Lya Luft*
Acabo de ler um livro muito interessante, ainda não
traduzido aqui, She’s not there (Ela não está lá), da Random House, da
professora universitária, autora de várias obras, inclusive ficção,
colaboradora de jornais importantes dos Estados Unidos Jennifer Finney
Boylan. Ela também é transgênero: nasceu menino, sempre se sentindo
menina. (Transgêneros nos Estados Unidos começam a se revelar mais,
embora ainda com problemas – preconceito é o principal.)
Numa entrevista dela numa TV americana, anos atrás, eu soube que aquela Jennifer discreta e tranquila antes fora James – casado com uma mulher com quem teve dois filhos, numa parceria amorosa, até que James começou a lhe revelar seu tormento: tinha nascido no corpo errado. Agora queria levar isso adiante, mudando de gênero: médicos, hormônios, cirurgias, psiquiatras, terapia individual e de casal.
Graves crises, angústia das duas partes, mas não queriam se separar. Depois de dois anos, James já se chamava Jennifer, agora com documentação correta, até certidão de nascimento. A esposa lhe deu um incrível apoio apesar das incertezas, pois dizia: “Eu ainda amo a pessoa que agora é Jenny, pelas suas grandes qualidades humanas. Não saberia viver sem ela”. Os dois filhos pequenos não tiveram nenhuma crise séria e até inventaram um nome para Jenny: “maddie”, mistura de mamma e daddy. Bem orientados, amados, acompanhados, hoje são universitários bem-sucedidos.
James havia tirado um ano sabático na faculdade onde, professor prestigiado, lecionava há muitos anos; depois, já como Jenny, escreveu uma carta aos colegas e à direção, expondo sua realidade e dispondo-se a aceitar a demissão. Para surpresa sua, foi recebida com respeito: nessa mesma faculdade, havia três professoras transgêneras, fato de que nem ela sabia.
Eventualmente troco e-mails com a professora Boylan, pois quero traduzir o livro acima mencionado mas ainda não encontrei editora. Acompanho (no YouTube) algumas das suas palestras em universidades e me impressionam a seriedade, sabedoria e leveza com que fala e age. Alta e magra, cabelo claro comprido e liso, sem maquiagem, tranquila e bem-humorada, essa mulher, com sua bravura e o apoio de pessoas amadas, venceu a luta essencial: saber quem somos, quem queremos ser – e realizar isso, não necessariamente em questão de gênero, mas escolhas diversas, trabalho, parceria, vida.
Esta coluna nasce da tristeza que me causa qualquer preconceito, mistura de desinformação, arrogância e medo, com que tão prontamente rotulamos as coisas humanas: sexo, política, jeitos de ser. Somos pouco solidários com o outro, sobretudo se não combina com nossos conceitos. Quantas amizades se desfizeram nestes tempos por razões políticas? Quanto sofrimento, no mundo inteiro, de pessoas que não cabem em padrões (quem os inventou?): altos, baixos ou gordos, intelectualizados ou simples, extrovertidos, quietos, nervosos, masculinizados, efeminados, e sabe lá o que mais.
Um pouco de respeito ao diferente não nos faria mal. Todos temos a nossa dor. Todos queremos compreensão, oportunidade, esperança – e, com sorte, afeto. E em geral merecemos isso.
Numa entrevista dela numa TV americana, anos atrás, eu soube que aquela Jennifer discreta e tranquila antes fora James – casado com uma mulher com quem teve dois filhos, numa parceria amorosa, até que James começou a lhe revelar seu tormento: tinha nascido no corpo errado. Agora queria levar isso adiante, mudando de gênero: médicos, hormônios, cirurgias, psiquiatras, terapia individual e de casal.
Graves crises, angústia das duas partes, mas não queriam se separar. Depois de dois anos, James já se chamava Jennifer, agora com documentação correta, até certidão de nascimento. A esposa lhe deu um incrível apoio apesar das incertezas, pois dizia: “Eu ainda amo a pessoa que agora é Jenny, pelas suas grandes qualidades humanas. Não saberia viver sem ela”. Os dois filhos pequenos não tiveram nenhuma crise séria e até inventaram um nome para Jenny: “maddie”, mistura de mamma e daddy. Bem orientados, amados, acompanhados, hoje são universitários bem-sucedidos.
James havia tirado um ano sabático na faculdade onde, professor prestigiado, lecionava há muitos anos; depois, já como Jenny, escreveu uma carta aos colegas e à direção, expondo sua realidade e dispondo-se a aceitar a demissão. Para surpresa sua, foi recebida com respeito: nessa mesma faculdade, havia três professoras transgêneras, fato de que nem ela sabia.
Eventualmente troco e-mails com a professora Boylan, pois quero traduzir o livro acima mencionado mas ainda não encontrei editora. Acompanho (no YouTube) algumas das suas palestras em universidades e me impressionam a seriedade, sabedoria e leveza com que fala e age. Alta e magra, cabelo claro comprido e liso, sem maquiagem, tranquila e bem-humorada, essa mulher, com sua bravura e o apoio de pessoas amadas, venceu a luta essencial: saber quem somos, quem queremos ser – e realizar isso, não necessariamente em questão de gênero, mas escolhas diversas, trabalho, parceria, vida.
Esta coluna nasce da tristeza que me causa qualquer preconceito, mistura de desinformação, arrogância e medo, com que tão prontamente rotulamos as coisas humanas: sexo, política, jeitos de ser. Somos pouco solidários com o outro, sobretudo se não combina com nossos conceitos. Quantas amizades se desfizeram nestes tempos por razões políticas? Quanto sofrimento, no mundo inteiro, de pessoas que não cabem em padrões (quem os inventou?): altos, baixos ou gordos, intelectualizados ou simples, extrovertidos, quietos, nervosos, masculinizados, efeminados, e sabe lá o que mais.
Um pouco de respeito ao diferente não nos faria mal. Todos temos a nossa dor. Todos queremos compreensão, oportunidade, esperança – e, com sorte, afeto. E em geral merecemos isso.
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* Escritora. Tradutora.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a7706444.xml&template=3916.dwt&edition=29855§ion=70
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