terça-feira, 18 de outubro de 2016

‘Não existe respeitar a privacidade de um adolescente’, diz psiquiatra


 Gustado Detter - Reprodução do Facebook

Após menino se enforcar até morrer, especialistas alertam: pais devem vigiar os filhos

São Vicente, SP, e Rio A morte de um menino de 13 anos, que se enforcou durante a chamada “brincadeira do desmaio”, no sábado à noite, causou comoção não apenas na pequena São Vicente, no litoral de São Paulo, onde o caso aconteceu, mas em todo o país. Policiais estão investigando, mas, ao que tudo indica, o estudante Gustavo Riveiros Detter enrolou uma corda no pescoço enquanto jogava on-line com colegas e, diante do computador, se asfixiou até perder a consciência. Quando parentes o encontraram, tentaram reanimá-lo e levaram o garoto para o hospital, mas ele faleceu 24 horas depois. O episódio é um alerta para famílias com crianças e adolescentes dentro de casa. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, os pais devem monitorar de perto as atividades dos filhos para evitar tragédias como esta.

— O adolescente acha que pode fazer o que quiser e que nada vai acontecer. Ele entra em competições sem pensar nos riscos porque seu cérebro ainda está em desenvolvimento. Mas esse ato pode causar lesões graves ao cérebro e irreversíveis, além de morte — analisa o psiquiatra Fábio Barbirato, especialista em transtornos na infância e adolescência da Santa Casa de Misericórdia do Rio. 

Só este ano, Barbirato atendeu em média dois casos da “brincadeira do desmaio” por mês, muitos encaminhados por hospitais.

— Não existe respeitar a privacidade em nenhum tipo de rede social para um adolescente porque ele é responsabilidade dos pais até completar 18 anos, mesmo que ele se ache muito esperto. Isso não é uma questão de invasão, mas sim uma forma de cuidado e carinho — frisa o psiquiatra.

GAROTO NORMAL, FÃ DE QUADRINHOS

Aparentemente outros adolescentes assistiram à cena pela webcam. Um deles avisou a prima do garoto, que estava no quarto ao lado. Ele teria dito que, pela câmera, viu que Gustavo “aparentava estar desfalecido”, segundo o que foi descrito à polícia. Ao analisar as últimas conversas de um aplicativo de troca de mensagens do sobrinho, Marco Antônio Riveiros, de 38 anos, notou que um dos colegas de Gustavo sugeriu aos demais participantes da conversa que essa não era a primeira vez que ele praticava um autoestrangulamento: “Acho que o Detter foi brincar de se enforcar de novo”, dizia a mensagem.

— Brincar de novo de se enforcar? Isso aconteceu antes e não deu certo? Quantas tentativas dessa são feitas? Quantas vezes isso está acontecendo nas escolas, nas casas e pela internet? — pergunta-se Riveiros. — Meu sobrinho era um garoto inteligente, caseiro, um amor. Ele não viu esse risco — afirmou o tio de garoto à TV Tribuna, afiliada da TV Globo em São Paulo.

Fã de quadrinhos, desenhos animados japoneses e de jogos on-line de computador, como “League of Legends”, que jogava minutos antes de morrer, Gustavo estudava no 8º ano de um colégio particular em São Vicente, perto da casa da mãe, na beira da praia. A morte do garoto deixou em choque alunos e professores da escola, que evitavam comentar o assunto ontem à tarde. Colegas o descreveram como um garoto normal, nem bagunceiro nem quieto demais. Segundo uma menina da sua sala, ele parecia estar sempre disposto a alegrar os colegas quando estavam tristes.

— Hoje foi um dia muito difícil para todos nós. Temos que lidar pessoalmente com a perda dele, mas não podemos deixar de tratar desse assunto com os outros estudantes. É muito grave o que aconteceu — disse um professor.

Amigos e familiares de Gustavo compareceram ao enterro, no Memorial Necrópole Ecumênica, um cemitério vertical particular de Santos, cidade vizinha, e prestaram suas últimas homenagens ao garoto sem a presença da imprensa.

A polícia pediu à família de Gustavo o celular do garoto e a troca de mensagens que antecedeu o enforcamento para tentar reconstruir seus últimos minutos. Segundo investigadores, todos os envolvidos na conversa são menores de idade. Responsável por investigar o caso, o delegado Carlos Topfer Schneider, do 1º DP de São Vicente, fez um apelo para familiares e educadores terem “vigilância extrema” em relação ao que os adolescentes estão fazendo na internet.

Jogos como a “brincadeira do desmaio” estão ficando tão frequentes que, no início do mês, foi realizado no Ceará o 2º Colóquio Internacional sobre Brincadeiras Perigosas, organizado pelo Instituto DimiCuida. Gestora do instituto, a psicóloga Fabiana Vasconcelos destaca que a “brincadeira do desmaio” é a mais arriscada, mas lembra que há ainda pelo menos duas práticas perigosas atraindo muitos adeptos: o “desafio do desodorante aerossol” (pelo qual a região atingida pode ser congelada até sofrer ferimentos e mutilações) e o “desafio da canela em pó” (que pode desencadear ataque de asma e outras complicações por substâncias químicas).

— Em um minuto sem receber oxigênio, o cérebro entra em envenenamento por gás carbônico; em três, o corpo entra em colapso; cinco minutos já é morte cerebral, por isso a indução do desmaio é uma prática de altíssimo risco. Mesmo quando não há morte, deixa sequelas — alerta.

De acordo com pesquisas feitas no Brasil, de mil crianças, cerca de 450 estariam praticando ou teriam feito pelo menos uma fez o desafio do desmaio. A faixa etária, nesses casos, é de 9 a 17 anos. A motivação destes jovens, segundo Fabiana, não tem aspectos suicidas, mas sim de aceitação em grupos.

— A internet é grande disseminadora e fortalecedora desses casos. Em 2010, foram identificados 500 vídeos da brincadeira do desmaio. Nesse ano, 16.300, no país. Sabemos que muitos praticam os desafios lançados nas redes sociais como forma de socialização — diz Fabiana, que aponta alguns sinais do praticante desses jogos: marcas estranhas no pescoço e olhos irritados, ou a presença sem motivo no quarto de coleiras ou cordas de pular.

Para a neuropsicóloga Adriana Fóz, o diálogo é uma boa forma de monitorar as ações dos filhos, mas há outras estratégias:

— O ideal é colocar o computador na sala, onde todos possam passar e ver o que está acontecendo. Ou negociar o tempo que o adolescente terá para ficar sozinho no computador, e até participar dos jogos com ele. Cada família vai identificar a melhor forma de aproximação.
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Reportagem por Jessica Lauritzen / Tiago dantas

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