A civilidade voltou. Lula não fala em cercadinho. Abre-se para coletivas no Palácio do Planalto. Nesta terça, 7 de fevereiro, a entrevista foi com jornalistas de fora da grande mídia. Quarenta e um profissionais compareceram. Fui convidado, pelo Matinal, mas infelizmente, por questões pessoais, não pude ir. Aplaudo esse tipo de iniciativa. Democracia é isso: aceitar questionamentos.
O presidente Lula tem criticado a independência do Banco Central e a manutenção da taxa Selic alta, 13,75% atualmente. O mercado inventou que Banco Central deve ser independente. É uma maneira de a raposa iludir as galinhas. Taxa de juros não é questão exclusivamente técnica nem existe essa técnica neutra. É opção política. Roberto Campos Neto declarou que a independência do Banco Central serve para separar o ciclo econômico do ciclo político. Balela. A escolha da taxa de juros é política. Roberto Campos Neto representa o bolsonarismo no governo de Lula. As suas escolhas não são simplesmente técnicas, mas também políticas e ideológicas.
Um presidente eleito precisa ter o direito de fazer política econômica plena, o que passa por taxa de juros e expectativa de inflação. Pode dar certo ou errado. Se der errado, o eleitor, nas urnas, punirá o erro. A lorota técnica serve para amarrar o eleito. O economista André Lara Resende tem criticado a histeria midiática em relação aos juros. Entre outras coisas ele esclarece que a dívida pública brasileira não é tão alta quanto dizem os apocalípticos. O Brasil, segundo ele, não tem dívida externa, só interna, e tem 20% do PIB em reservas internacionais. Trocando em centavos, não existe o risco fiscal anunciado pela mídia e utilizado como justificativa para mantra os juros elevados. Mídia e mercado, par inseparável, hiperdimensionam o que não existe para tornar supostamente técnica uma decisão que é de interesse das partes que criam o tumulto.
“Ou seja, independentemente dos dados e da realidade, decide-se que o risco fiscal é alto.” Mídia e mercado estão indignados com a chamada PEC da transição, que dará ao governo de fazer gastos (investimentos) sociais na ordem de 2% do PIB. Além de querer política econômica sem política, volta e meia o mercado quer política sem políticos. Foi o que levou Jair Bolsonaro ao poder e transforma empresários repentinamente em detentores de cargos eletivos. No caso, o capitão, velho malandro da política, enrolou os que o enrolaram fazendo-se passar por novo quando era o que de mais velho existia.
Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia, falou certa vez sobre independência de banco central: “Na melhor das hipóteses, essa posição é questionável. Na crise, os países com bancos centrais menos independentes como China, Índia e Brasil fizeram muito, mas muito melhor mesmo do que os países com bancos centrais mais independentes, caso da Europa e dos Estados Unidos”. Falando sobre William Dudle, presidente do Banco Central dos Estados Unidos antes da crise de 2008, Stigltiz foi direto ao ponto que só não vê quem ganha com isso: “Ele executou um modelo de má governança em razão de seu conflito de interesses: salvou os mesmos bancos que ele deveria regular – os mesmos bancos que lhe permitiram ganhar a sua posição de mando”.
Paul Krugman, colunista do New York Times e também Nobel da economia, bate há muita tempo na falácia da independência de banco central: “Estamos vivendo a era do banqueiro central, uma era em que os governantes eleitos em todo o mundo têm sido persuadidos a deixar a política econômica nas mãos de tecnocratas não eleitos”. O Banco Central de Roberto Campos Neto nada tem de independente. Ele depende da ideologia do mercado na sua variante bolsonarista. Simples assim.
Lula está criticando com toda razão. Mercado e mídia ficam furiosas: gostariam que ele ficasse calado. Por que mesmo?
Ganha um temporada não Flórida quem errar.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário.
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-lula-e-o-banco-central/
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