FRANCISCO MARSHALL*
Este neologismo, que une as palavras
gregas idea (ideia) e logia (lógica ou ciência), surgiu após a Revolução
Francesa e evoluiu para designar o conjunto de crenças e concepções
sobre a sociedade e o mundo, próprias para orientar opções e ações
políticas. Em sociedades complexas, a palavra passou a designar também
as metas específicas de grupos e classes e, logo, também dos movimentos
sociais e dos partidos políticos. Assim empregada, a palavra tem a
virtude de dar identidade aos diferentes interesses em disputa,
permitindo a cada cidadão reconhecer o que mais lhe convém e ao conjunto
da sociedade. O termo "ideologia", portanto, não nasce condenado a
representar cacoetes, mas, pelo contrário, a identificar e a organizar
as relações sociais e políticas.
Não é concebível sociedade contemporânea destituída de
ideologias, e é suspeitíssima a pretensão de qualquer grupo ou indivíduo
de atuar na vida política isento destas. O argumento de isenção
ideológica na política reflete ambições totalitárias ou teológicas, ou
demagogia solerte, que acusa o outro de ser ideológico para aparentar
que está a salvo e, assim, tentar enganar a sociedade para impor uma
visão particular, repleta de interesses. É o que ocorre quando
autoridades dizem combater ideologia e tratam de impor a sua própria.
Para essa enganação, o discurso religioso serve perfeitamente, como
fetiche de uma verdade que é antes ficção em favor dos sacerdotes e seus
apaniguados.
As ideologias, todavia, podem abrigar erros,
decorrentes de opiniões precárias ou do predomínio de interesses
egoístas. Contra esses, contamos com a força de dois antídotos: a
ciência e a política, quando visa ao bem comum. Sabe-se que a ciência
pode ser manipulada por ideologias, e é por saber-se disso que a ética, o
espírito crítico e a força do método nos permitem identificar e purgar
erros e ideologias. Assim depurada, a ciência oferece à sociedade as
referências seguras com que orientar decisões, superando a precariedade
de opiniões e interesses particulares. Diante disso, atacar a ciência
passa a ser outra face da estratégia de quem quer impor ideologias e só
sabe proliferar enganos.
Por seu turno, a política orientada ao bem comum pode,
em sociedades saudáveis, ser realizada por meio da dialética democrática
ou por estratégias de quem detém o poder. Cabe ao vencedor a grandeza
de estender sua sensibilidade ao que reivindicam os derrotados, ao invés
de usar a força para tentar dizimá-los, de modo paranoico e tirânico.
Aproveitar o que há de bom nas ideologias adversas é a chance de ampliar
a harmonia e caminhar para a superação de impasses. Para isso, é
necessário inteligência e grandeza, dons ora muito escassos. Do mesmo
modo, as ideologias de classe, caso não evoluam para o bem comum, podem
produzir violência, como hoje vemos, com a imposição da ideologia do
capital sobre o mundo do trabalho.
Para sairmos da presente cacologia e dos embates de
todas as ideologias, valham-nos a arte e a ciência das boas ideias, com
que poderemos, um dia, escrever um novo capítulo da História.
-----------------------------
FONTE: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=deb80070b600cd6a60ae2fcddbf93a0e
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário