Por Bruno Nogueira Humorista
Para todo o lado para onde olho, só vejo certezas. E não são certezas modestas, são certezas absolutas. Tudo é absolutamente preto ou branco, subtraiu-se o cinzento. A falta que faz a dúvida.
Volta e meia era bom que a dúvida tivesse o mesmo
palco e a mesma voz que a certeza. Numa altura em que há pouco ou
nenhum espaço para duvidar ou para tomar o tempo que for necessário para
se ter uma opinião que não ceda ao populismo, nem ao nervosismo, nem a
outros “ismos” que não trazem nada de bom ao debate público de
discussões importantes, talvez pensar alto, sem julgamento nenhum
prévio, seja uma boa maneira de percebermos que estamos todos ainda a
aprender uma série de coisas que achávamos que já tínhamos como
adquiridas. Estou também a falar para mim. Nesse processo, muitas vezes
avança-se, outras vezes atrasa-se tudo o que se tinha avançado. Ninguém
tem de terminar o dia a escolher um lado da trincheira, pode antes
aceitar que não sabe, está a tentar saber mais, ou que já pensou uma
coisa e agora pensa outra. Para todo o lado para onde olho, só vejo
certezas. E não são certezas modestas, são certezas absolutas. Tudo é
absolutamente preto ou branco, subtraiu-se o cinzento. A falta que faz a
dúvida. A dúvida como motor de tudo. A dúvida como princípio de muitas
outras dúvidas, até restarem muitas menos.
Na ciência, é ao manter a incerteza em
cima da mesa e admitir que não sabemos tudo, que se avança para
descobertas que são certezas só por uns tempos, até se redefinir essa
certeza e se começar não do zero, mas do pouco que se conquistou com as
dúvidas anteriores.
A certeza de cada um é irrelevante, porque a natureza não contempla espaço para isso, age como tem de agir, apesar de nós. É indiferente ter a certeza absoluta de que o aquecimento global não existe. É indiferente acharmos que a Covid-19 é uma invenção. Repetir muitas vezes uma coisa não a torna verdadeira. A Covid matará os cépticos e os crédulos, e o aquecimento global mudará a vida de todos para sempre, sem olhar a dúvidas e certezas.
É por isto tudo que quando há umas semanas o palco principal do São Luiz foi alvo de um protesto, estranhei tantas certezas absolutas vindas de tantos lados e com tanta rapidez. As redes sociais tornaram-se um pântano de verdades onde não havia tempo para dúvidas. A pressa de ter alguma coisa explosiva para dizer contaminou o espaço que havia para pensar. O resultado foi a morte do debate, e o ataque como verdade única e absoluta.
Descobre-se mais com a dúvida do que com a certeza. A certeza ata com muitos nós o cérebro, adormece a curiosidade e retira-nos o estrondo que causa o espanto e a descoberta. Descobrir que somos o oposto do que dizemos não é desandar, é reaprender a andar. É aceitar a mais desafiante das certezas, a de que somos múltiplas coisas ao longo da vida, e que no último dia somos todos a mesma. Mas até disso tenho dúvidas.
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