Irvine Welsh
A barra sempre pesou na escrita do escocês Irvine
Welsh. Basta acompanhar a célebre galeria de desajustados formada por
Spud, Sick Boy, Renton e Begbie, eternizada no romance Trainspotting
(1993), que lhe rendeu o status de grande nome da literatura britânica
moderna. Welsh é um dos destaques de hoje da 19ª Festa Literária
Internacional de Paraty, a Flip, que acontece na cidade fluminense. Ele
dividirá a mesa das 21h30 com o americano Bill Clegg.
Entre outros assuntos (como relembrar sua primeira vinda ao Brasil),
Welsh deve conversar sobre seu mais recente romance publicado no País, A
Vida Sexual das Gêmeas Siamesas (Rocco). Se, em Trainspotting, ele
chafurdou o mundo dos guetos, dos pubs e das drogas, agora investe
contra a praia e o culto ao corpo perfeito.
O romance se passa em Miami, onde uma personal trainer interfere em uma
tentativa de assassinato, ao imobilizar um homem armado. Como o ato foi
registrado por uma câmera de celular, Lucy Brennan logo se transforma em
uma sensação midiática, atrás apenas de gêmeas siamesas de 15 anos do
Arkansas que também colocaram a nação em suspenso com seu dilema moral: o
que fazer quando uma quer sair enquanto a outra prefere ficar em casa?
Bem humorado, Welsh, que vive hoje nos EUA, falou ao Estado, por telefone, sobre sua sátira ainda mais ácida e impiedosa a respeito de uma sociedade obcecada por sua própria imagem.
Esse seu novo livro teve uma curiosa recepção nos EUA, onde seu
estilo foi comparado a Bret Easton Ellis e Chuck Palahniuk, dois autores
que também tratam dos males da sociedade moderna do ponto de vista da
dor. O que achou disso?
Achei engraçado. Bret e Chuck apareceram mais ou menos na mesma época em
que estreei, ou seja, há uma sensibilidade compartilhada para os mesmos
temas, ainda que eu vivesse na Escócia enquanto eles estavam na
América. Acho que a relação entre a gente vem do fato de O Psicopata
Americano, de Bret, e Clube da Luta, de Chuck, sejam talvez os últimos
dois grandes romances americanos dos anos recentes. Claro que surgiram
novos e bons títulos depois, mas nada que fosse tão inovador. Como já
disse antes, eles apontaram para novos caminhos da mesma forma que John
Updike fizera nos anos 1980.
Também li que seu interesse em escrever esse romance foi
motivado pela dicotomia que temos em nossa sociedade entre esporte e
arte. Como nasceu essa curiosidade?
Para mim, é uma horrível dicotomia, pois nos obriga sempre (nos EUA, ao
menos) a ser um grande atleta idiotizado ou um artista metido a besta.
Foi o que tentei fazer ao criar Lucy Brennan e Lena Sorensen, a mulher
que filma a atitude de valentia de Lucy. Por meio das duas, vistas em
perspectiva, tentei moldar o perfil mais completo de uma pessoa moderna -
pelo menos, alguém com o perfil médio apresentado pelos programas de
televisão.
Lucy é o tipo de mulher vigorosa, decidida, no esplendor de sua
forma física, enquanto Lena é uma artista vulnerável, tímida,
ligeiramente gorda. Como você relaciona essas garotas a questões como
gênero e feminismo?
São dois exemplos de feminismo: Lucy é mais independente, enquanto Lena
está mais para o tradicional. Para mim, representam duas faces de uma
mesma moeda, ou seja, complementares.
Junk food e viciados em exercícios físicos - é assim que você vê os Estados Unidos?
De uma certa forma, sim. Mas não apenas a América - nossa sociedade de
consumo como um todo cria pessoas com um comportamento obsessivo
compulsivo que não lhes deixa com liberdade de ação. Assim, se você é
gordo porque come muita junk food, você não vai parar de comer isso para
emagrecer - vai começar a tomar pílulas que supostamente vão te deixar
mais magro. É assim que nossas mentes têm sido programadas.
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Reportagem por Ubiratan Brasil - O Estado de S.Paulo 30/06/2016
Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,irvine-welsh-traca-uma-satira-impiedosa-sobre-o-culto-a-propria-imagem-em-a-vida-sexual-das-gemeas,10000060029
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