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Leia entrevista do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha para o podcast Politiquês na minissérie ‘Uma crise chamada Brasil’, em que ele fala sobre o processo de impeachment da então presidente petista
Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados que presidiu o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, foi entrevistado pelo podcast Politiquês em julho de 2022 para a minissérie “Uma crise chamada Brasil”, que traça um panorama dos anos que marcaram a quebra do pacto social da Nova República.
Ele aparece no quinto episódio, “Rupturas”, sobre o impeachment de Dilma Rousseff e o que veio depois.
O Nexo traz agora a transcrição da conversa que teve com Cunha. Ao longo de dezembro de 2022 e janeiro de 2023, as entrevistas realizadas para a minissérie serão publicadas por escrito, a fim de que possam ser fonte de consulta dos leitores do jornal.
Seis anos depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, como o senhor avalia esse momento? Foi a melhor decisão política para o país?
EDUARDO CUNHA Em primeiro lugar, a decisão teria que ser tomada de qualquer maneira e eu não tenho nenhum arrependimento pela decisão que eu tomei, até porque os fatos me obrigariam a isso. Se era melhor ou pior, isso independe. Ela efetivamente cometeu um crime de responsabilidade. Tinha a situação de instabilidade política que vivia-se naquele momento, a perda de apoio popular, a fragmentação da sociedade como estava, não teria outra [possibilidade]. O impeachment é uma conjunção de fatores, mas ele tem que ter efetivamente o crime de responsabilidade e, no meu entender – não só meu, mas também do Senado que julgou – houve crime de responsabilidade. Muita gente acha que o impeachment se deu por pedalada fiscal. Não tem nada a ver com pedalada fiscal. A própria condenação do Tribunal de Contas da União sobre as pedaladas fiscais não teve nada de influência no processo do impeachment. A pedalada ela praticou em 2014, no primeiro mandato dela. Sobre isso, eu rejeitei a abertura do processo impeachment.
O impeachment dela se deu porque quando ela [Dilma Rousseff] mandou um projeto de lei para mudar a meta fiscal do ano de 2015, depois que o Orçamento estourou ou ia estourar – até porque ela pagou as pedaladas fiscais de 2014 – essa mudança da meta, ela teria que ter esperado o Congresso aprovar para gastar. E no entanto ela editou decretos autorizando o gasto de parte desse recurso pelo qual ainda não havia o Congresso aprovado. Ou seja, ela gastou sem autorização na lei orçamentária. Essa foi a motivação do crime de responsabilidade que gerou o impeachment dela. Aquilo era fato. É a melhor decisão do ponto de vista político? Isso aí é o Congresso como um todo que tem que tem que avaliar, não é o meu ato em si que tem que dizer ou não. Mas eu não acho que poderia ter uma decisão diferente da que foi tomada, esse é meu ponto de vista.
Muitos cientistas políticos veem o impeachment como uma ruptura que trouxe algum tipo de deterioração política naquele momento. O senhor concorda?
Eduardo Cunha Eu acho que a ruptura já se deu em 2013, quando teve aquelas manifestações. Hoje, passado o tempo, eu acho que isso, de certa forma, vai ficar claro para a sociedade. Ali houve uma ruptura com a representatividade. Em São Paulo, 88% dos eleitores não lembram quem votou para deputado na eleição de 2018. Isso é muito grave. E por que se dá isso? Isso se dá por dois motivos. Primeiro motivo, porque o eleitor não liga para a composição do Congresso, uma parte grande. Segunda parte, se dá por que a maioria dos votos são para os candidatos que não foram eleitos. Pelo nosso sistema político que nos obriga a fazer nominatas enormes, principalmente agora com o fim das coligações, para poder fazer legenda para os candidatos que vão se eleger. Isso aí significa que a maior parte dos votos dados para deputado são perdidos. Se você fizer uma simples análise, somar os votos válidos nas eleições de 2014, os votos válidos dos 513 deputados eleitos, você vai chegar a um percentual de aproveitamento que é muito pequeno.
Então, a crise de representatividade de 2013, pela qual a Dilma, que naquele momento tinha uma popularidade enorme e a popularidade dela reduziu à metade da noite para o dia em função daquelas manifestações – que só foram encerradas pela violência que foi empregada, patrocinada ou não, aqueles black blocs, que estimulados pelo próprio PT naquele momento para acabar com as manifestações – aquilo gerou uma desconfiança da sociedade. E a Dilma foi para a reeleição dentro de um processo de maquiagem da situação econômica, praticamente um estelionato eleitoral que foi praticado ali, e esse estelionato eleitoral foi uma ruptura. Quando ela iniciou o segundo mandato, a gente tinha a impressão que o governo já estava velho antes de ter começado.
As pessoas já pediam o impeachment antes dela tomar posse no segundo mandato. Ou seja, a representatividade não foi consumada pela eleição. Então, aquilo já foi uma ruptura. Essa ruptura disfarçada, de uma certa forma influenciou no processo impeachment, porque foi a corrosão popular. Na medida que ela [Dilma] começou o segundo mandato e todo mundo constatou que a eleição tinha sido um estelionato, ela veio pra 5% [de aprovação]. Quer dizer, não pode um presidente da república que se elege com a maioria dos votos válidos, ou seja, 51, 52, 53, 54% e de repente é reduzida 90% da sua popularidade com menos de 6 meses de mandato, é uma situação que é incomum. Então, aquilo já não deixa de ser uma ruptura, entendeu? Então, eu analisaria do ponto de vista mais complexo do que simplesmente essa colocação de que o ato do impeachment foi a ruptura. Não, a ruptura já existia disfarçada da desconexão da representatividade da eleição com o papel exercido no mandato.
Como o senhor vê o momento político atual em relação à representatividade e consequências políticas pós-impeachment?
Eduardo Cunha O momento atual sofreu consequências graves do próprio processo da criminalização da política, o que aconteceu, derivado do processo da ruptura – e isso sim contribuiu com a ruptura – foi a criminalização da política feita pela Operação Lava Jato conduzida pelo ex-juiz Sergio Moro, que buscava a criminalização da política para poder destruir os atores políticos convencionais para substituí-los. Então, essa ruptura que se deu, e aí vamos falar em ruptura de verdade, foi tentativa de tirar a política da política. A consequência disso foi gerar eleições completamente desconectadas da política, como aconteceu em 2018. Eu nem diria que a eleição do Bolsonaro foi desconectada da política, porque o Bolsonaro de uma certa forma tomou o lugar do PSDB na polarização. A derrocada que a criminalização da política fez com o PSDB, eu atribuo muito mais àquela operação em cima do Aécio, aquilo realmente foi um pá de cal no PSDB naquele momento. Não estou responsabilizando ou culpabilizando, emitindo nenhum juízo de valor, estou falando apenas a consequência que foi ocorrer. Aquilo realmente fez com que o Bolsonaro conseguisse tomar o lugar na polarização anti PT, porque era um espaço que estava vago.
Só que junto com o Bolsonaro ascenderam elementos que não eram da política para entrar na política. E aí a gente gerou um parlamento e eleições diversas, por exemplo, no estado do Rio de Janeiro, com um governador ex-juiz. Aquelas coisas todas que geraram, fora da política, algumas loucuras. E essas loucuras, de uma certa forma, tiveram que depois se adaptar à política real. Então, essa situação é que ficou uma situação difícil de entender, que agora, de uma certa forma, vai voltar à normalidade. Entre elas, o próprio Lula sofreu. Eu costumo dizer que, por mais que eu seja adversário, o Lula tinha que ter disputado a eleição em 2018. Porque teria sido muito melhor para o país que o Lula tivesse disputado. Ele iria perder a eleição, não teria como ele vencer aquela eleição, mas teria sido muito melhor para o país que ele fosse vencido nas urnas, do que com um gol de mão você tirar o Lula da eleição.
Todo esse processo que nós vivemos é uma consequência disso que aconteceu. E vem com os dias atuais. Então, o Lula vem de vítima, quando na realidade não deveria ser vítima, não deveria nem ter sofrido o que sofreu daquela forma, e ao mesmo tempo que ele vem de vítima, crescendo em função da vítima, você, com a eleição da forma como foi colocado Bolsonaro enfrentando a política naquele momento, você gerou uma contestação geral da sociedade. A forma que o Bolsonaro está sendo perseguido pela mídia, nós sabemos que está, não tem lógica o que fazem com ele. Por mais que você discorde, por mais que ele possa fazer coisas erradas, coisas que você não concorde, o nível de crítica, o nível de perseguição de mídia em cima dele é sem parâmetro nenhum na história brasileira. Então, a gente precisa ver que os dias atuais são reflexo dessa conjugação que estão, de uma certa forma, nos trazendo esse cenário de confronto. E essa é a minha visão.
Como se posicionam os próprios políticos na criminalização da política, diante da Lava Jato? O senhor, por exemplo, foi condenado e abriu mão de contas na Suíça. Qual foi o papel da classe política nessa criminalização?
Eduardo Cunha A minha condenação foi anulada. Eu não tenho nenhuma condenação vigente, isso é importante dizer. Primeiro, não cumpri pena, não tenho pena a cumprir, minha condenação está anulada e, se tiver curiosidade de olhar o meu livro, eu publico fac-símile de um ofício do Ministério Público Federal me pedindo ajuda para acessar a conta que não era minha. Então, é importante deixar isso claro para que as pessoas não fiquem com essa impressão. Na verdade, o que aconteceu foi fruto de um grande engajamento de mídia. Eu nunca escondi a situação das contas. Qual era a situação real? A que existia. Aí fizeram uma pilhéria dizendo que quando eu falava que era usufrutuário, exatamente o termo que o Ministério Público colocou no ofício que foi reconhecido pelas autoridades de fora como que eu era apenas um mero usufrutuário, eu não tinha acesso à conta. Então, é uma coisa tão absurda isso. De uma certa forma, eu sou vítima dessa criminalização, porque eu não menti no que eu falei, o que eu falei era verdade. E o próprio Ministério Público, apesar de ter me imposto uma condenação, e diga-se de passagem, a condenação que me foi imposta, ela foi, para bem claro, o senhor Sergio Moro me imputou um delito de corrupção baseado na palavra de um delator que ouviu dizer de uma terceira pessoa, que não confirmou, que não confirmou em depoimento que eu tinha sido a última pessoa a ser ouvida na nomeação de um diretor da Petrobras. Olha a coisa absurda de condenação que o Sergio Moro fazia com as pessoas lá. Mas isso foi anulado e vai ser absolutamente reiniciado.
Para além do caso específico, que o senhor esclareceu, os políticos não tiveram nenhuma contribuição nessa criminalização?
Eduardo Cunha Você quer colocar sob o ponto de vista os políticos que tiveram praticado atos ilegais, isso aí tem que apurar. E se apurar, tem que ser punido. Agora, tem que ser punido, por exemplo, o próprio Lula. O que o Moro fez com o Lula, ele pediu que o Lula fosse julgado de verdade, porque as acusações que existiram contra o Lula hoje não podem mais ser julgadas porque foram prescritas. Então, o Lula é inocente, não há dúvida. Agora, não deu a permissão para que a acusação contra ele fosse avaliada. O Moro criou a condição, através de um processo fraudulento, como ele fez com a maioria, que o Lula fosse julgado de verdade. Então, os políticos são responsáveis? Nós temos que saber quem é responsável na medida que você tem um devido processo legal, o amplo contraditório, com direito de defesa respeitado pelo juiz competente, na jurisdição correta. Então, é preciso que a gente coloque as coisas no seu devido lugar. Qual foi o político, tirando os que por acaso viraram delatores, que efetivamente estão condenados nesse estágio? Não conheço nenhum. A não ser os delatores.
O senhor acha que foi um erro o PT e a Dilma não terem lhe apoiado quando o senhor disputou a presidência da Câmara?
Eduardo Cunha Olha, veja bem, eles chegaram até o último momento – e eu relato isso no livro – na véspera queriam me apoiar, eu que não aceitei as condições que me foram colocadas por esse apoio. Queriam que eu reunisse todos os partidos que estavam me apoiando e declarasse que a gente apoiaria o PT no segundo biênio. Eu falei que eu não faria isso. Obviamente eu não poderia ser candidato à reeleição, porque não tinha reeleição dentro da legislatura, e que o meu partido daquela época, o PMDB, não iria lançar candidato à minha sucessão. Caberia aos partidos, no momento devido, escolherem quem fosse. Eu não podia me comprometer até porque a minha candidatura era anti um domínio do PT. Como é que eu podia? Se eu fizesse essa falsidade na véspera, eu corria o risco de um candidato alternativo entrar e vencer a eleição, porque ia pegar o meu discurso e dizer "o que ele pregou a campanha inteira era falso". Então, eu disse o seguinte "não, eu não tenho nenhum problema que o PT ocupe o segundo biênio", mas ele tinha que se viabilizar com a casa, não comigo. Não era eu que ia ser o cabo eleitoral do PT.
Eles não aceitaram isso. Queriam que fosse um ato formal com todos os partidos, todo mundo declarando publicamente que apoiaria o PT para o segundo biênio. E eu não aceitei. Eu disse o seguinte, eu aceito o apoio do PT, o PT fica na mesa com a participação que lhe cabe, poderia ficar com a primeira vice-presidência da casa e ponto. Estava resolvido e daria participação proporcional, nas comissões e tudo. E aí, obviamente, se tivesse havido esse apoio, eu não teria condição política de autorizar a abertura do processo de impeachment, porque eu teria sido apoiado pelo próprio governo. Eu perderia a independência que eu tive com a minha eleição. Essa que é a verdade.
Você, quando tem um candidato que acaba apoiado pelo governo, ele fica com uma certa forma numa situação de compromisso. Quer dizer, ele não vai ter condição nenhuma de abrir o processo impeachment se tiver sido apoiado. Então, sob essa ótica que você está colocando, pode ter sido um erro deles. Mas eu acho que mais do que essa ótica, que você não pode fazer um apoio achando que todo mundo vai ter um processo impeachment, até porque a vulgarização do impeachment hoje está muito maior do que era antes, em função de ter havido o impeachment da Dilma. Aliás, a gente não pode transformar um impeachment num voto de confiança no Parlamento ou achar que a gente vai fazer o terceiro turno baseado no impeachment. "Não vai ter presidente, vamos fazer um impeachment". Eu sou parlamentarista, então eu prefiro partir para a discussão do parlamentarismo.
Naquela eleição da mesa, se você fizer uma análise correta, você vai ver o seguinte: o PT teve de votos na sua candidatura o mesmo número de votos que a Dilma teve para evitar o impeachment, em torno de 130. Se isso aconteceu, ela já tinha perdido a base. Ela não perdeu a base no impeachment, ela já tinha perdido na eleição. Ela já entrou no segundo mandato sem base.
A Dilma culpava boa parte do parlamento por conta do que era chamado na época de pautas-bomba…
Eduardo Cunha A perda da base dela já estava fotografada no dia 1º de fevereiro 2015, antes de começar a legislatura. Em primeiro lugar, não teve uma pauta bomba. Eu discuto isso abertamente, me diga qual foi a pauta bomba que eu coloquei e impus ao governo? Pelo contrário. Você teve uma série de artigos feitos até pela Folha de S.Paulo sobre os ministros da Fazenda da década. O Joaquim Levy escreveu um artigo dizendo os ganhos que ele obteve como ministro da Fazenda, e todos eles calcados nos aumentos de receita que ele conseguiu com a aprovação de medidas no Congresso. Ora, ele aprovou aumento de imposto de renda de grande capital, aumento de contribuição social de lucro líquido, o fim da desoneração, o imposto de renda para repatriação de capitais. Tudo isso foi feito comigo, quando teve aumento de arrecadação do governo naquele momento por causa disso. Agora, o que eu provoquei de despesa? As despesas que foram provocadas de medidas de votações, você sabe o que que foram? Eram medidas provisórias que tinham emendas que o governo perdia no plenário, que depois tinha que inventar.
E aquela PEC [Proposta de Emenda à Constituição] da AGU [Advocacia-Geral da União], de salários?
Eduardo Cunha Não, não. Essa PEC que você está falando eu votei no primeiro turno com o governo querendo e não levei a votação no segundo turno. Eu disse que eu não levaria, porque achei aquilo um absurdo. Eu pautei porque, veja bem, um presidente da Câmara não pode deixar de pautar aquilo que a maioria dos líderes quer, porque se não você perde a governabilidade. Se o governo não controlava os líderes para poder impedir que eles brigassem por uma pauta, você não tem o que fazer.
O Arthur Lira hoje é a mesma coisa. Os líderes querendo votar, vão votar. Ou você acha que botar piso de enfermagem é uma coisa que interessa aos governos? Você acha que colocar agente comunitário de saúde na Constituição interessa ao governo? É claro que não. É claro que o governo foi derrotado. Os líderes queriam. Então, você não pode, como presidente da Câmara, dizer "a pauta é minha, eu só ponho o que eu quero". Se você faz um negócio desse, você amanhã não tem governabilidade.
Os líderes, inclusive, podem entrar com requerimento, obrigar a votação imediata de matéria. Se você for pesquisar bem, um dos grandes confrontos que eu tive dentro do Parlamento, não como presidente, mas quando o Michel Temer era presidente da Câmara, foi a votação dos royalties do petróleo. Você sabe como é que foi votada a mudança dos royalties do petróleo naquele momento? Entraram com requerimento para colocar imediatamente em pauta o projeto. O Michel teve que votar o requerimento, a casa aprovou e entrou em pauta imediatamente. Ele não tendo posto na pauta. Então, o presidente é o dono da pauta até certo ponto, mas ele não consegue controlar esse nível. E o Joaquim Levy colocou. E eu coloco o seguinte: qual é, me apresenta pauta bomba que eu apresentei? A PEC foram os líderes que colocaram.
Então, o que que eu fiz? Quando eu vi que o governo perdeu mesmo de verdade, porque eu achei que o governo ia ganhar. Eu não fiz um esforço para votar aquilo, pelo contrário, quando tinha um monte de destaque lá para aumentar a situação, eu trabalhei para evitar que os destaques fossem aprovados e quando eu vi que aquilo acabou eu falei "isso é um absurdo, eu não vou votar o segundo turno, só voto segundo turno quando aprovar uma PEC, uma outra PEC, que diz que nós não podemos criar obrigações para estados e municípios que não tenha receita efetivamente alocada para essa finalidade". E não levei por causa disso. Então, a gente precisa ter, digamos assim, honestidade intelectual. Me mostra qual foi a pauta bomba que eu coloquei? Até porque a minha origem, o meu conceito, eu sou fiscalista, eu sou liberal de economia. Eu não concordo de você impor, eu não sou favorável a fazer politicagem com aumento salarial de carreira. Meu histórico é tudo o contrário desse. Então, não tinha sentido eu partir para um negócio desse, porque é um país, a gente não pode quebrar um país por uma atuação política. Só que o governo não tinha maioria. E o que acontecia? Cada vez que tinha uma Medida Provisória, tinha uma Emenda numa medida provisória, e o governo perdia a votação. O presidente não vota. E não era com articulação minha para colocar ou para votar emenda, não. Pelo contrário, muitas delas eu derrotei naquela situação de malandragem. Se eu não tivesse feito isso, teriam sido aprovadas muitas coisas piores.
Eu acho uma injustiça essa colocação. Isso virou uma coisa política deles para justificar que não governou. Agora, vai lá, por que eles não falam as receitas? Inclusive, no caso da repatriação, eles queriam aprovar um projeto do Senado do Randolfe [Rodrigues]. Eu disse, na época, para a Dilma: "eu aprovo imediatamente, mas eu quero que venha um projeto do governo, porque eu não vou aqui aprovar o projeto de repatriação de capital, que vai ser absolutamente ilegal oriundo do Parlamento. Quem tem que fazer isso é o governo. Você está dando anistia. Eu não quero isso na minha conta".
Nós temos que desmistificar essa história de pauta bomba. Me apresenta qual é a pauta bomba que o Eduardo levou adiante e que causou prejuízo aos cofres públicos, que você possa mensurar que tenha sido minha culpa.
Essa, por exemplo, que você citou da AGU, não foi levada adiante no segundo turno, por isso que não foi. Lembre-se bem que é o Michel Temer, como presidente da Câmara, que levou a pior das PECs que poderia ter sido levada na história do Parlamento, que é a PEC 300, que é aquela que iguala os policiais militares ao salário do policial do Distrito Federal, que é uma discrepância enorme. E você sabe que essa PEC ficou presa até hoje. Ela vem do Senado, de autoria do Renan Calheiros, e está para em um destaque do segundo turno. Um simples destaque no segundo turno. Se eu quisesse ter pautado essa PEC, era a maior pressão que tinha. Só votar esse destaque ia ser uma quebradeira generalizada. Então é uma injustiça muito grande isso que colocam com relação a pauta bomba. Qual foi o grande problema do confronto que eles falam que é pauta bomba pra eles? Redução da maioridade penal? A PEC da terceirização? PEC, não, o projeto de terceirização de mão de obra. Esses foram os dois embates que eu tive, e que eles acham que isso é pauta bomba, porque eles eram contra a redução da maioridade penal e eles eram contra a terceirização de mão de obra. Mas depois quando o Michel Temer foi presidente se aprovou com a chamada reforma trabalhista. E ainda te digo mais, no projeto, nesse projeto da terceirização de mão de obra, a Dilma pessoalmente veio me cobrar por que a Petrobras foi retirada. E aí, eu disse porque foi votada. A sua base não votou. No outro dia, ela foi para a rua em um 1º de maio, para criticar o projeto como um todo, porque era a pauta do PT. Ela foi obrigada a aderir à pauta do PT, de ser contra. Mas para mim, no particular, ela queria votar e ainda reclamou do que não votou. Então, são circunstâncias que as pessoas precisam conhecer o que aconteceu para a gente saber efetivamente quem tem razão.
O senhor mencionou que é muito complexo que um presidente da Câmara, uma vez apoiado pelo governo, tenha independência. Essa condição de independência existe na relação entre Arthur Lira e Bolsonaro?
Eduardo Cunha Eu acho que sim, porque o Arthur Lira, na realidade, ele foi apoiado pelo governo, mas ao mesmo tempo que ele foi apoiado pelo governo, ele tinha uma base. Olha a situação como é completamente diferente. A Dilma tinha uma base no seu primeiro mandato que era composta pelo PT, pelo PMDB, que tinha o seu vice-presidente da República, e pelos partidos que foram para sua coligação na reeleição – e não foram poucos – o PP, o PL, o Pros… Um monte de partido lá. Ela tinha a maioria parlamentar na própria coligação da sua reeleição. E aí, ela chega na primeira votação que tem e isso foi reduzido a 130 deputados. O Arthur Lira, não. O Bolsonaro não tinha maioria parlamentar. E o Arthur Lira era líder de um bloco que deu momentaneamente uma maioria, um apoio para salvar, de uma certa forma, o governo sobre a gestão do Rodrigo Maia que tava fazendo uma política de, aí sim, de pautas bombas. Você vem falar de pauta bomba minha com a Dilma, tem que ver as pautas bombas que o Rodrigo Maia colocou para Bolsonaro em nome da pandemia. Como a história da indenização de estados e municípios que, se fosse o que o Rodrigo Maia colocou, tinha sido no mínimo o dobro do que foi dado. E, no entanto, os estados e municípios aí estão conseguindo aguentar o negócio do combustível porque ficaram com tanto dinheiro que foi transferido pela União, tanto desperdício que foi colocado ali que só aumentou a nossa dívida pública... Aquilo sim foi pauta bomba. Toda hora era uma pauta em nome da pandemia que dava despesa para o país. Até o próprio auxílio que foi dado, que começou como R$ 200, elevaram R$ 500... Foi tudo, tudo pauta bomba. Aí, com eles, não foi pauta bomba. Comigo, qualquer coisa era pauta bomba.
O Arthur tinha uma identidade completamente diferente, completamente desconectada do Bolsonaro, mas ele fez esse agrupamento dar o apoio para tentar salvar o Bolsonaro do Rodrigo Maia. E o que aconteceu? Na hora que o Arthur vai enfrentar o Rodrigo Maia, que é quem tava causando todos os problemas com o governo, eu diria o seguinte, para o Bolsonaro só o Arthur ganhar já era motivo de alívio, de respirar, porque se o Arthur não ganhasse, ia ser o caos. Então, é um pouco diferente. O Arthur não foi construído com o apoio do governo, o Arthur é que deu todo o apoio ao governo e recebeu em retribuição ao que ele fez. O apoio que, mesmo que não apoiasse, eu acho que ele ganharia do mesmo jeito. Então, é diferente a forma, entendeu? Por isso é que eu acho que ele tem independência e tem autoridade.
Ao senhor é atribuído o fortalecimento desse grupo que comumente se chama de centrão. Como foi esse processo de reorganização?
Eduardo Cunha É um pouco diferente daquilo que está sendo colocado hoje como centrão do que eu tinha naquela época quando foi construído por mim. Na verdade, não foi construído só por mim, não. Foi construído por mim e pelo Henrique Alves, o idealizador de verdade foi o Henrique Alves, que era o presidente da Câmara. E já o fez visando justamente o processo de sucessão dele. Você tinha ali naquele momento os partidos que estavam na base do Governo da Dilma insatisfeitos e os partidos de oposição, todos eles, uma parte da oposição, o PSDB, o Democratas, o Solidariedade, naquele momento, estavam de certa forma reféns do que tava acontecendo.
Nós fizemos um blocão, o nome inclusive não era centrão, era blocão. O que era o blocão? Era a reunião dos partidos da base, com partidos de oposição para em votações eventuais a gente ir junto. E foi assim que aconteceu. Tinha coisas que a gente não ia junto, a gente ia até um certo momento e a gente combinava o que que ia faze. E por que isso? Porque os partidos da base da Dilma estavam sendo sufocados, os parlamentares nas suas bases, pelos deputados do PT. O que estava acontecendo, de uma certa forma, gerou a perda da base de apoio da Dilma, gerou inclusive o fato do Congresso estar com aversão ao PT. Vou te dar um exemplo: chegava um deputado em Minas Gerais, que tinha uma base num município de Minas Gerais. Ia um deputado do PT, invadia o município e tentava tomar a base cheio de coisas da máquina que pertenciam aos Ministérios que estavam com o PT, notadamente educação, saúde… Chegava lá com dinheiro e tirava um voto do deputado. Então, havia uma revolta com as benesses da utilização do governo do PT para esses parlamentares. Foi isso que gerou a iniciativa desse blocão.
O blocão era uma resposta. Mas quando esses partidos participavam do blocão, o objetivo era dar um freio, era impedir que o PT fizesse o que tava fazendo nas bases dos parlamentares. E para isso eles tinham que se reunir. Qual era a forma de resolver isso? Era dar resposta no voto. Era para derrotar o governo mesmo, em alguns momentos. Para a oposição interessava derrotar o governo de qualquer maneira.
Esse blocão virou o embrião da candidatura que ia ser a sucessão do Henrique. Até porque o Henrique, nesse momento que a gente formou, já tinha definido que iria ser candidato a governador e não ia disputar a eleição. Ele falou que isso ia ser a base para uma candidatura para enfrentar o PT, para não deixar o PT ser presidente da Câmara. Essa que era a verdade. Aí entra o conjunto, aquele que conseguir se sobressair é o que vai ser o candidato, e acabou que eu me sobressai. Essa é a origem de todo o processo. Por isso que eu tinha dificuldades de ser um candidato apoiado pelo PT, porque a candidatura era contra o PT. É isso aqui que as pessoas têm que entender. Era contra a hegemonia que o PT tinha no Parlamento e no governo e que refletia na base e que tinha reflexo na eleição dos deputados. Esse é o problema.
Qual é a diferença entre o blocão e o centrão?
Eduardo Cunha No blocão, juntamos partidos para atuar conjuntamente no Congresso em determinados momentos. O centrão que vocês estão chamando são partidos que não foram alinhados na eleição ao governo, mas que estão reunidos dando o apoio parlamentar ao governo irrestritamente. Não é uma associação momentânea para uma determinada votação, eles fazem parte da base.
Isso se deve ao orçamento secreto? Queria ouvir uma avaliação do senhor em relação às emendas do relator.
Eduardo Cunha Em primeiro lugar não tem orçamento secreto nenhum. Você sabe que tudo que é feito de orçamento é público. Eu, como presidente da Câmara, foi praticamente o meu primeiro ato, continuei uma Emenda que tinha iniciado com Henrique Alves e aprovei o orçamento impositivo para emenda parlamentar. E qual era o objetivo do orçamento impositivo da emenda parlamentar? Era justamente evitar que o governo usasse as emendas como uma forma de trocar o apoio da votação, e só liberar essas emendas de quem tivesse votado favorável. Esse era o ponto. Eu sou parlamentar. Se eu estou com a emenda aprovada no Orçamento, não vou ficar me submetendo a ter que ser chantageado para votar no governo uma matéria que eu não quero, para ter o direito da minha emenda ser liberada. Esse foi o discurso. E esse discurso, inclusive, me ajudou muito a vencer a eleição. Tinha ajudado o Henrique a vencer a eleição. E foi uma briga muito grande. Ao mesmo tempo, começaram também a se tornar impositivas as emendas de bancada. Então, começou a tramitação comigo.
O que que é na prática? O que que acontece? Quando o Bolsonaro assumiu, houve, de uma certa forma, uma concentração de poder do orçamento como um todo na mão do Paulo Guedes. Você acabou com o Ministério do Planejamento. Isso deu um poder ao Paulo Guedes que não liberava os investimentos daquilo que estava aprovado. Você tem que pegar nossa origem. Se você for pesquisar a confusão, ela começa numa emenda do Antônio Carlos Magalhães, que tinha sido aprovada no Senado federal e estava na Câmara, que tornou todo orçamento impositivo. O Brasil é o único país daqueles que a gente pode dizer em crescimento ou desenvolvidos que tem um orçamento, uma peça de ficção como a gente tem. Qualquer parlamento de país desenvolvido gasta 80% do seu tempo simplesmente discutindo orçamento. No Brasil, a gente aprova orçamento na véspera do ano novo, com três parlamentares no plenário. A gente inventa receita para justificar os acordos das despesas que você vai colocar e, depois, no outro dia, o governo começa, vai contingenciar tudo, porque não tem como executar aquilo. Ponto.
É um orçamento autorizativo, então você está na mão do Executivo. E o parlamento nunca quis isso. Essa história do que chamam de orçamento secreto, da emenda de relator, nada mais é do que colocar uma parte do orçamento e impedir o governo de contingenciar ou o governo de não executar. Essa é a verdade.
Eu vou defender sempre o orçamento impositivo como um todo. Isso é que tem que ser. E aí, quando se discute, se exaure o orçamento, vamos sair no tapa no bom sentido para chegar ao orçamento correto, definir as políticas públicas corretas, com as receitas reais para não precisar contingenciar, não inventar receita para lastrear despesa falsa. E aí, a gente obriga a executar esse orçamento e acaba isso tudo.
A gente sabe que, constitucionalmente, a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] permite as emendas de relator, ainda que elas sejam para uma revisão e não necessariamente para uma destinação tão profunda de verba. Como o senhor vê a questão da transparência?
EDUARDO CUNHA O problema da transparência é uma consequência natural. Claro que tem que ter transparência, é óbvio. Tem que ver que mecanismo de transparência que não está dado, que tem que ser corrigido. Ninguém vai defender a falta de transparência e execução orçamentária. Qualquer um que defender isso está sonhando. Tem que se corrigir, isso é óbvio.
Muitos petistas falaram que o senhor só aceitou o pedido de impeachment em dezembro de 2015 por vingança, por falta de apoio no Conselho de Ética. Queria que o senhor comentasse isso e contasse algum tipo de bastidor daquela época.
Conto com o maior prazer. A sua pergunta é excelente para mim, não pense você que eu estou preocupado. E vou ter que voltar a fazer remessa ao livro. Claro que isso coloquei no meu livro. Primeiro lugar é o seguinte. Vamos falar o português claro, de nada adiantava eu vencer no Conselho de Ética. Quem ia decidir era o plenário, porque o voto do Conselho de Ética tem que ser confirmado pelo plenário. Se o conselho pede sua cassação, tem que ter 257 votos para aprovar. Se o conselho vota pela sua não cassação e o plenário rejeitar por 257 pontos esse relatório, você está cassado do mesmo jeito. Então, se alguém achou que eu ia estar preocupado com a votação do conselho de ética está sonhando, porque não conhece a casa ou não conhece o regimento. Alguém achou que o PT ia me apoiar no plenário? Isso é um sonho de uma noite de verão. Alguém achou que 3 meses depois, 6 meses depois, ele me apoiaria? É óbvio que não iria. Então, essa história é balela, conversa furada.
Eu autorizei a abertura do processo impeachment no dia 2 de dezembro de 2015. E por que que autorizei nesse dia? Eu autorizei nesse dia porque o Congresso, para surpresa minha, acabou levando para votação o projeto de PLN, de mudança do Congresso Nacional da meta fiscal e ia ser aprovada. Se ele fosse aprovado naquele dia, certamente depois eu não teria condições jurídicas, inclusive, de aceitar um impeachment, se virasse ali, porque o crime estaria de certa forma sanado. Aqueles decretos passariam a ser legais, mesmo que ela [Dilma] tivesse praticado o ato antes, a discussão era outra. Quer dizer, eu perderia o discurso, a garantia que ela praticou o crime de responsabilidade, mas se você pegar o meu livro, você vai ver que do feriado de 2 de novembro, ou seja, um ou dois dias antes de eu sair para viajar de volta do feriado 2 de novembro, eu assinei a abertura do processo impeachment e entreguei para o secretário geral da mesa da Câmara, o Silvio Avelino, e falei "guarde no cofre da Câmara, se acontecer alguma coisa comigo, se eu for afastado na calada da noite com uma decisão maluca do Supremo". Não quero entrar no mérito que eu estava sofrendo ameaças, estava, mas isso daí eu não quero nem dizer para não parecer sensacionalismo. Tinha várias ameaças anônimas lá que a segurança da Câmara recebia… Enfim, mas "se acontecer alguma coisa comigo, publica".
Se 33 dias antes eu já tinha assinado o processo de impeachment, por qual razão eu teria feito aquilo baseado na perda de apoio do PT? Não, se o Congresso não tivesse aprovado aquele dia, eu não ia fazer aquele dia, porque eu não queria fazer antes do fim do ano. E por quê? Eu não queria interromper esse processo pelo recesso. Eu queria fazer na volta do recesso. Essa era a minha intenção.
Recentemente, o ex-presidente Temer deu uma entrevista ao UOL em que ele fala que a ex-presidente Dilma Rousseff é “honestíssima”. Houve uma decisão durante o impeachment em que os direitos políticos dela foram preservados. O senhor corrobora com essa tese? Como vê essa declaração do Temer e a participação dele no processo de impeachment?
EDUARDO CUNHA Primeiro lugar, a opinião do Michel sobre a Dilma… Você não pode acusar ela de desonesta se ela tem uma condenação transitada em julgado. Como eu disse, todo mundo é inocente até provem o contrário. A Constituição dá o direito da produção de inocência a todo mundo, inclusive a ela, Dilma. Então, não entro no mérito da opinião dele.
Com relação a por que o Congresso decidiu preservar os direitos políticos dela, aquilo foi um rearranjo político, violentando a Constituição e que eu tenho certeza, se ela tivesse ganho a eleição de senadora em 2018, aquilo seria derrubado no Supremo. Ela perderia o mandato, ela não conseguiria manter o mandato. Aquilo não foi julgado pelo Supremo. Aquilo ali foi uma decisão política que foi acatada pelos julgadores naquele momento que eram os senadores e que seria derrubada. Como ela não ganhou a eleição, o pessoal deixou. Tinha contestação. Inclusive a minha filha fez uma contestação à impugnação do registro da candidatura dela com base nisso.
Com relação à participação do Michel Temer, eu esclareço ela muito bem no livro. Se você ,e perguntar se o Michel me fez alguma pressão para aceitar o impeachment, não, não fez. Nunca me fez e não me pediu. Se você perguntar se o Michel trabalhou para que o impeachment acontecesse, trabalhou, articulou. Porque isso aí eu até cito um exemplo do Ciro Nogueira: ninguém tira presidente, você põe presidente. Por que o Michel Temer não sofreu impeachment? Porque não tinha presidente pra botar. A gente botou um presidente, não tirou um presidente. Na concepção da classe política botou um presidente, botou Michel. Então, Michel de uma certa forma, disputou uma eleição direta no impeachment dela, não há dúvida disso. E ele articulou para isso, brigou, lutou, pediu voto, se comprometeu, isso não há dúvida. Embora ressalve, ele não pressionou o processo de impeachment em nenhum momento. Ele não teve a iniciativa que eu fizesse o processo de impeachment. A decisão e a responsabilidade são única e exclusivamente minhas, mas que ele trabalhou muito para ter o impeachment, trabalhou.
Na votação do impeachment, as palavras que a gente mais ouviu foram “Deus”, “família”, “pátria”. Qual foi o significado daquelas expressões na votação, olhando para o futuro do país? O senhor acha que Deus teve piedade da nação considerando o que veio depois?
EDUARDO CUNHA Primeiro lugar, eu como evangélico, acredito que tudo que acontece na nossa vida é pela vontade de Deus, se não fosse pela vontade de Deus, eu não estaria aqui, não falava com você, não caia um fio de cabelo da minha cabeça que não seja pela vontade de Deus. A Dilma foi presidente pela vontade de Deus e pela vontade de Deus ela caiu. Isso aí é fora de qualquer discussão na minha parte. Mas o que acontece é o seguinte, você se for ter em mente aquilo que aconteceu na sessão, você tem que voltar na mente daquilo que aconteceu no impeachment do Collor.
No impeachment do Collor, foi isso também. Era uma véspera de eleição, ainda muito mais grave. Era uma véspera de eleição municipal e virou um palanque político de todo mundo que estava lá. O que aconteceu no impeachment da Dilma? Houve uma pressão muito grande para que todo mundo pudesse ter uma fala, e a gente fez um acordo ali que eu daria dez segundos para cada um falar alguma coisa. E obviamente ninguém cumpriu, talvez só eu. A minha fala durou dez segundos. Então, muitos parlamentares são evangélicos e realmente a bancada, digamos assim, os parlamentares evangélicos são frontalmente adversários do PT e das posições do PT. Então, é natural que eles expressassem sempre com menção a Deus. Aqueles que não são evangélicos ou pelo menos não militam em cima dessa linha vieram com outras palavras.
Eu sou parlamentar evangélico e efetivamente eu usei a palavra de Deus. Você acha que Deus teve misericórdia dessa nação? Não tenho a menor dúvida. Se Deus não tivesse misericórdia da nação, nós estaríamos com o PT até hoje, essa que é a verdade. Espero que continue Deus tendo misericórdia dessa nação não permitindo que o PT volte.
Naquele mesmo áudio do Sergio Machado com o Romero Jucá, do “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”, ele compara o Temer ao senhor. Na sua opinião, houve esse acordo nacional?
EDUARDO CUNHA Se tivesse havido, teria dado no que deu? Claro que não houve. Ninguém tem condição de fazer acordo até porque o Supremo, naquele momento, estava agindo sempre muito em função da repercussão midiática dos fatos, e não com base na legislação. Hoje o Supremo, ao mesmo tempo que ainda haja críticas, o Supremo está agindo agora de uma forma diferente, e consequentemente colocou freio nesse processo.
Não há acordo com o Supremo. A gente consegue fazer acordo com 11 cabeças daquelas que a cada dia que passa são cada mais ilhas próprias, que uma não penetra na ilha do outro? Isso, aliás, é uma coisa que tem que ser revisitada. Não pode decisão monocrática, suspender lei. Decisão monocrática de impedir política pública, de revisar política pública, de impor política pública. Tudo isso são coisas absurdas que têm que ser revistas pela legislação. Você acha que se tivesse havido esse acordo eu tinha sofrido o que eu sofri?
Transferindo para o momento atual, o senhor apoia a reeleição do Bolsonaro? Qual é a avaliação do governo até aqui?
EDUARDO CUNHA Eu apoio a reeleição do Bolsonaro e apoio por duas razões muito claras, eu sou conservador de costumes e sou liberal na economia. O Bolsonaro representa isso. O Bolsonaro, claro que tenho divergência sobre muitas coisas que podem estar acontecendo, ou do próprio Bolsonaro, mas a política, o apoio político, você nunca vai ter alguém que expressa 100% você. Se nem num casamento você tem no seu companheiro ou na sua companheira alguém que é 100% igual a você, não vai ser na política que você vai encontrar. Então, por que você mantém um casamento? Por que você se casa? Você mantém um casamento porque o conjunto da obra, para você, é mais relevante. Os acertos são mais relevantes do que os defeitos que você pode atribuir ou que os outros também atribuem a você.
Não significa o fato de eu apoiar que eu integralmente concorde com tudo, mas a posição que nós temos hoje de ele ser conservador nos costumes e liberal da economia é a opção política que eu quero para o país. Analisar o governo Bolsonaro, eu acho que é uma análise muito prejudicial, porque ninguém viveu o que o Bolsonaro está vivendo. Dois anos e meio de pandemia, nós temos quase um ano de guerra… Me diz qual foi o governo que viveu esses dois momentos em conjunto. E mais: ainda assim, se você for comparar o governo do Bolsonaro com o último governo do PT, que é o da Dilma, ela perdeu 8% do PIB, perdeu 10% da renda dos brasileiros. E sem pandemia, hein? Eu costumo dizer que a Dilma, sem pandemia, perdeu isso. Imagina a Dilma com pandemia. A Dilma por si só já era uma pandemia. Imagine ela com pandemia.
A gente tem que fazer as comparações pelos resultados. Não adianta só fazer comparação por aquilo que a mídia divulga ou pelo que a mídia quer conectar. Eu discordo frontalmente dessa perseguição da mídia contra o Bolsonaro. Eu acho que tentar atribuir o Bolsonaro como golpista ou tentativa de romper a democracia... Estão colocando de uma maneira que é como se o eleitor, se votar em Bolsonaro é antidemocrata. Você tem que votar no Lula pra ser democrata. Mais ou menos assim.
Mas, antes de Bolsonaro, quando o senhor viu um presidente da República xingar diretamente ministros do Supremo? Ou colocar em xeque para autoridades nacionais e internacionais o próprio sistema de votação do país?
EDUARDO CUNHA Qualquer um tem o direito de falar o que quer e se responsabiliza pelo que fala. Ninguém está dizendo que você deve falar o que quer e não ser responsabilizado. Bolsonaro fez uma pregação enorme contra a vacina, não tomou a vacina, mas os brasileiros tiveram acesso à vacina sem nenhuma sabotagem do Bolsonaro. Aliás, quem começou a vacinar foi o Bolsonaro, não foi o Doria com a CoronaVac. Quando o governo brasileiro se associou à Astrazeneca, que foi a vacina que eu tomei, por exemplo, ela veio para o governo brasileiro no estudo quando não tinha vacina desenvolvida. E o governo matriculou, gastou dinheiro, entrou no estudo, para ter o direito à vacina da Astrazeneca. Bolsonaro pode falar o que ele quiser, eu não preciso concordar com o que ele fale. Eu quero concordar com a sua ação.
Então, se ele, por ventura, está xingando A ou B ou C, está no nível de revolta, vou para arquibancada do jogo de futebol, eu vou pra arquibancada assistir o jogo do meu Flamengo, às vezes eu xingo o juiz também. E faz parte do jogo. Isso aí é outra coisa. Cada um fale o que quer, cada um se responsabiliza.
A urna pra mim ela é segura. Eu fui eleito por ela, eu não tenho nenhuma dúvida que a urna foi correta na minha eleição. Agora, isso não quer dizer, não dá um cheque em branco para autorizar que a urna vai ser segura a vida toda, até porque a sua casa tá bem trancada hoje, mas o ladrão entra amanhã. E se o ladrão entrar amanhã, a casa deixou de ser segura. Então, por que que eu vou fechar a transparência com relação ao processo eleitoral? Por que eu tenho que ficar parado no discurso que a urna é segura? Quem diz que a urna não é segura é antidemocrata, é golpista, é porque quer dar um golpe no país, é por que não aceita o resultado, é por que está afrontando a democracia, questionando a urna? Eu não acho isso.
Eu acho que, pelo contrário, se eu tenho uma urna, eu defendo a urna, e eu defendo que a cada dia que passe ela tenha mais transparência para que não se tenha dúvida. A pior coisa que tem é o que está acontecendo hoje. Uma parte da sociedade está com dúvida, e essa parte da sociedade não vai se satisfazer com a simples palavra do ministro dizendo que a urna é segura.
Qual é o ato que ele está praticando de antidemocrático por querer questionar uma urna? Você sabe que, semana passada, eu estava no interior de São Paulo e fui discutir defendendo a urna lá com o um homem lá e o cara vira pra mim e diz "mas me diz um país desenvolvido que tem uma urna dessa?". Eu fiquei sem resposta, porque não tem mesmo.
Nos EUA, que é muito descentralizado, eles têm votação eletrônica.
EDUARDO CUNHA Tem votação eletrônica, mas tem a cédula lá que o cara preenche. E a cédula fica. Esse é o problema. O cara pode conferir. E tem reportagem. O cara me perguntou e eu falei que não sabia responder. E ele tem razão, ele realmente tem razão. Então, a dúvida está na cabeça do eleitor. É óbvio que tem possibilidade de amanhã acontecer alguma coisa. Eu não estou dizendo que aconteceu, nem estou dizendo que vai acontecer. Eu estou dizendo que pode acontecer. Aí eu fico vendo essa balela de criticar as Forças Armadas. Quem chamou as Forças Armadas para participar? Foi o Bolsonaro que colocou ou foi o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] que convidou as Forças Armadas? Queriam tirar as Forças Armadas da fotografia para mostrar que estavam aderindo ao processo, dando legitimidade, quando eles foram contestar, se irritaram.
Há cientistas políticos que atribuem Bolsonaro a um populismo de extrema direita. O senhor não acha que pode estar lidando com um político da extrema direita?
EDUARDO CUNHA Então, o outro é um populismo de extrema esquerda, porque nós temos aí o Lula, que implementou várias políticas populistas e que está pregando o aumento, a continuidade dessas políticas, ao mesmo tempo está pregando a regulação e a censura da mídia. Então, essa coisa é muito complicada, a gente tem que analisar os dois lados. Por que só se contesta o Bolsonaro por um aspecto e não se contesta por outro? Por quê? Eu vou te responder a minha opinião. A rejeição ao Bolsonaro está se transformando, para uma parte da sociedade, patrocinada pela mídia, em aversão, eles estão tentando transformar o Bolsonaro, transformar a rejeição em aversão. Aceitam qualquer coisa que o PT faça para poder ficar livre do Bolsonaro. "Depois nós vamos cuidar do PT, mas por enquanto acho melhor cuidar do Bolsonaro, porque o Bolsonaro para gente é um mal maior". Então, não é pelo contorno ideológico que o Bolsonaro represente de direita, é porque é o Bolsonaro, esse é o problema. A aversão que estão tentando transformar é a figura do Bolsonaro e não a ideologia, o que ele representa, o que ele deixa de representar. Porque se for discutir sobre esse lado, o que o PT prega é muito mais grave. Ou você acha que regulação de mídia é o quê? Regulação de mídia social é o quê? Isso é censura. Eu sou um dos maiores críticos da imprensa que tem e fui um dos maiores defensores de evitar a regulação de mídia.
Eu sou adepto àquele ditado, contra a má imprensa, mais imprensa e vambora. A gente enfrenta. Eu processo quando me xingam, falam mentiras. Isso é da regra do jogo, é meu direito. Agora, nunca impedi ninguém de falar. Nunca fugi de falar com quem quer que seja. O Lula, não. Ele defende um lado. Então, eu acho que esse lado aí está um pouco deturpado pelo processo eleitoral. Você pode colocar que o Bolsonaro conseguiu é dar uma cara à ideologia de direita, porque antes se falava que se tinha ideologia, tinha que ser de esquerda. Se o cara era de direita era fascista. Esse estereótipo é que não dá para aceitar mais, só porque o cara está na direita, o cara é fascista, isso não dá. E o Bolsonaro deu uma cara à direita.
Mesmo que o Bolsonaro, por si só fosse isso que você está falando, isso não significa que o governo dele ou a sociedade debaixo do governo dele vai se tornar extremista. Porque para isso tem o Congresso pra ponderar, para isso tem a sociedade. Da mesma forma quando o Lula foi tentar fazer a regulação da mídia, teve gente para atuar para impedir, inclusive eu. Então, ele não conseguiu impor sua pauta de extrema esquerda. Nós não vamos deixar. Se o Lula for tentar liberar o aborto, como ele prega, nós não vamos deixar. Então, são circunstâncias que os extremos podem ter as suas ideias ou podem representar os extremos, mas para isso existe o centrão, ou o centro, traduzido do ponto de vista da sociedade, e não a conjunção única e exclusivamente que é do parlamento, mas esse centro atua para ponderar e moderar os extremos. Essa é a minha visão.
O senhor acha que a direita conseguiu se assumir graças ao Bolsonaro?
EDUARDO CUNHA Eu acho que a direita conseguiu ser vista como uma opção política em função da atuação do Bolsonaro. O que acontece é que justamente pelo fato de você só considerar quem tinha ideologia quem era de esquerda, e quem não era como fascista, as pessoas tinham vergonha de assumir que eram direita. Porque se eu sou de direita eu sou fascista, ou vou ser considerado fascista. E quando o cara lembra de fascismo, ele lembra de Hitler. Então, é uma associação. Era uma coisa muito depreciativa. Não é assim que funciona, não é assim que pode funcionar.
O senhor optou por um partido, o PTB, que tem uma liderança histórica do Roberto Jefferson, que tem cumprido uma série de medidas cautelares por conta do que ele vem falando. E ele tem falado muito sobre um risco comunista no Brasil. O senhor concorda com o que ele tem falado? Sente-se bem representado pelo partido?
Eu me filiei ao PTB por três grandes motivos. Primeiro lugar, o PTB é o primeiro partido ao qual eu me filiei na vida. Me filiei em 1982 ao PTB. Eu estou retornando ao PTB na verdade, eu não estou vindo pro PTB agora. Em segundo lugar, o PTB prega, pelo menos no seu estatuto, a concepção macro daquilo que eu concordo. Eu sou conservador nos costumes e liberal na economia. Do ponto de vista de afinações ideológicas, da posição do PTB, eu me considero dentro dela. Se você considera que ser conservador de costume e ser liberal de economia é isso, então eu sou. Agora, o PTB tem outras posições ou pelo menos é mais complexo na análise de algumas dessas posições que não necessariamente seja aquilo que eu possa pensar como um todo, mas no macro, eu concordo com o PTB, senão eu não estaria lá.
A razão pelo que eu me filiei, além de eu concordar com parte disso, é porque eu queria um partido que estivesse na base do Bolsonaro. Se eu ia defender a reeleição do Bolsonaro efetivamente, eu não iria para um partido que fosse ser contrário à reeleição do Bolsonaro. Esse era um fator fundamental. Ainda tinha um problema de conjunção política de formação de nominatas para poder. Infelizmente esse é nosso sistema político e eu defendo a mudança drástica pelo aquilo que eu falei antes, de você não lembrar em quem vota para deputado. Tem que vir um sistema distritão. São Paulo elege 70 deputados tem que ser os 70 mais votados. Daí eu fico no partido por minha opção e não por conjunção de nominatas. Então, a conjunção de nominata foi um dos fatores.
Eram os três pontos, eu concordo com a base do PTB, estava incluído dentro da minha profissão, que eu defendo, eu sou conservador de costume, eu sou um grande defensor contra o aborto e o PTB defende fortemente essa bandeira. Sou liberal de economia. O PTB está na base do Bolsonaro, e o PTB me deu condição de poder formar uma nominata que me permitisse viabilizar a eleição. Então, são fatores que levam à escolha. Eu estou perfeitamente comportado. E não vim para o PTB, retornei ao PTB.
O senhor é um político ligado aos evangélicos. Por que acha que a bancada evangélica ganhou tanta força nos últimos anos?
EDUARDO CUNHA A discriminação que a mídia faz com a bancada evangélica, porque você, quando é deputado evangélico, o cara é deputado evangélico. Agora, um deputado espírita, alguém escreve deputado espírita? Deputado católico, alguém escreve deputado católico? Um deputado ateu, alguém escreve deputado ateu? Nunca. Começou justamente por causa da discriminação. Ela [banca evangélica] cresceu por dois motivos: porque cresceu a população evangélica e porque cresceu o engajamento da população evangélica em eleger representantes. Ela ganha relevância na medida em que ela cresce, e na medida que ela passa a ter influência.
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2022/12/27/%E2%80%98Dilma-foi-presidente-e-caiu-pela-vontade-de-Deus%E2%80%99
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