Alain Badiou em março de 2009. Foto de Michael Allan/Flickr.
Quando um velho filósofo
comunista se depara com a sua cidade cheia de anúncios de um site de
encontros o que pensa disso? Este é a provocação inicial de que parte o
livro “O elogio ao amor” de Alain Badiou de que traduzimos um excerto em
que defende que “é preciso reinventar o risco e a aventura,
contra a
segurança e o conforto”.
14 de Fevereiro, 2020 - 11:05h
Num
livro que se tornou célebre, “De que é Sarkozy nome?”, defende que “o
amor deve ser reinventado mas também simplesmente defendido porque está a
ser ameaçado por todos os lados”. Ameaçado de quê? E em que sentido os
antigos casamentos combinados se revestiram com novas vestes hoje em
dia? Creio que uma publicidade recente de uma página de encontros pela
internet mexeu particularmente consigo...
É verdade, Paris foi coberto de anúncios da página de encontros
Meetic, cujos títulos me interpelaram profundamente. Posso citar alguns
dos slogans desta campanha publicitária. O primeiro dizia – e trata-se
do desvio de uma citação do teatro – “Tenham o amor sem o acaso!” E
depois havia outro: “pode-se ficar apaixonado sem cair na paixão!” Logo,
nenhuma queda, não é? E depois havia também: “podem perfeitamente
apaixonar-se sem sofrer!” E tudo isto graças à página de encontros
Meetic... que vos propõe ainda – a expressão pareceu-me bastante notável
– um “coaching amoroso”. Terão assim um treinador que vou preparará
para enfrentar a provação.
Penso que esta propaganda publicitária se inscreve numa conceção
securitária do “amor”. É o amor seguro contra todos os riscos: terão o
amor, mas terão calculado tão bem o vosso caso, terão pré-selecionado
tão bem o vosso parceiro teclando na Internet – terão evidentemente a
sua foto, os seus gostos em detalhe, a sua data de nascimento, o seu
signo astrológico, etc. – que no final desta imensa combinação poderão
dizer: “com todo isto, vai funcionar sem riscos!” E isto, é uma
propaganda, é interessante que a publicidade se faça neste registro.
Ora, evidentemente, estou convencido que o amor, enquanto gosto
coletivo, enquanto, para quase todo o mundo, a coisa que dá à vida
intensidade e significado, penso que o amor não pode ser este dom
atribuído à existência num regime de ausência total de riscos. Isto
parece-me um pouco como a propaganda que fazia em dado momento o
exército americano sobre a guerra com “zero mortes”.
Haveria segundo você uma correspondência entre a guerra
“zero mortos” e o amor “zero riscos”, da mesma maneira que existe, para
os sociólogo Richard Sennett e Zygmunt Bauman, uma analogia entre o “não
te contrato” que diz o agente do capitalismo financeiro ao trabalhador
precarizado e o “não me envolvo” que diz ao seu ou à sua parceira o
“amante” desligado num mundo em que os laços se fazem e desfazem em
benefício de uma libertinagem cosy e consumista?
Isso tudo, é um pouco o mesmo mundo. A guerra “zero mortos”, o amor
“zero risco”, sem acaso, sem encontro, vejo nisso, com os meios de uma
propaganda geral, uma primeira ameaça ao amor a que chamarei a ameaça
securitária.
Ao fim e ao cabo, não anda longe de ser um casamento combinado. Não o
é em nome da ordem familiar feito pelos pais despóticos, mas em nome de
um securitarismo pessoal, por um arranjo prévio que evita todo o acaso,
todo o encontro e finalmente toda a poesia existencial, em nome da
categoria fundamental da ausência de riscos.
A seguir, a segunda ameaça ao amor, é negar-lhe toda a importância. A
contrapartida desta ameaça securitária consiste em dizer que o amos é
apenas uma variante do hedonismo generalizado, uma variante das figuras
do gozo. Trata-se de evitar qualquer provação imediata, qualquer
experiência autêntica e profunda da alteridade no qual amor está
entrelaçado.
Acrescentemos ainda que, nunca sendo o risco eliminado de vez, a
propaganda do Meetic, como a dos exércitos imperiais, consiste em dizer
que o risco será para os outros! Se estiverem, vocês, bem preparados
para o amor, segundo os cânones do securitarismo moderno, saberão mandar
o outro dar uma volta, se não estiver conforme ao vosso conforto. Se
ele sofre, problema dele, não é? Ele não está na modernidade.
Da mesma forma que o “zero mortos” é para os militares ocidentais. As
bombas que lançam matam muitas pessoas que têm o azar de morar naquela
zona. Mas são afegãos, palestinianos... Não são modernos. O amor
securitário, como tudo em que a norma é a segurança, é a ausência de
riscos para aquele que tem um bom seguro, um bom exército, uma boa
polícia, uma boa psicologia do gozo pessoal e todo o risco é para aquele
com que este se depara.
Já repararam que em todo o lado vos explicam que as coisas de fazem
“para vosso conforto e segurança”, desde os buracos da calçada até aos
controlos da polícia nos corredores do metro. Temos aí dois inimigos do
amor, no fundo: a segurança do contrato de seguro e o conforto dos gozos
limitados.
Haveria então uma espécie de aliança entre uma conceção libertária e uma conceção liberal do amor?
Creio com efeito que o liberal e o libertário convergem para a ideia
de que o amor é um risco inútil. E que se pode ter de um lado uma
espécie de conjugalidade preparada que se desenrolará do doçura do
consumo e do outro arranjos sexuais agradáveis e cheios de gozo,
poupando na paixão. Deste ponto de vista, penso realmente que o amor, no
mundo tal como ele está, preso neste abraço, neste cerco, e que está
neste sentido ameaçado. E creio que é uma tarefa filosófica, entre
outra, defendê-lo. O que pressupõe, provavelmente, como dizia o poeta
Rimbaud, que é preciso também reinventá-lo. Isto não pode ser feito na
defensiva pela simples conservação das coisas. O mundo está, com efeito,
cheio de novidades e o amor deve também ser tomado nesta inovação. É
preciso reinventar o risco e a aventura, contra a segurança e o
conforto.
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O Elogio do Amor é a transcrição de um diálogo entre o filósofo Alain Badiou e o jornalista Nicolas Truong.
Tradução de Carlos Carujo
Fonte: https://www.esquerda.net/artigo/badiou-o-filosofo-comunista-contra-o-amor-securitario/65871
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