Para Gilles Lipovetsky, ciência e tecnologia disseminam noção de leveza.
Segundo
filósofo francês Gilles Lipovetsky, a leveza é a máxima aspiração humana
atual a sociedade contemporânea está se movendo sob o imperativo da
leveza. Este é o novo tema do filósofo francês Gilles Lipovetsky, de 72
anos, um pensador que já escreveu sobre vários assuntos desprezados por
muitos de seus colegas, como a moda e o luxo, e cunhou os termos "era do
vazio" e "era hipermoderna". Em "Da Leveza, Rumo a uma Civilização Sem
Peso" (Ed. Amarilys), ele analisa como o leve tornou-se a máxima
aspiração humana e impôs-se em tudo: tecnologia, economia, publicidade,
arquitetura, esporte, arte e política. Sem demonizar o seu tema, mas
desvendando o seu uso muito além de um nível de moderação, ele sentencia
nesta entrevista ao Valor: "O excesso de leveza prejudica a sociedade, a
vida não pode ser leve em tudo".
Valor: Qual a origem desta "civilização da leveza"?
Gilles
Lipovetsky: O progresso tecnológico. Ele permitiu a fabricação de
materiais cada vez mais leves. Máquinas que consomem cada vez menos
energia. É um fator econômico. Temos aviões e carros mais velozes, mas
mais leves. Enquanto no passado a leveza era apenas imaginária, hoje a
ciência a faz real. Outro exemplo são os drones ou os smartphones de 200
gramas dentro de nossos bolsos que nos permitem contato com todo o
universo! O segundo fator é a relação que temos hoje com os nossos
corpos. Tudo condena a gordura e o peso. O corpo pesado é contra a
beleza e a saúde.
Valor: Embora vivamos uma epidemia de obesidade...
Lipovetsky:
O grande paradoxo é que, quanto mais consagramos a magreza, mais
existem pessoas obesas. Existem 40% de norte-americanos acima do peso.
Mais complexa é a questão quando há uma crescente paixão pelos esportes
de deslizamento, surfe, skate, esqui, ou aéreos, que dão a sensação de
leveza. Eles estão de acordo com o grande sonho da humanidade: voar. O
terceiro fator, talvez o mais relevante, é o capitalismo de consumo. Ele
é totalmente baseado na leveza. Eu chamo de "capitalismo de sedução".
Ele celebra os valores leves: o prazer, a felicidade, a vida privada, o
divertimento, as viagens... A leveza tornou-se um elemento essencial do
crescimento econômico por meio do consumo. Ela não é mais um sonho, uma
busca estética, é o "core" da tecnologia e, consequentemente, da
economia.
Valor: Como a busca pela leveza altera o comportamento do consumidor?
Lipovetsky:
Quanto mais celebram a leveza, mais as pessoas estão pressionadas pelo
pesado. A civilização da leveza é regida pela coerção. A conquista da
leveza é algo dolorosa. Nietzsche já nos havia alertado sobre isso [No
livro, é citada a frase do filósofo alemão: "É bom o que é leve; tudo o
que é divino se move com pés delicados"]. Muitas pessoas fogem do
consumismo para as sabedorias antigas, como o budismo, a ioga, a
meditação. São tecnologias da leveza. É um retiro do peso do consumismo.
Uma busca do desenvolvimento pessoal na leveza.
Valor: A leveza é um problema a mais para a economia mundial ou pode ajudar?
Lipovetsky:
No passado, o poder era ligado ao peso. O peso de um exército, o peso
do castelo, o peso do canhão. Eram as indústrias pesadas. Hoje o que dá
poder é a leveza. As empresas mais destacadas são o Google, o Facebook.
Vendem mercadorias imateriais. Cada vez mais é a informação, a
capacidade de poder gerar o mundo digital, o "big data". Com a
nanotecnologia estamos no começo de um novo mundo. Michel Foucault criou
o termo biopoder. Eu creio que o que nos caracteriza agora é o
nanopoder e leva a uma "microfísica do poder". Esse universo nos promete
coisas formidáveis. Vamos poder viver muito e com melhor saúde. Ao
mesmo tempo, há ameaças: a sociedade da vigilância, o transumanismo, a
inteligência artificial.
Valor: Como tudo, há também dois lados da leveza.
Lipovetsky:
Tentei não demonizar a leveza. A leveza do capitalismo de consumo
desenvolve uma leveza sem consistência. Não podemos construir uma
sociedade sob o princípio da leveza. Por quê? É preciso que os homens
trabalhem e trabalho necessita esforço. Existem duas levezas. Uma é
consumista. Esta é como a leveza da folha, vai com o vento. Ela não
permite construir nada. Creio que, muitas vezes, os homens sofrem porque
eles são consumidores em excesso. O consumo é bom. Mas por si só não
satisfaz totalmente. É impossível sustentar uma sociedade onde tudo é
baseado nas marcas, na moda, em coisas que se vê nas séries de
televisão. É um drama? Não. Mas podemos fazer melhor. Desenvolver outra
forma de leveza. Mais construtiva. A leveza do artista.
Valor: Na sua opinião, como a leveza mudou a política?
Lipovetsky:
A leveza produziu uma cidadania light. Isso se manifesta, sobretudo, na
abstenção alta. Os eleitores votam quando querem. No entanto, a
política não é leve. A desconfiança é grande. A política suscitou a
rejeição do cidadão. O universo da leveza modificou certos aspectos da
vida política. Não se pode moldar um político em um talk-show no qual se
faz a geologia estética de um líder. Os problemas políticos não são
leves: mundialização, aquecimento global, desigualdade social. Não
creio, portanto, em uma cidadania light ou uma política leve. É preciso
desenvolver o nível de educação política do cidadão.
Valor: No entanto, o seu livro aponta a leveza também na educação.
Lipovetsky:
Sim. A educação leve, com poucas disciplinas, é uma educação sem
obrigações. Pode haver algo de positivo, mas existe muito mais de
negativo quando se busca uma leveza na educação. Não podemos conceber
uma educação simplesmente com jogos eletrônicos, internet, vídeo,
smartphones. A leveza é parte da vida. É preciso lhe dar essa parte. Os
homens precisam da leveza como uma maneira de respirar. Mas o excesso de
leveza prejudica a sociedade. A vida não pode ser leve em tudo.
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Por Jorge Félix, para Valor, de São Paulo. Caderno: Eu & Fim de Semana, impresso. pág.3.
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