Fabrício Carpinejar*
O fim do amor é sempre homicídio imaginário. A boca estará estranhamente carregada de rancor.
O amor nunca morre de morte natural. Nem sempre tem tempo de chegar à velhice, nem sempre tem chance de amadurecer de mãos dadas e acompanhar seus filhos crescendo.
Morre porque o matamos ou o deixamos morrer.
Morre envenenado pela angústia. Morre enforcado pelo falso abraço. Morre esfaqueado pelas costas por uma intriga. Morre eletrocutado pela grosseria. Morre atropelado pela ansiedade. Morre sufocado pelo silêncio.
Por orgulho, deixamos o amor morrer. O orgulho não salva ninguém. O orgulho coleciona mortos.
Mortes patéticas, cruéis, anônimas, em valas comuns, sem obituário e missa de sétimo dia. Mortes invisíveis, sem alarde ou socorro.
O amor não é capaz de falecer dormindo, com a bênção na paz da cama. Sequer é capaz de gastar a fortuna da saudade que acumulou em segredo. Tudo porque acabamos com ele antes.
Morre com um beijo dado sem língua. Com um dia morno. Com uma indiferença. Com a falta de atenção. Com o desinteresse da agenda. Com a frieza dos olhos. Com palavras desprovidas de vontade.
Morre porque não queremos nos incomodar com discussões. Morre porque postergamos os nossos desejos. Morre porque queremos que morra. Decidimos que ele está morto. Não nos apetece mais. Não nos agrada mais. Não corresponde mais às nossas expectativas.
É só passar a fase da paixão, das postagens, da curiosidade, da novidade, que o amor é posto de lado. Não se pretende arcar com o trabalho de cuidá-lo.
O amor poderia existir para sempre, ele não tem fim. Seu fim é humano. Nós é que criamos a despedida, forjamos um desfecho, por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que a nossa vida.
O fim do amor é sempre homicídio imaginário. A boca estará estranhamente carregada de rancor.
Repasse os olhos pelos seus namoros e casamentos. Você permitiu que o amor morresse. Você o viu indo para o mar de noite e não o socorreu. Você percebeu que ele poderia escorregar dos andares da memória e não falou nada. Você não preveniu o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro acidente. Aceitou que desmoronasse, sucumbisse.
Por orgulho, deixamos o amor morrer. O orgulho não salva ninguém. O orgulho coleciona mortos.
Matou o amor porque não tolerou o contraponto. A divergência. A diferença. Não aguentou que seu par não fosse espelho ou cópia de segurança da sua personalidade. Matou o amor porque alguém conheceu os seus defeitos e você ficou envergonhado.
O amor é sempre assassinado. Você esconde o corpo da pessoa em seu próprio corpo. E recomeça sua vida amorosa com a certeza de que não houve testemunhas.
* Fabrício Carpi Nejar, ou Fabricio Carpinejar, como passou a assinar a partir de 1998, é um poeta, cronista e jornalista brasileiro. Imagem da Internet
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