Assisti com amor, obstinação e esperança, a 19 Copas do Mundo! A minha felicidade em todas elas era peculiar: eu torcia e sofria por um time já escolhido: o selecionado do meu país. Desse meu Brasil brasileiro que eu, “entre outras mil” e por ausência total de escolha – e nisso jaz um dos mistérios da lâmpada de Aladim – é minha pátria amada e idolatrada. Soa banal e conservador? Pois que assim seja.
Ah! Se na vida pública nós tivéssemos o mesmo engajamento emocional que temos com o futebol, como o Brasil seria efetivamente grande porque jamais perdoaríamos os que jogam com os cargos que possuem como vencedores efetivados.
Mas hoje, nessas 15h30 de uma estival sexta-feira niteroiense, eu apenas constato que fiz o meu máximo: jamais rezei tanto pela vitória do Brasil do que neste jogo contra a Croácia. Deus do céu, como implorei e como minh’alma pesada por todos os pecados tenteou elevar-se para implorar aos deuses e ao gênio da lâmpada pela nossa vitória.
As almas do purgatório nos levaram, após consultas solenes, às Altas Esferas Divinas aos pênaltis. Mas mesmo nessa prorrogada praia, morremos. E, como em todo jogo, guerra ou amor, apesar de todas as impossíveis promessas (não tomar uísque por um mês, não deixar de caminhar diariamente, não pensar tanto e tão vergonhosamente em sexo, deixar de ler e comer meu peixinho com molho de manteiga...), não fui atendido e vivi as agonias do futebol, naquela disputa dos fuzilamentos em série de que os pênaltis são o mais perfeito equivalente simbólico.
E assim, aqui estou com o Johnny Walker do meu lado – esse companheiro de caminhadas e de vida; esse ser em forma líquida cujo espírito (o nobre álcool) é irmão gêmeo do gênio da lâmpada mágica para animar meu velho corpo e rejuvenescer o meu espírito. As lágrimas não me alcançam, porque elas foram torrenciais em outros momentos, mas um contido soluço está na minha garganta, que eu afago com um gole. Meu coração, porém, está despedaçado neste teclado de computador.
Meus filhos e netos falam comigo. Estão apenas no começo ou no meio da descoberta de que tudo – simplesmente tudo! – nessa vida é sofrimento, frustração, coragem e resignação.
Perder é viver a morte; vencer é, por um instante, viver para sempre. Ilusões e sonhos. Sem essas usinas do amor contido pela verdejante esperança, eu teria morrido nesta tarde de Brasil e Croácia. Viva o futebol, viva a derrota que nos torna humanos e absolutamente certos de que estamos vivos.
* Antropólogo, conferencista, filósofo, consultor, colunista de jornal e produtor brasileiro de TV.
Fonte: https://www.estadao.com.br/cultura/um-velho-coracao-ferido/ 14/12/2022
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