer silêncio. Se de facto ficarmos em silêncio, deixamos espaço para o outro, e então ouvimos sobretudo que o nosso corpo já tem um som, uma voz: o palpitar do coração. Esta voz, tão íntima a mim mesmo, é já a voz de outro. Desse pulsar, desse som do batimento cardíaco, os estúdios pensam que nasceu a arte da música e por conseguinte da dança, duas “linguagens” primordiais do homem, do qual nasceu a poesia, que é antes de mais ritmo e canto. Como salienta o Papa, o coração com o seu pulsar revela muito da verdade do nosso ser. Revela, sobretudo, o nosso desejo e para onde nos dirige esse desejo. Quer estejamos calmos ou agitados, tristes ou felizes, curiosos ou aborrecidos... tudo isto passa pelo coração e do coração brota como uma linguagem sincera, que mostra a nós mesmos e aos outros quem realmente somos. Portanto, falar com o coração é estar numa relação natural e “solta” com o próprio coração, deixá-lo falar. E isto leva, observa o Papa, “o ouvinte a sintonizar-se no mesmo comprimento de onda, chegando ao ponto de sentir no próprio coração também o pulsar do outro”. Vem à mente o verso daquela poesia da poetisa polaca Wislawa Szymborska intitulada: Ouve como bate forte em mim o teu coração. Se deixarmos o nosso coração falar, se o ouvirmos, conclui o Papa Francisco, “então pode ter lugar o milagre do encontro, que nos faz olhar uns para os outros com compaixão, acolhendo as fragilidades recíprocas com respeito, em vez de julgar a partir dos boatos semeando discórdia e divisões.

              A mensagem é um tesouro de ideais e estímulos sobre o qual é apropriado voltar e refletir, hoje, numa primeira leitura, é marcante esta referência ao “Pulsar” e à necessidade de ouvir o próprio coração do outro. Desta escuta broa a “comunicação cordial” que o Papa nos convida a realizar: “Comunicar cordialmente quer dizer que a pessoa que nos lê ou escuta é levada a deduzir a nossa participação nas alegrias e receios, nas esperanças e sofrimentos das mulheres e homens do nosso tempo. Quem assim fala ama o outro, pois preocupa-se com ele e salvaguarda a sua liberdade, sem a violar”. O exemplo bíblico que a Mensagem oferece à atenção do leitor é o de Emaús onde Jesus entra, com mansidão e candura, nas conversas dos homens, conseguindo incendiar os seus corações. É precisamente a Bíblia como um todo que nos faz compreender o que é então este “coração”, que deve tornar-se o órgão principal dos nossos cinco sentidos: na linguagem bíblica, de fato, o “coração” indica a globalidade, a complexidade do homem, o centro unificador não só da atividade espiritual, mas de todas as ações da vida humana. Quem fala com o coração não quer “algo” do outro a qualquer custo, mas quer o outro, ou seja, que o bem para o outro a quem se dá livre e totalmente, falar com o coração só pode ser feito no signo da gratuidade.

              O oposto de falar com o coração é fazer propaganda. A Mensagem fala muito claramente a este respeito, inspirando-se nos dramáticos acontecimentos atuais das guerras que atravessam o mundo: “Por isso mesmo há que rejeitar toda a retórica belicista, assim como toda a forma de propaganda que manipula a verdade, deturpando-a com finalidades idiológicas”. Quem fala com o coração une verdade e caridade – na Mensagem isto é devidamente repetido várias vezes referindo-se também à figura do “comunicador gentil”, São Francisco de Sales, cuja festa celebramos a 24 de janeiro – e portanto não manipula a verdade, respeita-a. Ao contrário, quem az propaganda ( assim como aqueles que fazem publicidade) não tem uma abordagem livre e libertadora do outro, mas uma abordagem ideológica e instrumental; de toda a riqueza da experiência humana, o propagandista isola apenas o conceito, se necessário manipulando também a verdade e visando um resultado, com único efeito, que muitas vezes tem impacto no lado emocional, com exclusão do resto das dimensões do ser humano. O coração, essa totalidade complexa e misteriosa que é o ser humano, é dissecado e assim efetivamente morto. A oposição propaganda-poesia pode servir para compreender a Mensagem de hoje, que não cita por acaso Manzoni e a página do diálogo, de coração a coração, entre Lúcia e o Inominado. Naquela cena dramática, o paradoso ocorre onde é o Inominado que quase tem medo de Lúcia e lhe diz palavras de encorajamento, a ponto de a jovem responder que as suas palavras lhe “alargaram o coração” . Falar ao coração produz o efeito de alargar o coração.  Na homilia de ontem, Domingo da Palavra, convidando-nos a colocar toda a nossa vida “sob a Palavra de Deus”, o Papa Francisco evidenciou um perigo: “Não nos aconteça professar um Deus de coração largo e ser uma Igreja de coração estreito”. Aqui reside a diferença entre a propaganda e a poesia, neste alargamento ou estreitamento. De fato, a palavra da propaganda ou da publicidade produzem uma linguagem unívoca e simplificadora, que se impõe de cima, de uma forma assertiva e “monolítica”. A palavra da poesia, por outro lado, é equívoca porque é livre: é uma proposta que se lança ao ouvinte questionando-o na totalidade (cabeça, coração, mãos) e restitui a complexidade, a “meia-escuridão” da realidade, pedindo-lhe que a interprete na plenitude da sua liberdade. Falar com o coração é ser criativo como os poetas. E corajosos, correr o risco.  Inclusive da incompreensão. É isto e não menos que isto que nos pede o Papa Francisco na sua Mensagem para o dia Mundial das Comunicações Sociais de 2023. 

* É um jornalista e escritor italiano, diretor do L'Osservatore Romano desde 18 dicembre 2018.

Copiado do L´Osservatore Romano, número 4, quinta-feira 26 de janeiro de 2023, pág. 1 e 6

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