Luiz Felipe Pondé*
O fato é que meninas engravidam e meninos, não; e isso não é questão de gênero
Abstinência sexual. O termo é horroroso.
Vibrações evangélicas. Repressão sexual. Todo inteligentinho que acha os
anos 1960 o máximo tem alergia a isso. Com relação aos evangélicos, ter
preconceito contra eles é quase um pré-requisito para ser aceito nos
clubes dos chiques, dos descolados e dos inteligentes.
A ministra Damares pode vir a ser a segunda presidenta (risadas?) do
Brasil. Acho que, se isso acontecesse, os chiques, descolados e
inteligentes entrariam em combustão. Falar em sexo sempre dá pau.
A verdade é que, tecnicamente, a ministra Damares tem razão. Não por
qualquer razão ligada ao pecado, mas sim porque, como aprendíamos na
faculdade de medicina nos anos 1980, adiar a entrada na vida sexual,
principalmente das meninas de classes sociais vulneráveis, é uma
ferramenta comportamental de grande uso para evitar gravidez indesejada,
violência contra a mulher, filhos abandonados que migram para o crime e
outros quebrantos.
Concordo que é sempre péssima a convergência entre religião, Estado e
política em geral. Apesar de que o socialismo é uma religião para muita
gente que se diz laica. Assim como o mercado para muitos liberais mal
formados. Mas a ingerência de grupos religiosos no Estado é ruim mesmo.
Quem deveria pregar a abstinência?
Entretanto, diante da falência generalizada do Estado brasileiro, a
cultura evangélica tem salvado vidas. O descoladinho, bem-nascido, pode
achar isso coisa de ignorante, mas, no caso aqui, o ignorante é o
descoladinho.
Religiões são ferramentas poderosas de organização da vida. Já tive
alunas que contaram em sala de aula suas histórias de como seus pais
evangélicos as mantiveram longe do destino comum de suas amigas no
bairro: engravidar aos 14 ou 15 anos do menino traficante mais popular
do bairro. Que logo seria assassinado, e a deixaria com uma barriga sem
pai.
Semana passada, eu dizia que a moral nunca é original. Pobres de
espírito não entendem isso porque confundem moral com um lançamento novo
de desodorante. A moral, em matéria de filhos, é, basicamente, cuidar,
cuidar, cuidar. Prova disso é que os millennials narcisistas não querem
ter filhos porque querem saber de antemão para onde irão no Réveillon
sem se preocupar com os pentelhos.
Qualquer um que tenha filha sabe que deve cuidar para que ela não
entre na vida sexual de forma irresponsável. É que os descoladinhos
gostam de fingir que não. Claro que quem tem filhos também se preocupa.
Hoje em dia, o mundo é tão chato que, quando falamos de coisas que
terminam em "a" ou "o", é necessário escrever mais 20 páginas para
explicar o que queremos dizer. A semântica de gênero tornou-se
retardada. O fato é que meninas engravidam, e meninos, não. E isso não é
uma questão de gênero.
Os evangélicos entregam algo bem longe de qualquer moral original.
Lembre-se: a moral nunca é original. A vida é, basicamente, trabalhar,
cuidar, pagar boletos, às vezes férias, ter amizades para o fim de
semana, adoecer e conseguir ter acesso a médicos.
Os evangélicos entregam vida em família, rede de solidariedade,
parceria econômica e de trabalho, programa de fim de semana, namorados e
namoradas de quem você conhece a família e alimento espiritual.
O descoladinho, provavelmente bem-nascido, que vive em algum bairro
chique da zona oeste ou sul, deve achar esse alimento espiritual junk
food, e o seu tipo de budismo light melhor, porque não engorda. Mas a
verdade é que o budismo light do descoladinho só serve para deixá-lo em
forma física. A entrega dos evangélicos é mistura pura. Feijoada de
sábado. Mocotó. Aquilo que o descoladinho brinca de comer na zona norte.
Enquanto se berra ao redor das palavras da ministra Damares (ver
Jesus na goiabeira dá medo mesmo...), as pesquisas de comportamento
mostram a queda da atividade sexual entre os mais jovens.
A abstinência sexual está pegando não por conta da proposta dos
evangélicos somente. Está pegando por conta da medicalização, da
depressão e do medo que assola os mais jovens, enquanto a caravana
descoladinha come ceviche orgânico.
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