Enzo Bianchi*
20 Dezembro 2022
"Se
o Natal tem um significado cristão é este:
não é apenas uma festa para Jesus que nasce, mas é uma festa para o Messias que
vem para reintegrar na plenitude da vida todos aqueles que são desprovidos disso.
O Natal é uma festa de esperança para
todos aqueles que, cristãos ou não cristãos, querem que o mundo mude".
No sábio e poético texto de Antoine de Saint-Exupéry, a raposa diz ao príncipe: "É preciso ritos, é o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas”. Precisamente por isso, perto do Natal, a festa mais celebrada no nosso Ocidente, nas noites mais longas do ano procuramos iluminar estes dias com milhares de luzes que deveriam criar uma "outra" atmosfera alegre nas nossas cidades e nas nossas casas.
As luminárias já existiam na época romana, antes que o cristianismo se apropriasse deste evento do "sol invencível" para torná-lo a memória do nascimento de Jesus, o Salvador dos cristãos, confessado como o "sol que nunca se põe" e "a luz do mundo". O Natal é uma festa da luz que supera as trevas, símbolo de um evento desejado por grande parte da humanidade: acender muitas luzes significa afirmar que as trevas não conseguem sobrepujar a luz, é um convite para celebrarmos juntos.
Dizia-se nos últimos meses que este ano, devido à crise energética, não haveria nas cidades as habituais decorações luminosas inclusive como sinal de solidariedade para com os que sofrem com o frio, sobretudo na Ucrânia. Mas depois tudo foi arranjado como nos outros anos, talvez porque não saibamos ser coerentes com as emoções que sentimos, e talvez porque festejar mesmo nos dias ruins pode nos ajudar a abrir a humilde esperança de um horizonte luminoso.
Este Natal chega como um Natal de guerra, em que há todos os sinais de que a pandemia não foi derrotada, numa hora de grave crise política no país por falta de homens e mulheres que tenham sentido de responsabilidade, sejam especialistas na arte de governar, nutram uma visão de futuro da nossa sociedade e testemunhem uma ética capaz de combater todas as formas de corrupção.
Não é fácil celebrar nestes dias, a menos que permaneçamos superficiais, não vulneráveis a situações de sofrimento que parecem obliterar toda esperança. Embriagados pelo ambiente festivo, já não nos indignamos mais com a guerra na Ucrânia, com os migrantes que continuam a morrer no Mediterrâneo e nas frias rotas europeias, com a opressão das mulheres no Irã, com os maus-tratos sofridos pelos prisioneiros em nossas prisões. Como celebrar o Natal sem ter consciência dessas realidades pelas quais, em alguns casos, também somos responsáveis?
Conforta-me o fato de que o Natal, para os cristãos, não deveria ser a festa do nascimento de Jesus: festeja-se o fato de que Ele é Aquele que vem para trazer justiça, libertação, paz para todas as vítimas da história, para todos aqueles que desejam, invocam, esperam por uma mudança! Se o Natal tem um significado cristão é este: não é apenas uma festa para Jesus que nasce, mas é uma festa para o Messias que vem para reintegrar na plenitude da vida todos aqueles que são desprovidos disso. O Natal é uma festa de esperança para todos aqueles que, cristãos ou não cristãos, querem que o mundo mude.
*Escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 19-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/625000-a-esperanca-do-natal-artigo-de-enzo-bianchi 20/12/2022
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