Entrevista com Jane Bennett
10 Dezembro 2022
A filósofa Jane Bennett estende a vida ao não humano em Matéria vibrante, ensaio radical que aprofunda o pensamento ecológico.
A entrevista é de Javier Mattio, publicada por La Voz, 04-12-2022. A tradução é do Cepat.
Alinhada a uma filosofia de novo século que discute a centralidade humana e sua cegueira planetária, a teórica Jane Bennett (EUA, 1957) propõe uma extensão da vida ao não humano em Matéria vibrante: uma ecologia política das coisas, que é um ensaio radical de profundidade ontológica, ética e político-ecológica.
Tão lúcido quanto conjectural, o texto dialoga com a tradição (Epicuro, Spinoza, Nietzsche, Bergson) em sua definição de uma coisa com existência e poder próprios que não poderia mais ser considerada objeto, bem como na inclusão de seres humanos e não humanos em um vasto agenciamento que vai além da individualidade, em consonância com concepções científicas (quânticas e genéticas) recentes.
A superação da dualidade vida-matéria desenvolvida por Bennett também tem consequências políticas interessantes, pois noções antropocêntricas como a representação ou a igualdade são menos desejáveis do que uma democracia materialista consciente de seus canais interativos; o que pulsa em Matéria vibrante é uma nova afetividade, uma consciência mutante que é coisa e vida ao mesmo tempo.
"Diferentes pessoas têm filtros sensoriais diferentes, e eu sou uma daquelas que tendem a captar os pequenos aspectos dos objetos, sou boa em perceber os detalhes que parecem falar comigo, disse Bennett em conversa via Zoom. Não tenho certeza se existe uma lógica estrutural do todo, então não procuro por ela ou percebo que ela existe. Também durante toda a minha vida li livros sobre a natureza, estudei ciências naturais no primeiro curso que fiz antes de mudar para a filosofia”.
“E outro tema indiretamente relevante”, prossegue, “é que meu irmão foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide quando jovem. Quando ele era criança, percebi que ele se relacionava melhor com os objetos do que com as pessoas, ele se voltava para os objetos, as coisas eletrônicas e os cabos; e como cresceu ao meu lado, me pergunto se estou ligada a ele de forma biológica e tenho algo dele, ou se sintonizei sociologicamente com alguém voltado para as coisas. Depois me interessei pela economia política do lixo, a ideia simples dos anos 1970, 1980 e 1990 de que se você joga alguma coisa fora, não há um fora onde isso vai parar, mas, pelo contrário, vai ficar aí”.
“Não sou uma filósofa no sentido acadêmico, algo do que me alegro, porque em geral a disciplina não permite brincar muito. A filosofia tenta reduzir tudo a suas categorias e análises, e acho que o mundo é melhor descrito por aquilo que Deleuze chama de inexato, aquilo que é essencialmente indeterminado não porque nós não o entendemos, mas porque a própria coisa é vaga. Existem muitos poderes e formas vagas que nos interpelam, e a filosofia não é tão boa com o vago, por isso me inclino para o poético e o literário”.
E completa: “Mas, ao fazer meu doutorado, estudei a história do pensamento político e tentei unir a experiência sensitiva cotidiana de pessoas que prestam atenção às coisas e são receptores sensíveis com a tradição filosófica do vitalismo. Não sou exatamente uma adepta do vitalismo, mas tomo muitas coisas dele. Reflito sobre a eficiência, o poder, a atividade das coisas, seja qual for sua origem, seus átomos ou sua constituição física. Penso que a matéria é viva em si mesma, talvez não viva literalmente, mas operativa no sentido que Bruno Latour lhe conferiu, ele que meditou muito sobre essas questões”.
Eis a entrevista.
Você se refere ao apagão sistêmico de 2003 na América do Norte para ilustrar a codependência entre diferentes actantes. Seria a pandemia um exemplo?
A pandemia é um grande exemplo; e se estivesse escrevendo o livro agora, eu o usaria. Eu acreditava que depois do apagão surgiria a esperança de se abrir à existência de poderes não humanos, os poderes atmosféricos que operam em nós, como a eletricidade, mas também as mudanças climáticas de forma que não seja moralizante, que não se reduza a bodes expiatórios. Eu esperava que fosse uma oportunidade para desmoralizar a política e aplacar a culpabilização e o desejo de punir, mas não foi o que aconteceu.
A pandemia, pelo menos nos Estados Unidos, revigorou o pior do humanismo, do centralismo humano, e essa ideia de que a melhor forma de responder às complexidades impostas pelas mudanças climáticas é dobrar a aposta em um caminho óbvio e retrógrado.
Penso, porém, que para muitos o fenômeno serviu para revelar como estamos entrelaçados com as forças elementares, geológicas e climáticas. Mas há uma grande parcela de pessoas que querem apenas reaproveitar a velha forma de resolver as coisas. Talvez tenha a ver com hábitos de percepção, aspectos que reforçam hábitos de percepção disfuncionais. Pessoas que falam muito no Twitter, a falta de atenção, talvez seja algo fisiológico... Precisamos mudar nossos hábitos de percepção, rever onde colocamos nossa atenção e o que estamos deixando passar.
Como conciliar a ausência de responsabilidade com a noção de mudança?
Esta é a pergunta-chave. Uma crítica que recebo dos neomarxistas é que eu tiro a responsabilidade humana quando fica claro que existe um grupo de pessoas moralmente responsáveis pelas mudanças climáticas. Eu concordo, mas não concordo com a estratégia de denúncia, que a solução consiste em identificar agentes poderosos e prendê-los para que parem de fazer coisas abjetas. Não acho que essas invocações tenham muita influência.
Acreditamos que temos um enorme poder transformador quando, provavelmente, é menor do que pensamos. Essa perspectiva coloca as pessoas no centro, em oposição a elementos excepcionais do mundo físico. Não é possível tachar as pessoas de responsáveis como gostaríamos, mesmo a pior pessoa tem uma disposição de fatores sociológicos, psicológicos e físicos que influenciam suas ações.
Mas isso não equivale a dizer que você não possa tentar administrar a situação para que mais pessoas por mais tempo se sintam receptivas, empáticas e compreensivas com seu entrelaçamento na composição. Eu dedicaria meus esforços éticos para preparar o cenário para que mais pessoas se sintam conectadas e vejam como o que elas fazem retorna para elas. Mesmo se Trump morresse ou fosse impedido de concorrer à presidência, a continuação da sensibilidade nacional e do humor público dos Estados Unidos faria com que outro Trump aparecesse.
O que pensa das medidas efetivas que buscam integrar o não humano?
O mais importante que está sendo feito é pensar em conceder direitos legais ao não humano e à natureza, e em sair de uma economia política baseada no carbono. Meu companheiro William E. Connolly é muito bom em atuar nesse nível e falou sobre a política do formigueiro com eventos transnacionais simultâneos de protesto climático.
Prefiro pensar em atuar em outro plano importante de transformação, mas que não tem nome político. Mudar o que as pessoas veem, o que percebem, também é um fato político. Mas geralmente o termo "político" não inclui isso, ele está centrado no humano, nos chamados "elementos estruturais", o que é bom levar em consideração, mas não penso que seja fácil manter esse modelo de política e incluir as forças materiais não humanas.
Não acho que isso seja possível porque essas matérias vibrantes não podem falar, não podem votar, não podem se fazer presentes em uma sala. Precisamos explorar outras formas de colaborar com esses poderes para abranger toda a composição. De qualquer forma, ambas as posições se influenciam, pois conforme as pessoas exploram o tradicional ativismo político anarquista, a participação nesses eventos altera sua sensibilidade, que pode então se desenvolver e se expandir em novas práticas que incluem o ativismo.
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